Partido Comunista de Venezuela via InstagramO PCV afinal descobriu que não há paz, democracia ou soberania popular sob o tacão de Maduro

O que os comunistas venezuelanos podem ensinar ao governo brasileiro

Até o “partidão" da Venezuela já sabe o que Lula insiste em negar: o governo Maduro é um ditadura truculenta que despreza a vontade popular
16.08.24

Celso Amorim e Lula bem que poderiam tomar lições de democracia dos comunistas venezuelanos. O Partido Comunista da Venezuela é inimigo de Nicolás Maduro. Denuncia a repressão violenta e as prisões arbitrárias promovidas pela ditadura e por suas forças paramilitares. Exige transparência eleitoral e respeito à vontade popular.  

Em suas notas oficiais e publicações no X (tuítes, como se dizia antigamente), o PCV emprega clichês mofados como “partidos da burguesia”. Também critica o bloqueio econômico do imperialismo estadunidense (pode haver certa razão neste ponto: no fim das contas, tudo o que as sanções conseguiram foi dar a Maduro uma desculpa para seu fracasso na economia). Mesmo assim, o “partidão” passa longe da infâmia com que o PT se cobriu (e não pela primeira vez) ao saudar o “povo venezuelano” por ter reeleito Maduro emuma jornada pacífica, democrática e soberana”. 

Depois de muitos anos apoiando o bolivarianismo (que é uma repetição do bolchevismo não como farsa, mas como telenovela do canal Venevisión), o PCV afinal descobriu que não há paz, democracia ou soberania popular sob o tacão de Maduro. Desconfio que os comunistas venezuelanos só enxergaram a luz porque a ditadura cassou judicialmente sua legenda e sua pessoa jurídica. Mas, como reza o ditado popular, antes tarde do que depois da Gleisi Hoffmann. 

O PCV não é ninguém na fila do pão (ao fim da qual, em Caracas, muitas vezes nem pão se encontra). Peso zero na atual crise da Venezuela. Mas sua posição contra Maduro causa curto-circuito nas mentes binárias, que só conseguem pensar a partir das categorias “esquerda” e “direita”. López Obrador, por exemplo, quedou pasmo. Nas publicações do próprio PCV, encontrei um divertido recorte de um pronunciamento que o presidente mexicano fez recentemente.“Ainda existem partidos comunistas”, ele diz, com um fio de ironia. Parece sugerir que os comunistas são criaturas anacrônicas, bichos esquisitos do cambriano, que já deveriam ter se extinguido naturalmente. Até aí, estamos de acordo. Mas a observação desdenhosa também deixa implícito que o próprio Obrador é um animal de outra espécie, um expoente da esquerda latino-americana moderna – quando na verdade seu partido, o Morena, ambiciona ser um novo PRI, sigla que governou o México por 70 anos, em uma farsesca democracia de partido único. 

López Obrador na verdade está surpreso não porque ainda existe um partido comunista na Venezuela, mas porque esse partido apoia a oposição (o que não é exato: o PCV acusou a fraude eleitoral de Maduro, mas nem por isso apoia Edmundo González). A premissa aqui é que esquerda deve apoiar esquerda, ainda que isso signifique referendar uma eleição fajuta. Pois democracia só é democracia quando o presidente eleito é de esquerda.  

Não sei como as coisas funcionam no México, mas por aqui esse purismo ideológico flexibiliza-se ao sabor de alianças de ocasião e amizades suspeitas. Geraldo Alckmin está de prova: os petistas já o tiveram na conta de fascista – ou, pior, de neoliberal –, mas agora celebram sua conversão ao socialismo. 

Exemplo ainda mais eloquente de cooptação disfarçada de tolerância política pode ser encontrada na nota oficial de pesar pela morte de Delfim Netto assinada pelo presidente. O texto começa com um breve currículo do falecido: economista, ministro da Fazenda, do Planejamento, da Agricultura. Não menciona que Delfim exerceu esses cargos durante a ditadura militar. Tampouco informa que ele foi signatário do AI-5. O fato capital de sua longa vida foi o apoio ao governo petista, como Lula deixa claro neste trecho: 

“Durante 30 anos eu fiz críticas ao Delfim Netto. Na minha campanha em 2006, pedi desculpas publicamente porque ele foi um dos maiores defensores do que fizemos em políticas de desenvolvimento e inclusão social que implementei nos meus dois primeiros mandatos. Delfim participou muito da elaboração das políticas econômicas daquele período. Quando o adversário político é inteligente, nos faz trabalhar para sermos mais inteligentes e competentes.” 

Não sei se entendi: Delfim era ao mesmo tempo colaborador e adversário do governo Lula? Ou Delfim colaborava como adversário, pois sua inteligência e erudição iluminavam até aqueles que ele pretendia atacar? 

Da parte que compreendi, destaca-se um raro gesto de humildade de Lula: um pedido público de desculpas! Repare, porém, que ele não pediu perdão a Delfim porque revisou as críticas que lhe fez no passado e constatou que estavam equivocadas. Seu ato de compunção foi motivado pelo apoio que o economista prestou às políticas inclusivas do governo petista. Nosso presidente conhece mesmo a alma do brasileiro: ninguém mais conseguiria notar a transbordante sensibilidade social de Delfim Netto!  

Lula presta apoio a Maduro, um  ditador de esquerda, e abraça um homemchave da ditadura militar de direita– , só porque ele referendou suas políticas econômicas. A democracia que Lula veio restaurar – onde exatamente ela se encaixa nos valores que o petista defende? A desfaçatez de sugerir que se realize uma segunda eleição na Venezuela – sugestão veiculada informalmente, como quem planta verde para colher podre – veio confirmar o desprezo petista pela democracia, seus procedimentos, suas instituições. Os jornalistas que nos garantiam que a diplomacia brasileira cobraria com firmeza a divulgação das atas eleitorais devem estar confusos: estava-se falando das atas da primeira ou da segunda eleição? 

Lamento por nós, brasileiros, governados por gente sem legítima convicção democrática. Lamento ainda mais pelos venezuelanos, cujo direito de escolha foi roubado. E lamento até pelos comunistas venezuelanos, por mais tardia que tenha sido sua adesão à democracia burguesa.  

Jerônimo Teixeira é jornalista e escritor

 

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  1. Quando a imprensa atual descobrir o que uniu Lula e Golbery do Couto e Silva, talvez comece a entender melhor os melancias...

  2. Censurado VOLTO ----- a DITADURA TRIÚNVIRA tupi faz o mesmo que Maduro dá esmolas aos miseráveis para aliená-los e controlá-los pela dura sobrevivência, assim temos 19milhões de famílias onde manoelas recebem bolsetas a conta do chá para que não morram até a próxima eleição ... mentira? se for aceito a censura .. protesto e avoco o Art 220 da CF pois responsável por minha opinião que é dura expressão da verdade que dói mas o medo só nos leva a mais caos . morramos dignos se preciso for.

  3. Vivemos comandados por loucos. Tem de tudo que é lado, mas o que me admira ainda mais é que eles tem o poder de juntar forças para se elegerem. Os ignorantes e os espertos.

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