ReproduçãoO republicano durante comício com seu boné vermelho: apelo aos "trabalhadores"

Por um triz

O que significaria uma vitória de Trump
19.07.24

Não falta emoção nesta campanha presidencial nos Estados Unidos. Primeiro, o presidente do país, Joe Biden, mostrou dificuldades em concatenar frases no primeiro debate televisivo. Duas semanas depois, um disparo de fuzil acertou a orelha direita do pré-candidato republicano, Donald Trump. Ele escapou por um átimo. Cenas fortes são aguardadas para as próximas horas ou dias, como uma possível desistência de Biden e a escolha de outro democrata, mais jovem, para a eleição de 5 de novembro.

Em paralelo a esses capítulos, os números das pesquisas seguem com menos solavancos, com Trump abrindo vantagem para o democrata. A revista The Economist dá três em cada quatro chances de o republicano levar a melhor. Biden fica com apenas uma chance em quatro. Isso ocorre não apenas porque Trump está alguns pontos à frente nas pesquisas de intenção de voto, mas porque o republicano se sai melhor nos seis estados-pêndulo: Michigan (dois pontos de dianteira), Wisconsin (três pontos), Pensilvânia (quatro pontos), Nevada (quatro pontos), Georgia (cinco pontos) e Arizona (seis pontos).

Após o desempenho desastroso de Biden no debate, já havia uma tendência de subida de Trump, que abriu cinco ou seis pontos de vantagem nas principais pesquisas. Isso indica uma vitória contundente do republicano em todos os estados competitivos. O atentado do domingo só reforça essa posição dominante do Trump, que passa a ter chances de obter uma vitória clara e nítida em novembro”, diz Andrei Roman, fundador e diretor do instituto de pesquisas AtlasIntel.

Claro, tudo pode mudar em três meses, principalmente se os democratas encontrarem um candidato viável. Mas é essa a fotografia atual.

O mérito é principalmente de Trump, que foi muito perspicaz em conquistar os americanos de classe média, brancos e sem diploma universitário, aqueles mesmos que lhe deram a vitória em 2016. São os “homens e mulheres esquecidos da América”, como descrito nos anúncios da convenção do partido que sacramentos os nomes de Trump e J.D. Vance para candidatos a presidente e vice. Não por acaso, o evento ocorreu no estado de Wisconsin, justamente um dos estados-pêndulo. A escolha de J.D. Vance, aliás, foi na medida para agradar a esse público. Seu passado familiar em uma área industrial em declínio, Ohio, com uma mãe viciada em opioides e tendo prestado serviço militar no Iraque toca fundo no coração daqueles que Trump quer conquistar.

Com J.D. Vance, Trump mira em todos os potenciais inimigos dos americanos que se ressentem de terem sido deixados para trás, como as empresas multinacionais, a China, a globalização, a elite política de Washington, a indústria farmacêutica, os acordos e livre-comércio, os imigrantes ilegais, as universidades caras, a esquerda e a imprensa progressista. Segundo Vance, os Estados Unidos foram “inundados com produtos chineses baratos, com mão de obra estrangeira barata e, nas próximas décadas, com fentanil chinês mortal”. Ele prometeu ainda “construir fábricas novamente” e “proteger os salários dos trabalhadores americanos”. É uma volta ao passado.

