Kate Evans/CIFOR"A próxima década será aquela em que o Brasil terá de eliminar a burocracia para incentivar os negócios sustentáveis"

Amazônia S/A

O americano Daniel Nepstad, um dos maiores especialistas em matas tropicais, defende que mais investimento na floresta amazônica significa mais preservação. E diz que os países ricos precisam aumentar a compensação ao Brasil
17.01.20

O americano Daniel Nepstad desceu em Paragominas, no Pará, em 1984, para estudar como a floresta se recompõe em áreas de pastagens abandonadas. A expedição na Amazônia brasileira rendeu. Os estudos que ele publicou desde então, que incluíram até mesmo incêndios experimentais, o alçaram à condição de um dos pesquisadores mais citados em pesquisas científicas sobre as matas tropicais.

Para além das pesquisas, Nepstad exerce forte atuação junto a governos estaduais, órgãos federais e empresas privadas, para viabilizar projetos sustentáveis. Na Conferência das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas, em Madri, em dezembro, apresentou a iniciativa Campões da Floresta Tropical. “A ideia central é reconhecer as coisas boas que estão sendo feitas de maneira sustentável na Amazônia, criando portos seguros para o investidor”, diz.

O diretor-executivo do Earth Innovation Institute, um instituto de pesquisas sem fins lucrativos com sede em São Francisco, nos Estados Unidos, tem um olhar diferente sobre as maneiras de explorar a floresta. Para ele, algumas das medidas oficiais destinadas a evitar o desmatamento acabam gerando um efeito contrário, prejudicial ao meio ambiente. “Em vez de reagir com mais repressão, temos de encontrar mecanismos para reconhecer e premiar o produtor que quer fazer a coisa certa”, diz o pesquisador nesta entrevista a Crusoé.

Como explicar que o desmatamento da Amazônia tenha aumentado 30% no último ano?
Há uma tendência hoje de jogar toda a culpa no governo, mas é preciso ir um pouco mais além para entender a história. O Brasil teve uma queda muito grande no desmatamento, que chegou ao mínimo em 2012. Isso ocorreu como fruto de um enorme trabalho. Vários ministérios, órgãos estatais e bancos impuseram medidas punitivas. Foram realizadas diversas operações para flagrar ações ilegais. Instituições financeiras suspenderam o crédito rural em municípios com alto nível de desmatamento. De certa maneira, deu certo. No Mato Grosso, a redução do desmatamento chegou a quase 90% em 2012. Mas todas essas ações estatais geraram um desgaste, um certo cansaço. Os produtores aceitaram todas essas imposições, mas fizeram isso porque alimentaram a expectativa de que, mais adiante, seriam beneficiados de alguma maneira. Esperavam conquistar mais mercados ou receber novos investimentos. Mas isso não aconteceu. Essa frustração acumulada teve consequências negativas para o meio ambiente.

Como assim?
A agenda ambiental só pensa em punições. Podemos imaginar o setor produtivo da Amazônia como uma panela de pressão. Quando Jair Bolsonaro foi eleito, essa pressão foi liberada. Muita gente achou que não precisava mais respeitar os compromissos que tinham sido assumidos. A retórica do presidente também estimulou certa sensação de impunidade entre muitas pessoas que decidiram derrubar a floresta.

Marco Simola/CIFORMarco Simola/CIFOR“O dinheiro que foi doado não chegou aos produtores”
O que poderia diminuir essa pressão?
Em vez de reagir com mais repressão, temos de encontrar mecanismos para reconhecer e premiar o produtor que quer fazer a coisa certa. Sempre brigo com meus amigos ambientalistas… Eu me considero ambientalista, mas também gosto muito dos produtores e converso bastante com eles. E eles não gostam de ser demonizados. Não gostam de ser considerados os vilões da história quando o que estão fazendo é perfeitamente legal. Vários produtores estão querendo adquirir terra para produzir de maneira sustentável. Não são grileiros preocupados com a valorização das terras. Quando esses bons produtores conseguem cumprir a legislação, eles precisam ser recompensados, seja de maneira financeira ou com a entrada em novos mercados.

Por que é tão difícil seguir o que diz a lei?
Cumprir com tudo o que o Código Florestal exige não é tarefa fácil. Imagine o que passa o proprietário de uma fazenda em área de floresta de transição no Mato Grosso. Até 1996, a exigência era que 50% da área fosse de reserva natural. Depois, virou 80%. Então, o governo estadual decidiu que era 50%. Em 2005, o governo federal voltou a exigência para 80%. Durante todo esse tempo, o valor da terra foi subindo e descendo. É muito difícil cumprir com as leis em cada uma dessas transições. Não é algo trivial.

