Reféns do Hamas
Israel perde apoio internacional ao enfrentar um inimigo malicioso na tentativa de impedir a repetição das atrocidades cometidas há dois anos

O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu foi o único chefe de Estado vaiado ao se dirigir ao púlpito para discursar na Assembleia Geral da ONU deste ano, em 26 de setembro.
O comportamento dos diplomatas que se retiraram da plenária, para boicotar o representante de Israel em protesto contra a ofensiva israelense na Faixa de Gaza, contrasta com sua deferência ao presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, que discursou sem qualquer reprimenda mesmo que seu país carregue um vasto histórico de desrespeito aos direitos humanos de sua própria população.
O Irã, aliás, patrocina os grupos terroristas Hamas e Hezbollah, responsáveis por ataques periódicos ao território israelense. O grupo que comanda Gaza cometeu em 7 de outubro de 2023 o pior massacre de judeus desde o Holocausto, mas as primeiras manifestações de rua no Ocidente deflagradas após os atos terroristas daquele dia foram dirigidas contra Israel, e não contra o Hamas.
"Foram relatados vários estupros e violência sexual no massacre do [festival de música] Nova, de homens e mulheres. Múltiplas testemunhas e alguns dos agentes de resposta confirmaram que alguns dos mortos e dos sobreviventes foram estuprados por gangues de terroristas naquela manhã, mas, ao mesmo tempo, e de forma previsível, logo surgiram tentativas de negar que isso tenha ocorrido. Muitas pessoas no Ocidente que passaram os últimos anos dizendo 'acredite em todas as mulheres' não acreditaram nas mulheres que disseram que tinham sido violadas naquela manhã", diz Douglas Murray em On Democracies and Death Cults (Broadside Books), o relato mais completo sobre a reação ocidental ao massacre de 7 de outubro de 2023 já publicado.
Proporcionalidade
O jornalista britânico passa boa parte do livro tentando entender como o Estado que reagiu a um ataque deliberado e covarde contra civis — os terroristas não pouparam nem idosos ou bebês — se tornou instantaneamente o vilão da história para grande parte da intelectualidade ocidental, antes mesmo do início da tão criticada reação militar contra alvos militares camuflados em zonas civis.
"É dizer o óbvio, claro, mas precisa ser dito que todas as guerras têm ao menos dois lados. Isso não significa, como muitos jornalistas ocidentais parecem acreditar, que esses lados são moralmente equivalentes, da mesma forma que não são militarmente iguais. Um lado começa uma guerra e o outro responde, ainda que possa ser debatido quem começou. Mas é em meio à bagunça da resposta que os repórteres se perdem. Se eles cobrem o soco, devem também cobrir o contra-soco, e se o contra-soco é visto como excessivo ou mesmo carregue seus próprios horrores, então é perfeitamente possível que você mesmo se perca [na tentativa de compreender]", diz Murray, destacando que Israel é confrontado, quase que exclusivamente, com a ideia de proporcionalidade a cada reação contra seus agressores.
"É um conceito curioso, que ganhou proeminência quase que apenas em conflitos envolvendo Israel. Por anos, sempre que Israel respondeu a um ataque ao seu povo, a mídia do mundo caiu em um debate sobre proporcionalidade. Em contraste, é raro ouvir uma discussão sobre se a resposta ucraniana à agressão da Rússia é proporcional ou não, ou se a reação do Ocidente ao Estado Islâmico no Iraque foi proporcional ou não. Não há lei de guerra que diz que você pode iniciar um conflito e, depois, reclamar quando você começa a perdê-lo, e não há guerras na história da humanidade em que a resposta à agressão pode ser exatamente calibrada para igualar a agressão original", segue Murray.
O que é proporcional?
Qual seria a reação proporcional aos atos cometidos pelos terroristas do Hamas em 7 de outubro de 2023? Invadir uma festa de música em Gaza? Estuprar o mesmo número de mulheres? Matar exatamente 1.200 pessoas e sequestrar outras 251? Transmitir as mortes ao vivo nas redes sociais?
O que Israel tenta fazer até hoje é impedir que as atrocidades cometidas há dois anos em seu território se repitam. A principal dificuldade está em lidar com um inimigo que não comungam dos mesmos valores, e nem sequer segue as mais básicas regras de guerra, como a tentativa de preservar as vidas de civis — sem mencionar o fato do que seu principal objetivo declarado é acabar com Israel.
O Hamas trata qualquer israelense como alvo militar, mesmo crianças e mulheres com mais de 80 anos, sob o pretexto de que esses civis foram ou serão soldados em algum momento. Já os cidadãos que os terroristas dizem representar na Faixa de Gaza são tratados como mártires, e suas mortes são celebradas ao mesmo tempo em que são usadas para constranger o oponente internacionalmente.
Mesmo sob essa lógica macabra, parte da comunidade internacional explora até imagens fabricadas de sofrimento em Gaza, o que leva Murray a tocar em seu livro no tema do antissemitismo.
Antissemitismo
"O antissemitismo é sempre um meio e não um fim; é uma medida das contradições ainda a serem resolvidas. É um espelho das falhas dos indivíduos, das estruturas sociais e dos sistemas estatais. Diga-me do que você acusa os judeus — eu lhe direi do que você é culpado", diz Vasily Grossman em seu clássico Life and Fate, citado pelo jornalista inglês.
Murray chama a atenção para Hajj Amin al-Husayni, o Grande Mufti de Jerusalém, que colaborou com o regime nazista de Adolf Hitler contra a presença dos judeus no Oriente Médio.
Al-Husayni foi um dos poucos colaboradores do nazismo que escapou de julgamento e "voltou para seu país natal em triunfo, como um herói", como descreve o autor de On Democracies and Death Cults. Para Murray, foi a influência de Al-Husayni que transformou o Oriente Médio na única região do mundo onde o antissemitismo nazista não é visto como uma ideologia tóxica e perdedora.
Hoje, o Hamas amarga derrota atrás de derrota no conflito deflagrado pelos ataques terroristas de 2023, e, apesar de ter perdido boa parte das lideranças, aumentou a rejeição a Israel no mundo todo, por se esconder atrás da própria população após semear o terror de forma deliberada e até orgulhosa.
Esse é o preço que a única democracia do Oriente Médio paga para continuar existindo: mesmo quando consegue subjugar seus inimigos, sempre se esforçando ao máximo para respeitar os códigos de guerra — porque tem contas a prestar —, o Estado de Israel é cinicamente constrangido por quem não dá o mínimo valor para a vida e, ainda assim, consegue convencer muita gente do contrário.
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