Caça aos culpados
Depoimentos na CPMI do INSS apontam para conivência com descontos associativos não autorizados

Os depoimentos prestados à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS, do Congresso, apontam que houve conivência do Instituto Nacional do Seguro Social com a realização dos descontos associativos não autorizados em aposentadorias e pensões.
O colegiado, que investiga as fraudes nos benefícios, estimadas em 6,3 bilhões de reais no período de 2019 a 2024, ouviu até o momento cinco pessoas publicamente. Todas na condição de testemunha.
Entre elas: a defensora pública Patrícia Bettin, coordenadora da Câmara de Coordenação e Revisão Previdenciária da Defensoria Pública da União (DPU); o advogado Eli Cohen; a diretora de Auditoria de Previdência e Benefícios da Controladoria-Geral da União (CGU), Eliane Viegas Mota; o ex-ministro da Previdência Social Carlos Lupi; e o ex-ministro do Trabalho e Previdência José Carlos Oliveira.
“Até aqui, os depoimentos deixaram claro que não estamos diante de casos isolados, mas sim de um esquema estruturado que atravessou diferentes governos, com aparelhamento do INSS em conluio com diversas associações e entidades. É óbvio que é preciso dar nome aos responsáveis, diante do uso de autorizações falsas e da exploração de aposentados e pensionistas”, disse a Crusoé o deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO).
Ayres é membro titular da CPMI e chegou a ser indicado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para ser o relator, mas a oposição emplacou Alfredo Gaspar (União-AL) no lugar.
“Foram fundamentais as informações sobre como se deram as operações, os dados sigilosos utilizados para viabilizá-las, quem articulava, como funcionava e qual o tamanho do prejuízo, estimado em bilhões de reais, para termos um panorama do dano social e financeiro”, afirmou Ayres, fazendo um balanço dos trabalhos da comissão até agora.
Ofícios ignorados
Patrícia Bettin foi a primeira pessoa a depor na CPMI. A oitiva ocorreu em 28 de agosto. Na ocasião, ela disse que o INSS ignorou ofícios enviados pela Defensoria Pública da União (DPU) com questionamentos sobre descontos em benefícios.
A declaração foi feita após o relator da CPMI, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), perguntar à depoente se houve alguma demora de resposta de ofícios ou pedidos de providência, enviados pela DPU, por parte do INSS ou Dataprev.
Bettin citou exemplos de ofícios que não foram respondidos pelo INSS. Em 3 de outubro de 2024, a defensora nacional de Direitos Humanos expediu um documento à Diretoria de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão do Instituto, mas não houve resposta.
Nesse caso, foram feitos questionamentos sobre as determinações do Tribunal de Contas da União (TCU) ao Instituto em um acórdão de junho de 2024. O TCU determinou, entre outras medidas, que, no prazo de 90 dias, o INSS implementasse ferramenta tecnológica que permitisse assinatura eletrônica avançada e biometria nos termos de filiação e de autorização referentes a descontos de mensalidade associativa.
No ofício, a DPU questionou se as determinações foram implementadas, quais providências específicas foram adotadas para cumprir cada uma das ordens, em quais veículos de comunicação foi realizada a divulgação dos esclarecimentos aos beneficiários, entre outros pontos.
“Presidente do INSS no bolso”
Segunda pessoa a depor, o advogado Eli Cohen disse que os descontos associativos irregulares em aposentadorias e pensões por parte da Ambec, Cebap e Unsbras não poderiam ter ocorrido se elas não tivessem o presidente do INSS “no bolso“.
A oitiva ocorreu em 1º de setembro. Cohen foi responsável pelas investigações particulares iniciais que culminaram na deflagração da Operação Sem Desconto, da Polícia Federal.
Ambec, Cebap e Unsbras são três das entidades que teriam realizados descontos associativos não autorizados no país nos últimos anos. Segundo Cohen, por trás das três está o empresário Maurício Camisotti, que controla as empresas do Total Health Group (THG).
Ele detalhou que o lobista Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “Careca do INSS“, atuava como um alimentador de dados para essas entidades e fazia lobby para elas dentro do INSS.
O Careca repassava ilegalmente dados de aposentados e pensionistas a Camisotti, para que as fraudes fossem realizadas.
Os descontos irregulares ocorriam por meio de adesões com assinaturas falsas, ligações montadas e outros métodos.
“Esse crime não poderia ter sido realizado se você não tivesse o presidente do INSS no seu bolso, todo o departamento de benefícios do INSS e, na minha opinião, que eu tenho certeza que os senhores vão chegar lá, o ministro da Previdência”, disse Cohen.
Conforme o advogado, o Careca tinha o controle do departamento de benefícios.
