Lacração afugentou público do cinema brasileiro
Para fazer filmes que conquistem as pessoas, a arte deve estar livre de doutrinas ideológicas

A vitória histórica do filme Ainda estou aqui no Oscar foi muito comemorada por todos, mas também trouxe um debate sobre desperdício de recursos da Agência Nacional de Cinema, a Ancine.
Um vídeo publicado no canal de Jurandir Gouveia e comentários feitos por Luiz Felipe D'ávila nas redes sociais expuseram os resultados parcos da Ancine.
Os dados chocam. Um único exemplo: em 2023, a Ancine gastou 2,3 bilhões de reais do contribuinte, e retornou apenas 66 milhões de reais em bilheteria.
Todas as grandes nações têm um audiovisual forte. Os filmes ajudam a efetivar o soft power, quando um país consegue influenciar os demais, sem fazer ameaças ou usar a força.
O audiovisual é estratégico em todo projeto de nação e temos que fortalecê-lo.
Mas a pergunta que fica é: por que os filmes brasileiros não atingem um grande público?
Na Coreia do Sul, 53% dos ingressos vendidos são para filmes feitos por sul-coreanos.
No Brasil, essa taxa fica em torno de 15%.
Apesar de algumas exceções que ficam famosas, como Ainda estou aqui, o público brasileiro geralmente evita os filmes nacionais, porque acredita que eles são lacradores.
Querem convencer as pessoas sobre um certo ponto de vista, quase sempre de esquerda.
Essa realidade costuma ser negada ou ignorada nas análises sobre o cinema brasileiro.
Além disso, o aparelhamento ideológico tem piorado a qualidade artística dos filmes e afastado o público.
Tudo começa no sistema de avaliação dos projetos para o Fundo Setorial.
Hoje, na área audiovisual, todos as pessoas do mundo artístico já sabem: se querem passar pelo crivo dos pareceristas dos editais públicos, precisam usar as palavras-chaves da ideologia de esquerda woke.
O sujeito precisa começar lacrando, ainda na fase do projeto.
E os projetos também precisam ter lugar de fala. Por exemplo, se for um filme sobre a escravidão, o diretor tem que ser negro. E por aí vai.
Visões de mundo que não seguem a cartilha woke são renegadas.
Se o profissional quiser fazer um filme cristão, terá imensas dificuldades com editais.
Se pensar em fazer um filme pelo viés da direita sobre qualquer assunto, também terá problemas.
Esse aparelhamento ideológico já está normalizado e é controlado por critérios de avaliação autorreferentes.
A premiação em festivais de cinema é considerada um atestado de qualidade artística e conta pontos na avaliação dos projetos.
Mas, nos dias de hoje, um prêmio em festival é mais uma prova de fidelidade ideológica do que uma prova de qualidade, pois todos os festivais seguem o padrão da ideologia woke.
Tudo isso é justificado com o critério de ser “democrático”, pois os pareceristas e júris são indicados pela classe ou participam de editais de seleção.
Na verdade, a estratégia de aparelhamento político sempre usa as corporações.
O motivo é simples: é mais fácil controlar uma classe de profissionais do que o povo inteiro.
Ao dar o poder de decisão para a classe artística, o sistema da esquerda criou uma massa de pessoas que defendem essa ideologia e controlam festivais e pareceres.
E a hegemonia cultural de Gramsci, acontecendo na prática.
O resultado é uma mediocridade sistêmica em uma área em que o público exige excelência.
A política de cotas faz parte do aparelhamento.
O problema da cota é que ela foca no corpo do artista, em vez de focar na qualidade da obra.
Para o espectador do filme, nao importa se o diretor é mulher, negro ou trans. Importa a qualidade do filme.
Vamos fazer uma nova comparação para ficar claro.
É como se o Ministério da Saúde fizesse política para os médicos, e não para os doentes.
Vale imaginar o que aconteceria se a Saúde seguisse os mesmos critérios da Cultura.
“O SUS está vazio, sem pacientes, pois eles não compactuam com as ideologias dos médicos que ficam lacrando no meio das consultas. Mas, a política de saúde está ótima. Pois agora temos só médicas mulheres, pretas e trans..! Não tem paciente, mas ao menos não tem mais médico hetero”, diria uma autoridade vivendo essa distopia.
