Divulgação"Bolsonaro achou que poderia governar com bancadas temáticas. Acontece que elas só são coesas quando está em votação um tema que interessa para elas"

Como se governa o Brasil

O sociólogo Sergio Abranches, criador do termo “presidencialismo de coalizão”, acredita que Lula precisa mostrar resultados na economia em breve, ou terá problemas para manter o apoio dos parlamentares
24.02.23

Em 1988, a revista Dados publicou um artigo do sociólogo Sergio Abranches, de 74 anos, em que ele cunhava o termo “presidencialismo de coalizão”. O texto afirmava que a fragmentação da sociedade brasileira, desde 1946, fazia com que o partido do presidente não alcançasse mais de 20% no Congresso, o que obrigava o chefe do Executivo a sempre formar uma coalizão com vários partidos após a posse.

Mais de três décadas depois, o conceito ainda é fundamental para entender a política brasileira. Em entrevista a Crusoé, Abranches comenta que Lula entende mais do presidencialismo de coalizão do que Jair Bolsonaro, mas que terá dificuldades em manter o apoio no Congresso por mais tempo. “Quando acabar esse período de graça que vem depois da vitória eleitoral, quando ocorre a distribuição cargos, virá a estação das mágoas. É quando os jornais começam a veicular notícias sobre o senador Beltrano ou do deputado Sicrano. Eles começam a ficar descontentes com a fatia do bolo que ganharam. Reclamam que os ministérios não estão mais liberando emendas ou que o governo não está cumprindo com o prometido”, diz ele, por telefone. Para sobreviver a esses questionamentos futuros — comuns a todos os mandatos presidenciais — Abranches diz que será imprescindível para Lula uma economia nos trilhos, com baixa inflação e renda crescente.

 

Pelo que se pode observar deste novo governo, Lula entende mais do presidencialismo de coalizão que Bolsonaro?
Certamente. Lula administrou muito bem as coalizões quando governou. Esse não foi o caso da Dilma Rousseff, que veio na sequência. Bolsonaro, ao tomar posse em 2019, mostrou que não aprendeu nada nos quase trinta anos que passou na Câmara dos Deputados. Ele não aprendeu como é a relação entre o Legislativo e o Executivo ou como funciona o Congresso Nacional. Bolsonaro achou que poderia governar com bancadas temáticas. Acontece que elas só são coesas quando está em votação um tema que interessa para elas. Em outros assuntos, elas se comportam seguindo interesses diversos. Mais tarde, quando o Bolsonaro começou a fazer funcionar uma relação com o Legislativo, isso não aconteceu através de uma coalizão, e sim da abdicação de poder para Arthur Lira, o presidente da Câmara. Então, pela primeira vez, o poder passou a ser exercido pelo Congresso, e não pelo Executivo.

O sr. poderia explicar melhor o conceito do presidencialismo de coalizão?
No Brasil, o presidente da República divide o poder com o Legislativo. Como a sociedade é muito heterogênea, o sistema político é muito fragmentado e o partido do presidente jamais consegue a maioria. Desde que esse modelo foi instalado, com a Constituição de 1946, a sigla do presidente nunca obteve mais de 20% das cadeiras na Câmara dos Deputados. Então, todos os mandatários obrigatoriamente tiveram de negociar uma coalizão. Desde 1988, com a volta da democracia, aqueles que não conseguiram fazer isso tiveram muitos problemas, como Fernando Collor, Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro. Por outro lado, aqueles que se destacaram nesse quesito tiveram mandatos mais tranquilos. É o caso de Fernando Henrique, de Lula e de Michel Temer.

Como se formam essas coalizões?
Em outros países, como a Alemanha, os partidos precisam se juntar e montar um programa comum. No Brasil, isso não ocorre. Como o sistema tributário e fiscal é muito concentrado no nível federal, a coalizão se dá na base do compartilhamento de ministérios ou cargos no segundo e terceiro escalão, que têm prestígio ou permitem uma participação das demais siglas no Orçamento.

Que diferenças esse modelo tem com o presidencialismo dos Estados Unidos?
Há basicamente três diferenças. Nos Estados unidos, o presidente tem uma capacidade muito maior de definir as políticas públicas em determinadas áreas, sobretudo em política externa. Ele depende menos do Congresso. Em segundo lugar, o Orçamento é impositivo. Então, não há muito espaço para o parlamentar barganhar dinheiro na Casa Branca, porque os recursos já foram alocados. A terceira diferença é que, como o sistema de votação é distrital e majoritário, é muito difícil que um terceiro partido consiga romper essa reserva de mercado política. Basicamente, há apenas dois partidos, e não faz muito sentido em falar em coalizão.

Rafaela CassianoRafaela Cassiano“Quando o presidente está com a popularidade muito alta ou crescendo, há uma força centrípeta brutal”
Lula ampliou o número de ministérios para 37, distribuiu cargos de segundo e terceiro escalão e fala em gastar mais. Isso lhe garantirá apoio no Congresso por quanto tempo?
O presidente acertou muito na área social e ambiental. Na questão climática, amadureceu de forma absurda. Mas ele tem errado na maneira pela qual discute a questão econômica. Aí ele está criando muitas arestas. Além disso, com as suas declarações ele está mexendo com as expectativas, o que atrasa a possibilidade de entregar um bom resultado econômico. E isso é essencial para a manutenção da governabilidade. Quando acabar esse período de graça que vem depois da vitória eleitoral, quando ocorre a distribuição cargos, virá a estação das mágoas. É quando os jornais começam a veicular notícias sobre o senador Beltrano ou o deputado Sicrano. Eles começam a ficar descontentes com a fatia do bolo que ganharam. Reclamam que os ministérios não estão mais liberando emendas ou que o governo não está cumprindo com o prometido. Nesse período crítico, o que segura os parlamentares na coalizão é a popularidade do presidente. No Brasil, isso depende crucialmente do desempenho econômico: inflação baixa e renda dos trabalhadores crescendo.