Iniciativas como o Fundo Amazônia, que contou com financiamento da Alemanha e da Noruega, são uma maneira de ajudar a reduzir os problemas dos produtores?
O Brasil conseguiu diminuir as emissões de gás carbônico na atmosfera em 7 bilhões de toneladas na Amazônia e no Cerrado. Apenas cerca de 3% disso foi compensado por investimentos da Alemanha e Noruega. Os outros 97% da contribuição brasileira para a redução das emissões de CO2 não receberam qualquer retribuição. Não acho que seja necessário compensar tudo, mas o valor precisa ser muito maior do que é hoje. Além disso, o dinheiro que foi doado não chegou aos produtores.

São justos os boicotes de empresas americanas e europeias a produtos da Amazônia, que atingem os bons e os maus produtores da mesma forma?
As moratórias punem indistintamente a todos os produtores e ampliam a indignação. Quem mais sofre com elas são os produtores sustentáveis, que perdem mercado sem fazer nada de errado. Com as restrições, eles passam a vender seus produtos em mercados que não exigem o respeito a normas ambientais. Trata-se de uma injustiça, porque não é qualquer país que tem um Código Florestal como o do Brasil. É uma legislação muito ambiciosa. Ousada, até. O problema é entender que o não cumprimento do Código é de responsabilidade total do produtor, quando a gente sabe que cumprir com tudo não é fácil. Sempre há algum detalhe faltando.

Kate Evans/CIFORKate Evans/CIFOR“No Pará, o plantio de árvores frutíferas diminui o uso do fogo”
Como avalia o trabalho do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles?
Compartilho com ele a ideia de que o setor privado é chave para a conservação da Amazônia. É preciso ter dinheiro entrando para criar inovações, empreendimentos que criem oportunidades. Quando se gera mais riqueza em uma mesma área, o uso do fogo diminui. Também é preciso resolver a questão fundiária. Quando se tem o título da terra, fica mais fácil conseguir financiamento, investir. A Amazônia precisa de mais iniciativa privada. A próxima década será aquela em que o Brasil terá de enfrentar esse desafio, eliminando a burocracia para incentivar os negócios sustentáveis. É preciso atrair mais setor privado para a floresta.

O papa Francisco já disse que o capitalismo destrói o meio ambiente. O produtor sustentável também vai para o purgatório?
Este é o grande debate do momento. Há uma ala dos ambientalistas que acha que qualquer investimento na instalação de indústrias na Amazônia necessariamente é uma ameaça para a floresta. Mas devemos fazer uma diferenciação. Há investimentos que são de capitalismo puro, que aumentam o valor da produção que sai da área desmatada. Isso diminui a pressão econômica para derrubar mais áreas de floresta, a fim de dar lugar à pecuária extensiva. Existem projetos, como o de uma usina de etanol de milho em Mato Grosso, que geram combustível na entressafra, reduzindo o consumo do diesel. É uma iniciativa boa para o meio ambiente, que gera emprego e diminui a dependência do corte e da queima da floresta. No Pará, o plantio de árvores frutíferas diminui o uso do fogo. Isso porque, quanto mais se investe no terreno, menor é a tendência de usar o fogo como ferramenta de manejo. Se queremos reduzir os incêndios, precisamos investir nas propriedades rurais, para que elas fiquem mais produtivas e empreguem técnicas melhores. Isso é capitalismo. O futuro sustentável da Amazônia, com cada vez mais árvores, é uma floresta desenvolvida, com investimentos, oportunidades econômicas e bons empregos.

Existe o risco de a Amazônia chegar a um ponto de não retorno, em que a floresta não conseguiria mais se recuperar e acabaria desaparecendo?
Essa possibilidade existe, sim. Passei grande parte da minha carreira estudando a ecologia da Amazônia. Quando há um ano muito árido, como o de 2010 ou 2015, a floresta perde a tolerância à seca. Mesmo baixinho e rasteiro, o fogo mata muita árvore. Às vezes, a área de árvores mortas em pé chega a ser o dobro da área desmatada. Quando essa árvore cai, ela abre espaço e permite mais fogo no futuro. A floresta fica mais vulnerável. Esse círculo vicioso ameaça a floresta de modo geral. Se não há um plano para detectar e apagar os incêndios florestais, a floresta vai queimar um pouco este ano e um pouco mais no ano que vem. De repente, só tem capim. E tudo sem que alguém tenha encostado em uma motosserra.

Os países desenvolvidos devem recompensar os países em desenvolvimento que cuidam bem do meio ambiente?
Estou muito animado com isso. Na Cúpula do Clima, em Madri, vi que há muitas empresas querendo investir de forma sustentável, o que é positivo. Mas é essencial que o dinheiro dos fundos internacionais chegue ao produtor bem-intencionado, às reservas indígenas e aos assentamentos agrários. O Fundo da Amazônia foi benéfico, mas pode ser aprimorado para ficar mais amigável para os negócios, para a produção agroindustrial. O Brasil está pronto para receber essa ajuda. O país tem o marco legal e fez a sua parte. Agora precisa ser reconhecido como um local bom para investimentos. Sem isso, será difícil manter essa agenda de conservação florestal nos próximos anos.

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