O absurdo da comparação revela o desatino do audiovisual brasileiro de hoje.
Nossa autoridade e nossa classe artística defendem a diversidade de cor de pele e gênero, mas impedem a diversidade estética e de ideias.
A política de cotas revela que os editais são a Bolsa-Família dos artistas.
O audiovisual, que deveria ser pensado como indústria, virou uma política social para artistas pequenos, e uma fonte de mamata para os grandes. Desde que todos sejam leais à ideologia da esquerda woke.
O que unifica os filmes produzidos, pequenos e grandes, independentes e de indústria é a visão ideológica da esquerda.
No “setor cultural” a ideologia de esquerda é considerada a única verdade possível.
Quem não concorda é excluído e taxado de extrema direita.
Aquilo que Caca Diegues chamava de patrulha ideológica foi ampliada.
Na época, até o Glauber Rocha foi cancelado.
Até hoje, muitos artistas, mesmo alguns de esquerda, tentam trabalhar nas brechas desse sistema, pois querem ser livres e fazer bons filmes.
Mas o espaço foi se reduzindo cada vez mais.
Hoje em dia, se o artista sair um pouco “da linha”, ele é cancelado e impedido de trabalhar.
Décadas desse consenso forçado para a esquerda criaram uma seleção natural de artistas mais leais.
Quem deu certo nos últimos anos, em geral, são os artistas que não hesitaram em seguir o script exato da ideologia esquerdista hegemônica.
No jogo para virar cineasta, conta pontos você lacrar diariamente. Conquistar público não conta.
Vivemos uma verdadeira censura estrutural.
Na ditadura militar, a censura atuava no corte final do filme.
Hoje, ela evoluiu e está presente em cada etapa da seleção e do desenvolvimento do projeto.
Em salas de roteiro, é comum ter a presença de roteiristas que atuam como “leitores sensíveis”, representando minorias para garantir que nenhuma linha desse roteiro saia do que é politicamente correto, segundo os critérios atuais da ideologia woke.
Para fazer filmes que conquistem o público, a arte deve estar livre de doutrinas ideológicas.
A maioria das pessoas não quer ir ao cinema ver propaganda de lado algum.
Mas está difícil para quem faz cinema. Os produtores estão sempre preocupados com processos jurídicos e escândalos.
É compreensível, pois no Brasil o controle ideológico e a perseguição à arte livre (e ao humor, em especial) é muito grande.
Assim, os artistas foram tirando a polêmica de suas obras com medo de cancelamento.
Hoje, as obras estão cada vez mais controladas. E sem liberdade na criação artística os filmes não conseguem ser surpreendentes e inovadores, como a arte deve ser.
Esse controle do processo de criação altamente controlado tirou a graça da liberdade dos filmes.
Arte sem liberdade é só publicidade ideológica.
Por isso, o público brasileiro acha que o nosso cinema é lacrador.
E assim o cinema brasileiro ficou bom de produção e “ruim” de roteiro. Não é por falta de talento dos roteiristas. Temos muitos, que são ótimos. O problema é que eles não têm liberdade.
Se quisermos realmente conquistar o público para nosso cinema temos que começar nos libertando desse aparelhamento. O audiovisual tem que ser livre para conquistar o público.
No fim dos anos 60, o cinema americano estava em crise de público, pois tinha ficado careta e disciplinado.
Foi então que artistas livres (como Coppola, Scorsese, Spielberg, entre outros) reinventaram tudo e conquistaram o público.
Hoje, no Brasil, precisamos ter um novo choque de liberdade para que nosso audiovisual volte a conversar com o público e cumpra seu papel.
Mas atenção: isso não significa que devemos cortar recursos ou parar de investir.
O audiovisual é estratégico em qualquer projeto de nação soberana.
Significa apenas que temos que usar critérios mais artísticos e menos ideológicos na seleção dos projetos.
Em um artigo mais completo, publicado em meu blog, eu listo algumas possibilidades de novos tipos de financiamento, para alcançar melhores resultados.
A ideia é aperfeiçoar a política audiovisual, mas nunca destruir.
Newton Cannito é cineasta
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Comentários (1)
Manoel Antonio Da Fonseca Couto Gomes Pereira
2025-03-21 07:24:27Artigo excelente. Parabéns. Obrigado.