
Diplomacia atômica
Diversas ações e declarações recentes das autoridades iranianas parecem indicar que não será possível retomar o acordo entre Teerã e seis potências mundiais, assinado em 2015, para frear o programa nuclear persa. Furiosos com as sanções econômicas americanas, os iranianos aumentaram o estoque de urânio enriquecido e passaram a purificá-lo um pouco além do que permitia o pacto. Na segunda-feira, 22, o líder-supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, prometeu que o país nunca vai capitular e ameaçou elevar o grau de pureza a 60% — muito além do necessário para produzir energia ou conduzir pesquisas. No dia seguinte, os iranianos suspenderam as inspeções sem agendamento prévio dos técnicos da Agência Internacional de Energia Atômica, a AIEA. Mesmo assim, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que tem pouco mais de um mês na Casa Branca, tenta ignorar toda essa grita. Na Conferência de Munique sobre Segurança, realizada virtualmente, Biden disse que está disposto a retomar as negociações com o Irã e com as potências mundiais para conter a proliferação nuclear. Em um gesto de boa vontade, os americanos retiraram as proibições de vistos para permitir que diplomatas iranianos possam viajar sem dores de cabeça para Nova York, onde fica a sede da Organização das Nações Unidas.
O sentimento geral agora é o de que, apesar do mal-estar verbal, um rearranjo do acordo está por vir, embora não se saiba quando. O principal motivo para se pensar assim é que, com a saída de Donald Trump, os dois lados desejam se acertar, apesar de tudo. Acomodar os iranianos na mesa de negociações e debater uma solução diplomática foi uma das promessas de campanha do democrata Joe Biden. Da parte do Irã, por mais que os parlamentares e clérigos repitam bravatas e aprovem leis para impedir uma aproximação, quem decide sobre o programa nuclear no país é uma pessoa só, o líder supremo, cujo cargo é vitalício. Basta que Ali Khamenei dê o seu aval para que os críticos internos fechem a boca.
Para Khamenei, não há nada mais importante que a preservação do regime. A maior ameaça hoje vem da economia. Nos últimos três anos, o PIB do país caiu mais de 5% ao ano e a inflação se manteve acima dos 30%. Protestos ocorreram em diversas cidades contra o aumento do custo de vida e pedindo o fim da teocracia xiita. Em desespero, o Irã pediu no ano passado um empréstimo de 5 bilhões de dólares para o Fundo Monetário Internacional, o FMI, sob a justificativa de comprar remédios e equipamentos para lidar com a pandemia de Covid-19. O pedido foi ignorado, após pressão do governo de Donald Trump. A retomada do acordo com os Estados Unidos e as potências mundiais reabriria o acesso do Irã ao sistema financeiro internacional e ajudaria na recuperação da economia. No sábado, 20, quatro dias antes de entrar em vigor uma lei que suspende as inspeções nucleares no país, a AIEA anunciou um acordo provisório de três meses para as inspeções continuem, mas de forma pouco usual. As imagens do que acontece nas fábricas da bomba continuarão sendo gravadas, mas não serão compartilhadas. Elas ficarão armazenadas até que um acordo de verdade seja fechado. “O fato é que o aiatolá Ali Khamenei apoiou o acordo temporário feito com a AIEA”, diz o cientista político Ali Fathollah-Nejad, autor do livro O Irã na nova ordem mundial.

Entre as ofertas que os americanos podem fazer, algumas tocam no ponto mais sensível dos iranianos: o bolso. Na semana passada, a Coreia do Sul anunciou um acordo com o Irã para descongelar 1 bilhão de dólares do país em bancos coreanos. A Coreia do Sul foi um dos principais importadores do petróleo iraniano, mas viu-se impedida de fazer um pagamento de 7 bilhões de dólares por causa das sanções americanas. A liberação de parte desse valor pode ser um sinal de que o Irã pode começar a reaver ao menos uma parte dos valores que possui e estão retidos mundo afora. “Coreia do Sul e Estados Unidos são aliados próximos. Então, presumo que essa decisão tenha ocorrido com a aprovação dos americanos”, diz o pesquisador Jason M. Blazakis, especialista em terrorismo do think tank Soufan Center, nos Estados Unidos. No FMI, há agora um movimento para avalizar o pedido de empréstimo de 5 bilhões de dólares feito pelo Irã no ano passado.