Por que isso é tão crucial?
Porque o chefe do Executivo é visto como o principal responsável por essas coisas. Quem paga a conta da inflação é o presidente, mais ninguém. Isso acontece mesmo quando existem explicações externas para a subida dos preços, como uma pandemia ou uma guerra. Lula precisa tomar mais cuidado com a parte econômica. Sobretudo a partir do final deste ano e começo do ano que vem, ele terá de começar a dar resultados econômicos mais visíveis.

Se Lula seguir com declarações para agradar a base petista, como os ataques ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ele pode comprometer sua capacidade de formar uma coalizão?
Quando o presidente está com a popularidade muito alta ou crescendo, há uma força centrípeta brutal. A Presidência, que está no centro do sistema, agrega apoio e a oposição se enfraquece. Mas, se ele começa a perder apoio na população, a força passa a ser centrífuga, e todos se afastam do presidente. Os parlamentares então vão buscar outras lideranças, procurando quais serão os próximos candidatos. Lula diz que não está atrás de popularidade, mas ele sabe que as coisas funcionam assim.

Se Lula sabe disso, não estaria agindo contra os próprios interesses ao criar tanta cizânia?
Ele sempre fez isso. Em todos os mandatos, ele reclamou dos juros e implicou com o Banco Central. Mas ele faz um jogo duplo. Lula radicaliza contra os juros e o Roberto Campos Neto. Ao mesmo tempo, deixa o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dirigir a economia livremente e conversar com o presidente do BC. Na época do Henrique Meirelles, o Lula o deixou fazer uma política que petistas chamariam de neoliberal. O Lula tem flexibilidade. Ele defende a posição mais à esquerda, mas deixa o governo fazer uma política mantendo as coisas em seus devidos lugares.

Como o sr. vê a atual coalizão em relação às outras que Lula conseguiu no passado?
Talvez ele não consiga formar uma maioria do mesmo tamanho das que ele fez antes. Como há menos partidos, as bancadas se tornaram de tamanho médio. Tem muito partido com 30 ou 40 integrantes. Nenhum partido tem mais de cem membros. São todos medianos. Além disso, os nanicos sumiram. Tudo isso faz com que seja preciso ter mais partidos dentro da coalizão. Ao mesmo tempo, mais partidos passaram a ter capacidade de veto. Essa configuração tornará mais difícil para Lula administrar sua coalizão.

Parlamentares que prometeram apoio poderão negá-lo mais adiante?
A coalizão é sempre uma promessa de apoio. Uma boa comparação é ver como ocorrem as vendas de imóveis. Algumas pessoas que assinam o termo de compra têm a convicção de que irão até o fim, só estão esperando que as últimas condições sejam criadas. Mas outros assinam o termo mesmo em dúvida. Só não querem perder a oportunidade. Na política também é assim. Alguns líderes sabem que contarão com 80% ou 90% das suas bancadas votando com o governo. Outros falam em apoio, mas terão de negociar os votos dos seus colegas a cada votação. Isso obrigará Lula a entrar em sucessivas negociações. Sempre foi assim. Não será diferente agora.

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  1. Quanto besteirol academicista para idiotas pois na verdade o 9D não "administrou" coalizões mas comprou bandos com muito dinheiro e isto foi uma das causas de sua condenação à prisão e a meu ver quer enfraquecer as Forças Armadas tentando desmoralizá-las evitando o uso do Art 142 da CF diante da covardia de um comandante fraco e se apóia no STF metade de sua nomeada e este ano mais dois algo que poderá ser fatal à nação já desesperada diante das barbaridades e ilegalidades dos reais ditadores.

  2. O Lula não entende nada de economia a ponto de nem se preocupar em quem escolher para os Ministérios da Economia e da Fazenda. Tudo para ele parte de onde haverá vantagens pessoais e para seus fieis escudeiros. E, para conquistar o eleitor brasileiro é fácil, Lula sabe fazer discurso de palanque (promessas). Infelizmente é disso que o Nine entende.

    1. Esse também é o meu desejo. Ambos são nocivos ao país

  3. 1 - a "habilidade" de Lula para garantir apoio no congresso tem nome e sobrenome: "mensalão e petrolão". Lula não é nenhum político extremamente hábil, é corrupto e corruptor; 2 - Lula não goza de apoio no congresso. Deu demasiado para conseguir aprovar a PEC quando ainda não era governo. Seu apoiado foi apertado na eleição no senado e se absteve de interferir na eleição na Câmara, onde um não aliado reina supremo. O governo não tem pauta porque não tem apoio.

  4. Por isso dou a favor do parlamentarismo com voto distrital, sem coalizão pra valer, sem governo. Se o legislativo quer o protagonismo, que seja, mas ele vem com o ônus e o bônus. Nada de populistas mentecaptos para se esconder atrás. O congresso teria de efetivamente dar a cara a tapa. Certamente não é perfeito, mas esse sistema presidencialista está falido!

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