Fernando Frazão/Agência BrasilCinema brasileiro tornou-se local de filmes tendo em vista mais a aprovação dos pares do que gosto do público

As causas da rejeição ao cinema brasileiro

As pessoas fazem filmes tendo em vista mais a aprovação dos pares do que a recepção do público em geral
26.07.24

Existe uma rejeição muito forte ao cinema brasileiro, manifestada não só nas redes sociais. As bilheterias também têm denunciando essa rejeição. Nem a cota de tela aprovada garantiu uma bilheteria minimamente expressiva ao cinema brasileiro. Dez por cento das salas foram reservadas pela lei, mas nem por isso os espectadores as ocuparam, apenas 5% dos ingressos foram vendidos para os filmes brasileiros. 

Qual o motivo de tal rejeição? São vários e foram se acumulando ao longo do tempo.  

O primeira e mais proeminente é a ideologização do cinema brasileiro. E não me refiro nem a realizar filmes tendo temas ou recortes marxistas – a luta de classes ou movimento revolucionário, por exemplo. Grandes filmes foram feitos sobre isso – Outubro, de Eisenstein, e Soy Cuba, de Kalatozov, para citar dois. Apesar de terem um programa político definido, esses filmes – e muitos outros, no Realismo Italiano, por exemplo – tinham qualidades que superavam o programa inicial. O problema não é o tema do filme, mas a linguagem com que o tema é apresentado: a linguagem retórica, publicitária mesmo, persuasiva.  

E isso se dá em todas as fases da produção: desde a captação de recursos os filmes apresentam recortes enviesados, identitários, quando ainda são um projeto. Depois, na escrita do roteiro entra a questão da representatividade e do lugar de fala – um filme ou série sobre um negro deve ter no mínimo um roteirista negro, ou diretor negro (o que não faz rigorosamente nenhum sentido). O mesmo na seleção do elenco, que deve ter uma porcentagem de minorias: mulheres, negros, homossexuais, transexuais, e por aí vai. A forma com que os personagens são retratados também é levado em conta sob o ponto de vista da representatividade: se exalta ou degrada um grupo social. E aí de quem desagradar: pode ser boicotado, perder o emprego, ser cancelado etc.  

Na distribuição, seja em festivais ou nos cinemas, existe a mesma atmosfera militante: discursos inflamados, palavras de ordem, punho para cima, Fora, Temer, Ele não, salve a Amazônia, precisamos falar sobre a solidão da mulher negra etc. O cinema brasileiro tornou-se parte da militância identitária. Quem não é militante dessa esquerda não aguenta frequentar esse tipo de ambiente, se sente um peixe fora d’água. E mesmo quem é militante tem demonstrado sinais de cansaço.

Não tem quem aguente mais. O cineasta Newton Cannito tem dito que o Brasil é o lugar onde a ideologia woke mais pegou no mundo inteiro. E é a pura verdade – nem em Holywood a coisa chegou nesse ponto.  

Além disso tudo, existe uma saturação dos temas – não basta fazer cinema engajado, militante, é preciso tratar das mesmas coisas, do mesmo jeito. O campeão, na ficção e no documentário, é a ditadura militar – tema do mais recente filme de Walter Salles, baseado no livro de um militante esquerdista, Marcelo Rubens Paiva. Mas também tem a Tropicália, a violência na favela, o impeachment de Dilma, a poesia marginal. Qualquer cinematografia tem temas que se repetem – o cinema americano tem muitos filmes sobre a Segunda Guerra, mas no meio de um universo de temas muito maior, e também uma variedade grandes de recortes e enfoques.  

A falta de variedade temática produz um efeito colateral: grandes assuntos são deixados de lado. Não existem filmes brasileiros de ficção exclusivamente sobre Joaquin Nabuco, Dom Pedro II, nem sobre Gilberto Freyre – no cinema documentário grandes personagens nunca viraram tema de filmes, especialmente os compositores de música clássica (enquanto compositores engajados de música popular foram fartamente retratados).   

O meio audiovisual brasileiro tornou-se um meio especializado em que as pessoas fazem filmes tendo em vista mais a aprovação dos pares do que a recepção do público em geral. Há quem critique isso dizendo que os filmes devem divertir, mas não é só para divertir – um filme pode servir para produzir uma reflexão, para causar estranhamento, para estimular nossa vida espiritual, e tantos outros fins, só não pode servir exclusivamente à militância.  

 

Josias Teófilo é jornalista, escritor e cineasta

 

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  1. Fato. Ademais, não dá para pagar bilhete para assistir filme nacional, chato ,sem conteúdo, financiado com renuncia fiscal. Me recuso apagar em duplicidade para assistir película medíocre com atores sem qualificação. Gente, não dá.

  2. O esquema de renúncia fiscal garante a vida financeira dos roteiristas, diretores e atores cabeças de cartaz. Sem a necessidade de ter sucesso comercial (o que não significa forçosamente fazer filme bobo, leve ou divertido), os "artistas" podem se dedicar à masturbação artística cujo único objetivo é satisfazer o próprio ego e bater palmas para a própria pastora, como se todo o mundo fosse o seu umbigo.

  3. Algo que também me incomoda em muitos filmes brasileiros são os desempenhos muito artificiais, mesmo de bons atores. Aquele português excessivamente correto, escandindo as sílabas e demonstrando ser de fato algo decorado. Nenhuma espontaneidade.

  4. Só tenho a concordar contigo, Josias. Não sei se temos verbas para fazer grandes filmes de ficção científica, mas de comédia somos bons. O problema é que hoje em dia as temáticas são cobertas de vieses políticos e, agora, WOKE. Estou farta e cada vez mais afastada do nosso cenário cultural.

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