Segundo Cohen, o modelo de fraude, explicado por ele, envolvendo essas três entidades é o mesmo utilizado por todas as demais associações que fizeram descontos irregulares em aposentadorias e pensões.
O depoente ainda disse que o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), que tem Frei Chico – irmão do presidente Lula (PT) – como vice-presidente, está “extremamente envolvido” na prática desse tipo de fraude.
INSS não suspendeu acordos
Já a diretora da CGU Eliane Viegas Mota disse à CPMI, em 4 de setembro, que as primeiras comunicações formais da Controladoria a autoridades sobre descontos associativos não autorizados em aposentadorias e pensões foram enviadas em 2024.
No ano passado, tanto o INSS como a Assessoria Especial de Controle Interno do Ministério da Previdência Social foram informados de que uma auditoria da CGU identificou irregularidades em descontos, e houve a sugestão de providências ao Instituto e à pasta.
Com o então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, chegou a ser feita uma reunião para discutir o teor do relatório preliminar da auditoria e as recomendações que estavam propostas para endereçar os problemas identificados.
Segundo Mota, na reunião, Stefanutto disse que faria uma análise das informações apresentadas pela CGU e avaliaria a viabilidade de fazer o que estava sendo proposto para corrigir os problemas, mas nenhum Acordo de Cooperação Técnica com entidade foi suspenso pelo INSS naquele momento.
E Lupi está envolvido?
Carlos Lupi deixou o posto de ministro da Previdência Social em maio deste ano, após a repercussão do escândalo dos descontos ilegais.
Foi ele quem indicou Alessandro Stefanutto para o posto de presidente do INSS. Stefanutto foi afastado do cargo em 23 de abril, por decisão da Justiça no âmbito da Operação Sem Desconto — deflagrada para combater o esquema nacional de descontos não autorizados.
Após o afastamento, na mesma data, o governo o exonerou.
À CPMI, Lupi afirmou, em 8 de setembro, que “sequer teve o nome citado” ao longo das investigações da Polícia Federal.
Porém, durante a oitiva, o relator e outros parlamentares o confrontaram com o fato de que uma portaria do Ministério da Previdência Social de 13 de fevereiro de 2023 centralizou em suas mãos as nomeações e exonerações dos cargos de nível mais alto no INSS.
A portaria ainda conferiu ao seu chefe de gabinete a competência para nomear e exonerar cargos comissionados de níveis inferiores no Instituto.
O texto só foi revogado em maio de 2025, pelo sucessor de Lupi no ministério, Wolney Queiroz.
“O senhor sempre diz: ‘Não, mas o INSS é autônomo’. Aqui, foi retirada a autonomia do INSS, do presidente, para indicar diretores. O senhor aqui admitiu que é o seu chefe de gabinete que fazia as indicações: ‘Ah, vinha lá de dentro e eu só assinava’. Para mim, quem assina é o responsável; para o senhor, não? Quem assina é responsável pelos seus atos ou não, ministro?”, disse o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) durante o depoimento.
Lupi não respondeu à pergunta. A Crusoé, o senador Jorge Seif (PL-SC) disse que, por meio da portaria, Lupi colocou no Instituto os nomes agora suspeitos de acobertarem as fraudes e possibilitarem que os descontos associativos crescessem nos últimos anos.
“E o PT falar que foi o governo Lula que acionou a Polícia Federal é uma mentira deslavada. Muito pelo contrário. Foi graças a uma matéria publicada pelo Metrópoles, após as denúncias do advogado Eli Cohen, um advogado investigativo”, afirmou Seif.
“Essa reportagem se tornou um verdadeiro escândalo para o governo Lula, que eles não tiveram outra coisa a fazer que não iniciarem os trabalhos, as investigações, que culminaram na Operação Sem Desconto. No entanto, nesse crime está espalhando o DNA do Lupi e do desgoverno Lula”, disse o parlamentar.
Os governistas, por sua vez, mantêm a estratégia na CPMI de dizer que as fraudes começaram no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e que o governo Lula (PT) desmantelou o esquema.
É uma tentativa de descolar a gestão petista do escândalo que, com os depoimentos e o avançar dos trabalhos da comissão, fica cada vez mais difícil. A cúpula da CPMI não ficou satisfeita com o depoimento de Lupi, e ele pode ser chamado novamente.
“Há vários pontos nas falas dele que não coadunam, ou seja, não se confirmam em falas passadas", disse o presidente do colegiado, senador Carlos Viana (Podemos-MG).
"Ele assume que nomeou todos os membros do INSS que hoje são investigados pelos desvios, mas que não sabia de absolutamente nenhum problema, só veio saber depois que a polícia fez a operação", afirmou.
O ex-ministro da Previdência Social pode ser convocado, e não convidado, na próxima vez, e não está descartada também a possibilidade de fazer uma acareação entre ele e outros nomes citados nos depoimentos.
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