Em 2020, Biden cooptou esses americanos dos estados industriais prometendo uma melhoria na economia no pós-Covid. Mas a inflação elevada corroeu o poder de compra das pessoas. Embora o dragão inflacionário tenha sido domado, o padrão de vida não voltou ao que era antes da pandemia, e os empregos na mineração e na manufatura não voltaram. Os democratas estavam tentando manter os bons resultados nas urnas de quatro anos atrás cortejando os sindicatos, os negros e os latinos. O discurso partidário era benevolente com os imigrantes e com a população negra. Na divisão de funções, a vice-presidente Kamala Harris deveria representar a população “multirracial”: ela é descendente de negros e imigrantes (sua mãe é indiana e seu pai, jamaicano). Mas nada disso adiantou. Entre os trabalhadores sindicalizados, Trump e Biden praticamente empatam na preferência. O republicano, se eleito, poder se tornar o candidato republicano a levar a maior fatia de votos entre negros desde 1972 e a maior porcentagem entre os latinos desde a eleição de George W. Bush. Para negros e latinos, mais importante do que um candidato que se pareça com eles, com o mesmo tom de pele, é ter um presidente que fala em conter as ameaças, reais ou fictícias, como os imigrantes ilegais que continuam ingressando pela fronteira com México e que podem disputar postos de trabalho com eles.

Caso Trump vença de fato na eleição geral em novembro, esse posicionamento interno terá reflexos no resto do mundo. Políticas protecionistas poderão ser tomadas para favorecer o emprego dos trabalhadores americanos. Isso implicaria em tarifas altas a produtos de outros países e maior dificuldade de assinar tratados de livre-comércio (o que, aliás, já ocorre no governo Biden). Em vez de alianças de comércio abrangentes, os Estados Unidos voltariam a buscar acordos bilaterais, com cláusulas exigindo a proteção dos direitos dos trabalhadores no exterior, para evitar competição desleal.

Na geopolítica, os americanos devem aprofundar o isolacionismo, reduzindo a ajuda a outras países. Seria uma festa para o ditador Vladimir Putin, mas uma desgraça para o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. A proteção americana para Taiwan no caso de uma invasão chinesa ficaria incerta. Esta semana, Trump disse que “Taiwan deveria nos pagar pela defesa”, o que sinaliza que o republicano acha caro cuidar da proteção dos outros. É um argumento muito parecido com o usado por ele para reclamar da Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Otan.

Na América Latina, é possível que os americanos voltem a tentar alguma aproximação comercial com o anúncio de investimentos, com o propósito de conter a influência chinesa, algo que já ocorreu no mandato de Trump entre 2017 e 2020. O governo Lula teria de ser o mais pragmático possível para tirar algum proveito da relação, evitando que a amizade entre Trump e Jair Bolsonaro interfira negativamente. Para a política externa comandada por Celso Amorim, com tons fortemente ideológicos, seria um desafio e tanto.

Na economia, uma possível mudança no comando da maior economia do mundo pode estressar os mercados emergentes, com os países menos preparados sofrendo mais que os outros. Sem informação confiável sobre qual seria o plano econômico de Trump em um novo mandato, investidores têm assumido que o dólar irá se valorizar, como resultado de uma política de protecionismo e de taxas de juros altas por mais tempo. Esse movimento poderia pressionar o câmbio no Brasil, o que seria exacerbado pela fragilidade nas contas públicas, levando a uma disparada do dólar contra o real e a necessidade de manter a Selic em patamar ainda restritivo (em outras palavras, elevado). Como precaução, Lula e a equipe econômica deveriam estar correndo contra o relógio para arrumar a casa. Contudo, os gastos fora de controle seguem adiando o equilíbrio das contas públicas por aqui.

Nos próximos meses, preocupações desse tipo devem se tornar mais frequentes. Trump está com boas chances de se tornar o próximo presidente dos Estados Unidos. Se ganhar em novembro, sua vitória trará interessantes lições para o resto do mundo, que terá de se adaptar a ele.

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  1. A vitória de Trump (e de Maduro, Lula, Bolsonaro, Putin, balofo coreano) significa a DERROTA da democracia, um gol contra nós.

  2. Só o tempo dirá se vai ser bom ou ruim,, fico mesmo é preocupada com a Ucrânia o ditador Putin ficará feliz com a vitória de Trump.

  3. Se aprendi algo de economia, o mercado de ajusta às condições de momento e intervenções saem caro, em geral, para o consumidor

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