O mais penoso será convencer os iranianos a reduzir suas ações terroristas em países do Oriente Médio. Desde que foi atacado pelo Iraque, logo após concluir a Revolução de 1979, o Irã entendeu que a melhor maneira de se garantir contra um novo ataque seria estender tentáculos em sua vizinhança. Hoje, o regime sustenta milícias no Iraque, os houthis no Iêmen e o Hezbollah, o Hamas e a Jihad Islâmica na Faixa de Gaza. Com essa rede, o Irã pode deflagrar uma série de ações contra seus inimigos, o que significa um enorme poder de dissuasão. Além disso, tem condição de usar essa “vantagem estratégica” para alcançar seus próprios objetivos. Nos últimos dias, foguetes caíram perto da embaixada americana em Bagdá e no aeroporto de Erbil. A suspeita é que eles tenham sido lançados pelos grupos aliados de Teerã, que quer sacar o dinheiro bloqueado de suas contas nos bancos iraquianos. Em resposta, o presidente Joe Biden ordenou o primeiro ataque militar do seu mandato: na noite desta quinta-feira, os Estados Unidos bombardearam posições das milícias patrocinadas pelo Irã na Síria.
Para lograr o acordo nuclear em 2015, o governo de Barack Obama ignorou o apoio iraniano aos grupos armados regionais. Nas 110 páginas do tratado, o foco era parar a produção de armas nucleares. O mesmo obstáculo deverá se repetir agora. “Qualquer iniciativa americana que force o Irã a reduzir seu apoio a esses grupos está fadada ao fracasso, porque o Irã quer seguir exportando sua revolução para países como o Iraque, o Iêmen ou o Bahrein”, diz Blazakis, do Soufan Center. Líderes iranianos já deixaram claro que manterão o financiamento desses bandos perigosos. O ponto, então, será o seguinte: o governo de Biden aceitará deixar isso de lado para se concentrar no problema nuclear, assim como fez Obama? A esperança entre os que apoiam um acordo para logo é que, resolvida a tensão nuclear, os demais assuntos poderiam ficar para depois.
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Biden corre risco de ser tão ruim e fraco, que lhe reste uma guerra a frente. Esperamos que isso não ocorra, mas é preocupante a questão Iraniana, principalmente devido ao radicalismo fundamentalista que domina a política local e oprime a população. Essa vem tentando lutar, protestar e buscar melhores condições, mas é brutalmente sufocada pela Guarda revolucionária. Religião e administração pública não combinam, sempre causa problemas. E o radicalismo, assim como o terrorismo, destroem.
Cobra se mata no ninho. Trump tentou fazer graça com o gordinho atômico da Coreia do Norte, deu no que deu. Tem é que apertar as sanções e deixar o Irã sem ar. #wakeupdeadman
Acreditar que os aiatolás iranianos respeitarão qualquer acordo é tão ingênuo quanto confiar naquele leitão que comanda a Coreia do Norte.
Muito boa sua reportagem, Duda.
O Irã é um regime altamente belicista que não pode ser ajudado pela sociedade internacional de forma alguma
Biden's message to Iran with missile strikes: 'You can't act with impunity, be careful', contradizendo o artigo supra-publicado. Fonte: CNN, 26/02/2021. Continuando assim, o democrata Biden ganhará um Nobel da Paz.
Um acordo onde o Irã não tem nada a oferecer. É um país que pode ser atacado por Israel a qualquer momento, e ter os reatores destruídos. A submissão do Biden ao Irã, demonstra bem em que buraco os EUA se enfiaram com esse velhote.
....exato!!! ....dentro de um buraco esquerdista e ....caquético, senil !!! Assim como outros impérios que já existiram este também está na curva descendente e abrindo caminho para os chinas!! ....e o pior é que tem gente que tira o chapéu para os chinas!!!
Novidade? Que nada... Um velho filme.