Marcello Casal Jr/Agência BrasilSete jogadores da Alemanha comemoram o primeiro gol contra o Brasil em 2014

A Alemanha jogou por sete bolas

A única forma de perder uma semifinal de Copa do Mundo por 7 a 1 é imaginar que você pode ganhá-la — ou melhor, que você tem a obrigação de ganhar mesmo quando já perdeu
05.07.24

Uma década depois da traumática derrota do Brasil por 7 a 1 para a Alemanha, parece que tudo já foi dito — e, ao mesmo tempo, também que não se falou o bastante sobre aquela semifinal de Copa do Mundo. Alguma definição de trauma deve se aplicar a essa lógica.

Foi só depois de começar a ler Home and Away: Writing the Beautiful Game, uma troca de correspondência entre os escritores noruegueses Karl Ove Knausgård e Fredrik Ekelund durante a Copa de 2014, que atentei para a curiosidade de saber o que os dois acharam do 7 a 1. Como interpretaram, o que tinham para dizer, como me poderiam ajudar a entender?

Knausgaard se tornou uma estrela literária mundial com a série Minha luta, uma espécie de Em Busca do Tempo Perdido mais explícito e autodepreciativo. Ekelund é mais famoso por ser seu amigo, mas seu relato se torna automaticamente interessante por ele morar no Brasil, ser um entusiasta do Rio de Janeiro e fazer o papel de torcedor brasileiro contra o “argentino” Knausgård.

Enfim, os dois têm muito a dizer sobre futebol e literatura e a vida, mas, com a proximidade da efeméride de dez anos da maior tragédia do futebol brasileiro, pulei as páginas até chegar ao dia 8 de julho de 2014. E o amigo famoso tinha muito mais a dizer futebolisticamente de sua casa na Suécia do que o boêmio norueguês carioca, que, como se diz no popular, só sentiu.

“O Brasil era orgulhoso e, como em todas as tragédias, é isso o que leva à queda do protagonista”, analisa o best-seller ao se questionar por que não foi Gana a vítima da humilhação alemã. “A diferença é absolutamente vital: Gana sabia que a Alemanha era o melhor time e adaptou seu jogo a isso”, completa, referindo-se ao empate entre as duas seleções por 2 a 2 na fase de grupos.

O Brasil não adaptou seu jogo. Jogou de peito aberto.

A única forma de perder uma semifinal de Copa do Mundo por 7 a 1 é imaginar que você pode ganhar a partida — ou melhor, que você tem a obrigação de ganhar mesmo quando a partida já está perdida. O Brasil achou que poderia ganhar até levar o quinto gol. Só então o time se deu conta de que não havia mais o que fazer, senão evitar levar mais gols.

Tudo o que parecia vantagem para a seleção brasileira — “intensidade emocional, religiosidade, uma vontade quase louca de ganhar”, enumera Knausgård— se transformou em desvantagem. “No futebol, a razão submete a emoção de uma forma absolutamente absurda”, resume o norueguês, constatando:

“O Brasil tinha muito em jogo. Eles estavam jogando para 200 milhões de pessoas, estavam jogando para restaurar a Copa do Mundo de 1950, estavam jogando por Deus, estavam jogando para mostrar ao mundo, estavam jogando por Neymar, enquanto os alemães estavam jogando por eles mesmos, por esse jogo, esse time, essa tarde. Eles jogaram pela próxima dividida, o próximo passe, o próximo contra-ataque, o próximo escanteio.”

Knausgaard compara a situação ao enredo do livro de outro amigo, Geir Angell Øygarden, que escreveu em Bagdad Indigo sobre “amantes da paz que foram para Bagdá com a intenção de interromper a invasão com seus corpos, todos com os ideais elevados, querendo salvar o mundo, mas quando as bombas começaram a cair tudo se desintegrou e todos, quase até o último homem, fugiram.”

Irônica e tragicamente, foi a Alemanha que adaptou seu jogo ao favorito Brasil. Foram eles que calcularam os movimentos, como Gana tinha feito no empate por 2 a 2. Seria o famoso “jogou por uma bola”, que já fez do Once Caldas campeão da Copa Libertadores e a Inter de Milão de Mourinho campeã da Champions League, caso os alemães não tivessem conseguido jogar por sete delas.

 

Rodolfo Borges é jornalista 

 

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  1. Sem dúvida, mais um interessante viés de análise sobre aquela "tragédia"esportiva; nascido em 1951, evidentemente não sofri o trauma de 1950, este sim o único e verdadeiro trauma futebolístico nacional, pois já tínhamos ganho a Copa, com o melhor time, disparado, e dependendo apenas do empate; depois ganhamos um monte delas, e senti um pouco com a derrota do nosso belo time de 82; mas que trauma com o 7x1?! Mais do que merecido...

    1. Vi uma reportagem na tv alemã sobre a derrota de 1950 p/ o Uruguai., inclusive c/ entrevistas a pessoas q participaram ativamente daquela Copa. Muitas cenas da época, inclusive a q todos os 200 mil torcedores ficam em silêncio profundo, estupefatos, incrédulos. Sou leiguíssima p/ falar de futebol, mas na minha modesta opinião aquilo sim, foi p/ traumatizar os brasileiros pois era praticamente a inauguração do Maracanã acontecida oficialmente dias antes. Até eu chorei na hora do gol uruguaio.

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