Luta contra Darwin
Se é verdade que a vida humana resulta da vitória do espermatozoide mais apto, então é preciso fazer uma revisão urgente da teoria

Foi no calor das secas e da agitação das câmeras que se ouviu, de modo solene e sem rastro de rubor, a seguinte tese: “Deus mandou a seca para depois mandar o Lula”.
Não se tratava de uma homilia, tampouco de um sermão pentecostal entrecortado pela “língua dos anjos” e “sapatinhos de fogo”.
Era o chefe da nação, Luiz Inácio, em mais uma epifania discursiva, revelando – como quem narra um segredo cósmico – sua missão providencial, divina, sobre o sertão ressequido.
O deserto ardia, mas eis que Deus, tocado pela aflição do povo, não enviou Moisés, nem Elias, mas Lula. E os céus disseram: “Faça-se o PAC!”.
Em tempos antigos, a mitologia cumpria a nobre função de dar sentido ao caos do mundo.
A seca, na Grécia, era a ira de Poseidon; no Egito, a distração do Nilo; em Israel, castigo divino para a idolatria.
Agora, no Brasil, ela passa a compor um sofisticado plano logístico do Altíssimo, cujo objetivo último é glorificar um político de palanque: chamo de Teologia da Desfaçatez.
Não se deve, todavia, apressar-se em zombar da fala.
Há algo de genial na automitificação lulista.
Como um Ulisses tropical, Lula costura sua própria epopeia entre goles de cachaça – agora não mais… de vinhos caros, sempre o “dos amigos” – e tapinhas nas costas.
Onde havia desgraça, fez-se a obra. Onde havia sede, construiu-se um duto. Onde havia dúvida, proclamou-se um decreto de fé: “Não fui eu, foi Deus quem quis: sou apenas o Messias”.
Lula, segundo ele mesmo, é filho de um conclave: do tipo de que eleva figuras politicas um tanto desprezíveis, mas ainda um conclave.
Naturalmente, seria estreiteza filosófica interpretar isso literalmente.
O que Lula nos oferece aqui é uma teologia do poder: um messianismo reciclado, de tipo chinfrim, no qual o Estado assume os atributos da graça, e o governante, os poderes do Cristo operário.
O PT, sob esse ângulo, é menos um partido e mais uma Igreja: seus adversários, hereges; seus escândalos, provações; sua história, um evangelho alternativo, com direito a prisão, martírio, ressurreição e ascensão (ao Planalto).
E que ironia cruel: o mesmo Deus que em tempos passados mandava o profeta para converter o rei, agora envia o rei para substituir o profeta.
O nordestino, esse personagem trágico da história brasileira, não tem mais o direito à representação realista: à política de verdade, à infraestrutura decente, ao federalismo sério. Não.
Ele é convocado como coadjuvante na fábula da redenção. A seca, outrora sinal de abandono e incompetência estrutural, torna-se elemento cênico para o roteiro de glória de um sebastianismo sindical: Deus mandou a seca… para, depois, mandar Lula para resolvê-la.
Que ser bizarro poderia dizer algo assim sem qualquer engasgo de constrangimento? Bem, Lula, para começar.
Mas há um dado revelador na escolha da seca como artifício teológico. A seca é castigo, e, como tal, exige salvação.
É nesse ponto que o lulismo difere radicalmente de Sócrates.
Se este último, em sua Apologia, afirma nada saber e clama à verdade acima dos homens, o ex-metalúrgico prefere a infalibilidade dos ungidos: “Se há sede, é porque me faltavam votos; se há água, é porque Deus me escolheu”.
E assim segue o culto à irracionalidade e à infâmia (aliás, Sócrates tinha o seu daimon; Lula tem Janja… cada um tem o demônio que merece).
É claro que há quem veja na fala apenas uma metáfora.
Mas não há metáfora em que há cálculo assim, baixo.
A divinização retórica de Lula não é acidente: é estratégia.
Trata-se de transfigurar a política em fé, os eleitores em devotos, a crítica em blasfêmia.
E, nesse sentido, o Brasil do século 21 realiza uma síntese perversa: a tecnocracia do populismo e a superstição de palanque.
Ao contemplar esse ultrajante espetáculo, não posso evitar um dilema darwiniano: se é verdade que a vida humana resulta da vitória do espermatozoide mais apto, então o caso de Lula exige uma revisão urgente da teoria.
A não ser, é claro, que a aptidão evolutiva, em certas democracias tropicais, se defina não pela inteligência ou pela virtude, mas pela extraordinária capacidade de se adaptar aos instintos mais baixos de massas amorfas de seres humanos.
Não, não pode ter sido o mais apto… ou pode?
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Comentários (6)
Clayton De Souza pontes
2025-05-31 08:15:47O Lula e suas narrativas fantasiosas pra se promover e se isentas das pilantragens tradicionais, como o Petrolão. Ainda bem que a avaliação popular está condizente com o baixo nível do governo
Avelar Menezes Gomes
2025-05-30 23:05:44Se o espermatozoide mais apto gerou o Lula imagina os menos aptos o que gerariam
Andre Luis Dos Santos
2025-05-30 22:44:26Excelente! E tem ainda mais um ano e meio desse merda dizendo asneiras. Foda aguentar isso.
Marcelo Tolaine Paffetti
2025-05-30 11:45:59A vaidade e o messianismo de Hitler levaram o nazismo à derrota. O mesmo vai acontecer com Lula e o PT.
Albino
2025-05-30 08:19:51Confesso (já que estamos no terreno místico/religioso) que não sei (Sócrates) se é pra rir ou pra chorar...
MARIA MACIEIRA
2025-05-30 06:40:10Brilhante! Parabéns pelo texto!