Checagem pela multidão
Por que as notas de comunidade podem melhorar a moderação de conteúdo nas redes sociais

O diretor-executivo da Meta, Mark Zuckerberg, poderia ter feito tudo mais fácil quando anunciou que substituirá as agências de checagem pelas notas de comunidade nas suas redes sociais.
Bastaria ele ter usado apenas critérios técnicos para justificar a mudança.
As notas de comunidade são mais ágeis, são levadas mais a sério pelos usuários, não têm o viés ideológico das agências de checagem e podem dar conta do enorme volume de informações publicadas diariamente nas redes sociais.
Mas o dono do Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp só armou confusão quando, no vídeo em que anunciou a substituição, citou o presidente eleito Donald Trump e falou que iria mudar sua equipe de moderação de conteúdo do estado democrata da Califórnia para o republicano Texas.
Pânico nas redações
No final das contas, o posicionamento político de Zuckerberg acabou orientando a reação à sua fala.
Muita gente lamentou sua adesão ao trumpismo.
Donos de agências de checagem (muitos deles, jornalistas) deram entrevistas dizendo que choraram ao saber da notícia, imaginando o impacto negativo nos seus negócios e nas redes.
Seus amigos jornalistas, sentados nas redações, prestaram solidariedade.
Mas pouco se falou sobre o que são de fato as notas de comunidade, o impacto que elas já estão tendo e que ainda poderão exercer nas redes.
Esse recurso tem sido estudado há dois anos e tem animado alguns cientistas.
Como funcionam as notas de comunidade
Quando Elon Musk comprou o Twitter em 2022, ele demitiu os empregados que trabalhavam com moderação de conteúdo e confiavam nas agências de checagem.
No lugar deles, implantou um sistema que terceirizou o trabalho para os usuários da rede, em um modelo parecido com o da Wikipedia, em que os verbetes são editados e atualizados por pessoas comuns.
Em vez de confiar em um grupo pequeno de especialistas ou em jornalistas que passam por um treinamento sobre como identificar e lidar com desinformação, milhares de pessoas, sem treinamento nem especialidade, assumiram esse papel.
Democratização
O X permite que praticamente qualquer pessoa se inscreva para ser um revisor de fake news (os critérios são simples, como ter uma conta há mais de seis meses e um número de telefone).
Mas, antes de poder sair escrevendo notas que contestam informações publicadas por outras pessoas, é preciso passar por um processo de aprendizado.
O candidato a revisor precisa gastar um tempo votando em notas que ainda não foram publicadas, dizendo se considera se elas são adequadas ou não.
Apenas notas que tiveram um número suficiente de votos são publicadas nas redes sociais.
Para evitar que as notas sejam enviesadas para favorecer uma ou outra ideologia, a plataforma do X requer que usuários com opiniões diferentes se posicionem sobre aquela mesma nota.
Não é o número de votos favoráveis que faz uma nota ser publicada, mas a diversidade de revisores com opiniões diferentes.
“As notas não são escolhidas pela regra da maioria. O recurso Notas da Comunidade identifica notas que são úteis para e por pessoas com diferentes pontos de vista”, diz o texto do X que convida as pessoas a participarem do programa.
Duas metodologias diferentes
O resultado é que, em vez de um punhado de profissionais de uma agência de checagem dando seus pareceres, há milhares de usuários se manifestando sobre algo que eles não conhecem tão bem.
Como o número de usuários nas notas de comunidade é muito maior, os equívocos acabam perdendo representatividade.
É o que às vezes se conhece por “sabedoria da multidão”.
Quando a Wikipedia foi criada, uma das principais críticas é de que pessoas comuns não seriam capazes de criar uma enciclopédia confiável como a Britannica.
A ação de milhares de usuários, contudo, foi capaz de criar verbetes mais corretos que os das enciclopédias tradicionais que recrutavam redatores e submetiam os textos a um rigoroso processo de revisão.
“A verificação de fatos tradicional depende de conhecimento profissional e de metodologias estabelecidas, enquanto as notas da comunidade aproveitam a inteligência coletiva e as perspectivas diversas. Elas fazem isso pedindo que as pessoas classifiquem e compartilhem suas próprias notas sobre um determinado tópico”, diz a pesquisadora Katja Muñoz, do que estuda moderação de conteúdo no Centro Alemão para Geopolítica, Geoeconomia e Tecnologia, em Berlim.
“Nenhuma dessas duas abordagens é inerentemente mais confiável: os verificadores de fatos podem ter conhecimento mais profundo sobre tópicos específicos, mas as notas da comunidade podem capturar nuances culturais ou um contexto local que os verificadores de fatos profissionais podem perder”, diz Katja.
Rapidez
Uma vantagem das notas de comunidade é a velocidade.
O processo começa assim que uma fake news é identificada. Se o assunto é atraente, a quantidade de votos suficiente para publicar uma nota pode chegar muito rápido.
Na semana passada, algumas postagens de veículos da imprensa no X receberam notas da comunidade menos de uma hora depois da publicação.
Não há agência de checagem no mundo que opere nesse ritmo alucinante.
Nas notas de comunidade, não é necessário deslocar uma profissional ou uma equipe para estudar um assunto e redigir um longo texto, que depois ainda será submetido a outros profissionais.
