Bolsonaro e Lula: polarização não é degeneração da política

Quem tem medo da polarização?

Ao escolher entre PT e PL, o eleitorado não está demonstrando uma disposição de radicalização
07.06.24

Levantamento recente de pesquisas eleitorais nas 100 maiores cidades brasileiras feito pela I3P Consultoria de Risco Político sugere que a polarização nacional terá efeito sobre as eleições municipais. Os dois partidos com maiores vieses de alta são exatamente PL (13 cidades e crescimento de 156%) e PT (8 cidades e crescimento de 216%).

Como este é um jogo de soma zero, em termos percentuais, aparecem como perdedores dois partidos importantes do Centrão — PSD (-44%) e PP (-52%) — e dois da centro-esquerda — PDT (-40,5%) e PSB (-21,6%) — que nas últimas eleições rivalizaram com o partido de Lula pela hegemonia neste campo ideológico.

Na mesma esteira, um extrato do número de novos filiados em partidos políticos mostra que PL e PT foram os partidos que mais ganharam adesões recentemente, em um movimento que alguns analistas chamam de “engajamento pelo ódio”, pois seria estimulado pela aversão que um polo sente pelo outro.

O uso da palavra “ódio” para narrar a tendência de engajamento dá uma pista sobre a maneira equivocada com a qual a polarização tem sido tratada. O principal erro é confundir, propositalmente ou não, esse fenômeno com radicalização.

A política pode ser polarizada e não necessariamente ser radicalizada. Uma coisa é a existência de duas referências partidárias com algum grau de antagonismo em torno das quais o debate político orbita. Outra, bem diferente, é uma política dominada pelos extremos que ocupam as franjas do universo ideológico e apenas ocasionalmente conseguem dominar efetivamente o poder.

Fazer essa distinção é importante porque tira uma enorme lente preconceituosa da frente do observador e autoriza a realização de boas perguntas sobre o tema. Com mais cuidado, é possível perceber que ele está longe de ser algo novo – lembre-se dos luzias e dos saquaremas no Império, republicanos e democratas nos EUA, trabalhistas e conservadores na Inglaterra e PT e PSDB até recentemente. Não se trata de uma degeneração da política, mas de uma forma natural pela qual a debate político tende a se organizar.

No campo das circunstâncias, a polarização entre PL e PT pode estar muito bem refletindo uma evolução das opiniões políticas e do eleitorado no país que, aos poucos, vai superando o estigma que a direita carregou por ser associada ao período militar, algo natural em um processo de redemocratização no qual a esquerda e a centro-esquerda conseguiram se associar ao movimento de descompressão política com mais sucesso.

Após Fernando Collor, que pode ser classificado na categoria de “trovão em dia de céu azul”, a polarização ocorreu entre a esquerda (PT) e a centro-esquerda (PSDB). Após a crise de 2015 e 2016, a dicotomia política brasileira se apresentou vestida com outras roupas, entre esquerda (PT) e direita (Jair Bolsonaro).

Independente dos nomes ou das siglas, o mais importante é compreender que o eleitorado, com a polarização, não está demonstrando uma disposição de radicalização. Antes, pode estar mandando recado para o sistema político no qual diz que o posicionamento dos mandatários e das legendas precisa ser mais nítido, menos fluído e mais coerente.

Já que a polarização é um evento típico, por que tem sido apresentado em cores tão críticas? Uma parte dos analistas, com essa classificação, pode estar tomando posição na disputa política a partir dos seus próprios vieses e preferência, criticando a divisão entre esquerda e direita para sugerir que, no seu mundo ideal, apenas atores de esquerda e de centro-esquerda deveriam frequentar a arena eleitoral.

Outra parte se assusta porque vê na direita recente a marca do bolsonarismo que se mostrou, de fato, mais radicalizada. Mas, se Bolsonaro catalisou a direita em um primeiro instante, está longe de monopolizar esse espectro político.

Por exemplo, pesquisa recente do Datafolha na cidade São Paulo revelou que 28% dos eleitores se consideram de direita contra 21% que se dizem de esquerda. No entanto, em 2022, Lula venceu a disputa. Ou seja, pode haver eleitores com tendências direitistas ou liberais que optaram em não reeleger o Capitão. Caracterizar o PL como um partido orgânico de direita é também algo difícil. A legenda era até pouco um dos ícones do Centrão e migrou para uma postura mais ideológica sob influência de Bolsonaro.

O fato é que a direita é um potente e jovem fenômeno eleitoral que nem sequer se estruturou em instituições e tem que se contentar com o que o mercado eleitoral oferta (bolsonarismo e PL), que ainda carece de um corpo vertebrado. Mesmo assim, talvez se encontre em vantagem em relação à esquerda que, do outro lado, padece de fadiga de material e incapacidade de renovação.

 

 

Leonardo Barreto é cientista político e sócio da I3P Risco Político

 

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  1. A principais causas da polarização burra a meu ver são: a falta de conhecimento e a inexistência de um debate amplo sobre ideias, princípios e atitudes para uma sociedade mais e evoluída. A primeira devido à transformação da academia em um vácuo de pensamento e transformação de professores em doutrinadores. A segunda pelo quase desaparecimento de uma imprensa livre, independente e apartidária que favoreça a verdade dos fatos e o surgimento de novas ideias e lideranças.

  2. Se tivéssemos uma Esquerda e uma Direita com representantes dignos, inteligentes, claramente dispostos a melhorar o país seria muito mais fácil votar. Mas com dois incompetentes como temos nos deparado, só eleitores fanáticos populistas estão "felizes" na briga. Porque é só briga!

  3. Estou achando a política radicalizada por conta do baixo nível do debate, e muita gente de direita ainda prega retorno de regime militar. Achei esse artigo muito “amenizante”.

  4. O país tem de sair da camisa de força e escolher uma terceira via e começará isto este ano e termina o serviço em 2026 ... quem sobreviver verá.

  5. Os resultados das políticas do atual governo, com elevado déficit , podem não ser sentidos a tempo de impactar nessa eleição. Sem investimentos e com assistencialismo em alta não se vai longe

  6. Polarização não é problema, o problema é ser entre o PT, partido hegemónico, de ideias retrógradas, corrupto e autoritário e o PL, que é uma mistela que ideologicamente vale 0 e é um brinquedo nas mãos de um mensaleiro

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