Alexandre Loureiro/COB

Submissão olímpica

Uma sugestão de sátira um pouco mais ousada para a cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos de Paris, inspirada em Houellebecq
02.08.24

Os franceses organizaram uma abertura de Jogos Olímpicos como nunca antes, fora de um estádio, percorrendo as águas do rio Sena e com apresentações em diferentes pontos de Paris, mas o que ficou da festa foi uma polêmica religiosa. Um mal-entendido, alegam os organizadores, que não conseguiram convencer um único cristão de suas boas intenções.

É ironicamente trágico que a encenação que ofendeu católicos ao profanar a Santa Ceia tenha ocorrido na França. Enquanto os bispos franceses se escandalizavam com drag queens, os marroquinos simplesmente não assistiram à performance, porque a emissora pública de seu país a censurou, como registrou a revista L’Equipe.

A população do Marrocos é majoritariamente islâmica, uma religião cujos adeptos não têm lá muita tolerância com brincadeiras sobre suas crenças. Não por acaso, a exibição de drag queens em alusão ao quadro clássico de Leonardo Da Vinci trouxe à memória coletiva o atentado terrorista à redação do Charlie Hebdo, em 2015, na mesma capital francesa, que levou à morte de 12 pessoas.

Os jornalistas da revista satírica tinham publicado charges de Maomé em solidariedade ao jornal dinamarquês Jyllands-Posten, que fora ameaçado antes, por ser o primeiro a publicar ilustrações do profeta. Os irmãos Chérif e Said Kouachi não gostaram e entraram atirando na redação em 7 de janeiro daquele ano.

A reação dos cristãos à provocativa apresentação, montada em nome da diversidade, não passou do “cyberbullying” contra a DJ Barbara Butch, que representou Jesus na cena. As provocações e ameaças foram registradas pelas autoridades francesas.

“Certamente os romanos tiveram a sensação de ser uma civilização eterna, logo antes da queda de seu império; teriam, eles também, se suicidado? Roma foi uma civilização brutal, competente ao extremo no plano militar — uma civilização cruel também, em que as distrações propostas à massa eram combates mortais entre homens, ou entre homens e feras. Teria havido entre os romanos um desejo de desaparecer, uma falha secreta?”, questiona-se François, o narrador de Submissão, lançado por Michel Houellebecq naquele mesmo 7 de janeiro de 2015 em que o Charlie Hebdo foi atacado.

No enredo, os franceses elegem presidente Mohammed Ben Abbes, candidato da Fraternidade Muçulmana, com medo da Frente Nacional, à semelhança do que ocorreu nas eleições legislativas deste ano, quando a esquerda se uniu à extrema-esquerda, também em flerte com o islamismo, para evitar a vitória de Marine Le Pen.

O livro de Houellebecq, cuja história se passa em 2022, tem a aura profética de Os Demônios, de Dostoievski, que captou o clima que levaria décadas depois à revolução russa.

Na história contada pelo francês, a eleição de Ben Abbes institui um regime islâmico na França, com reflexos principalmente para o sistema educacional do país, que deixa de contar com professoras. O protagonista, um professor universitário, enfrenta o dilema de se converter ao islamismo para voltar a lecionar.

O dilema de François se resolve assim, enquanto ele lê Dez perguntas sobre o islã, escrito pelo novo reitor da universidade: “Como provavelmente a maioria dos homens, pulei os capítulos dedicados aos deveres religiosos, aos pilares do islã e ao jejum, para chegar direto ao capítulo VII: ‘Por que a poligamia?'”.

Ele reflete após a leitura: ”As mulheres muçulmanas eram dedicadas e submissas, eu podia contar com isso, eram criadas com esse intuito, e, no fundo, para dar prazer bastava isso; quanto à cozinha, eu não ligava muito, era menos delicado do que [o escritor Joris-Karl] Huysmans nesse capítulo, mas de qualquer maneira elas recebiam uma educação adequada, devia ser muito raro que não se tornassem donas de casa pelo menos passáveis”.

Que tal se a cerimônia de encerramento das Olimpíadas de Paris tentasse reproduzir essa sátira para o mundo inteiro assistir? Em nome da diversidade, claro.

 

Rodolfo Borges é jornalista 

 

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  1. Tentar o efeito de choque com provocações alà fé cristã é tão démodé. Esperava muito mais dos franceses envolvidos. Também na arte já estão em decadência...

  2. Resumo da ópera: os seguidores do Islã não aceitam representações de mau gosto de Maomé, e os cristãos não aceitam representações de mau gosto da Santa Ceia. A cerimônia de abertura foi chatíssima e feia, e os cristãos não vão sair atirando ou explodindo quem debocha deles, mas não deixa de ser curioso esse clamor por liberdade de expressão unilateral e de conveniência.

  3. Rodolfo. que ideia maravilhosa!!! ainda que eu não queira ver banho de sangue em Paris, já que lá estão esportistas e turistas, aficionados pelo esporte ou não. Mas, queria que fosse um tiro certeiro naqueles que desejam ousar, para além da Ética e da Estética descritas pelo ocidentalismo.

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