“Em termos de eficiência, as notas da comunidade geralmente têm uma vantagem sobre as redes sociais porque podem responder em tempo real e escalar mais facilmente. Quando a desinformação começa a se espalhar, os membros da comunidade podem sinalizar e anotar o conteúdo quase imediatamente, enquanto as agências tradicionais de verificação de fatos podem levar mais tempo para publicar suas descobertas”, diz Katjia Muñoz.
Autoridade
Outro benefício das notas de comunidade é que elas são levadas mais a sério pelos usuários da rede.
Um estudo feito no ano passado pelo cientista chinês Yang Gao na Universidade de Illinois Urbana-Champaign mostrou que pessoas que publicavam informações enganosas eram mais propensas a retirar o conteúdo ou a se retratar se eram reprimidas por notas de comunidade.
Quando os indivíduos recebiam uma advertência escrita por uma agência de checagem, havia uma chance maior de ignorar a reclamação e manter a publicação incorreta no ar.
“Isso sugere que sistemas de crowdchecking (checagem pela multidão), como as notas da comunidade, podem de fato conter a desinformação”, diz Gao.
Desconfiança
O fato de que as notas de comunidade não são feitas por especialistas, mas por pessoas comuns, tornou-se um diferencial positivo nesse caso.
Uma das explicações para isso é que o público tem desconfiado das agências de checagem.
Metade dos americanos acredita que as agências de checagem são enviesadas e que suas correções não devem ser levadas em conta.
Entre os membros do Partido Republicano, o índice de rejeição é em torno de 70%.
No Brasil, agências de checagem foram contaminadas por ideologias de esquerda e pelo politicamente correto.
Entre os casos mais conhecidos está o de uma agência que escreveu que “criado-mudo” e “nas coxas” seriam expressões racistas, o que é falso.
A agência precisou publicar uma retratação depois.
Direitos protegidos
A alegação do governo Lula é de que a adoção das notas de comunidade criaria um "terreno fértil" para a violação de direitos de crianças, adolescentes e mulheres.
Se o perigo cresce quanto maior é o tempo que uma mensagem perigosa fica no ar, então o melhor é adotar as notas de comunidade, que são muito mais rápidas que as agências de checagem.
As notas de comunidade ainda são produzidas por um grupo mais amplo, com opiniões diferentes, o que minimiza o risco de que conteúdos discriminatórios sejam ignorados ou, até mesmo, produzidos.
Nas agências de checagem, o perfil dos seus integrantes é mais homogêneo e há o risco de eles não detectarem algum problema.
"Ambos os sistemas enfrentam desafios na proteção de grupos vulneráveis. Agências de checagem de fatos podem ter pontos cegos devido à falta de representação diversa, enquanto notas da comunidade podem ser manipuladas por grupos majoritários para minimizar perspectivas minoritárias", afirma Katja Muñoz.
Os dois sistemas, claro, podem ser aperfeiçoados para evitar falhas.
O que não faz sentido é acusar as notas de comunidade de todos os problemas possíveis, sem uma análise prévia.
"No geral, acreditamos que as notas de comunidade e os sistemas de crowdchecking são bastante promissores no combate à desinformação", diz Yang Gao, da Universidade de Illinois Urbana-Champaign.
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Comentários (7)
p.m
2025-01-20 15:36:31Muito bom o artigo ter trazido referência a pesquisa feita sobre a reação de quem publica notícia falsa
Edilene Barreto
2025-01-19 16:11:54Excelente artigo. Muito esclarecedor .
Carlos Renato Cardoso Da Costa
2025-01-18 20:05:15Ninguém matou o jornalismo, foi suicídio por falta de credibilidade. As agências de checagem foram a pá de cal. Algo que deveria servir para evidenciar mentiras de forma clara, objetiva e imparcial, é contaminado flagrantemente por ideologia política.
Andersson Antônio Ferreira Porto
2025-01-18 11:12:46Gostei do artigo. Acrescentou conhecimento sobre assunto.
Heraldo Braz
2025-01-17 19:26:47NOTAS DA COMUNIDADE NÃO TEM A MENOR CHANCE DE CONCORRER COM CONTEÚDOS IMPULSIONADOS. SÓ SERIA VÁLIDO SE O FACEBOOK SE COMPROMETESSE A GARANTIR ÀS NOTAS CONTESTANDO A MESMA CIRCULAÇÃO DO QUE ESTIVER SENDO CONTESTADO. NÃO ACREDITO QUE VOCÊS NUNCA RENHAM PERCEBIDO A QUANTIDADE DE ANUNCIOS FRAUDULENTOS NO FACEBOOK. JÁ DENUNCIEI UM DELES E O FACEBOOK CONTINUA DISTRIBUINDO. É CRIME E O FACEBOOK RECEBE DOS CRIMINOSOS E É, PORTANTO, TAMBÉM CRIMINOSO. A MESMA COISA OCORRERÁ COM ASSUNTOS POLÍTICOS.
Clayton De Souza pontes
2025-01-17 17:51:13O politicamente correto é repleto de exageros, de todas ideologias, e o judiciário muito lento
Avelar Menezes Gomes
2025-01-17 14:52:05Para mim as notas de comunidade são mais democráticas por representar um público muito maior e mais diversificado