Venezuelanos asilados em embaixada argentina cobram Lula: "O silêncio dói muito"
"A luta pelos direitos humanos não pode estar subordinada a conveniências políticas", escrevem em carta

O Comando ConVzla divulgou uma carta pública dos cinco opositores da ditadura de Nicolás Maduro, asilados na embaixada argentina de Caracas desde março do ano passado, dirigida ao presidente Lula (PT).
No documento, os venezuelanos cobram uma ação concreta do governo brasileiro, responsável por custodiar o prédio na capital venezuelana desde agosto de 2024.
Segundo os opositores, o Brasil não discutiu até agora uma solução para a saída segura deles do país.
"Presidente Lula, levamos mais de um ano esperando uma ação concreta que garantisse nossa saída segura, acompanhados pelo seu governo, preservando nosso direito à vida, pela qual tememos diante da ameaça que enfrentamos", diz trecho.
No mês passado, o opositor Omar González Moreno, um dos cinco asilados políticos em Caracas, denunciou a "atmosfera de terror" promovida pelo regime.
Os asilados acusam a ditadura de impedir a entrada de água potável, cortar energia elétrica e ameaçá-los diariamente.
"No entanto, nossa situação se agrava, o tempo se prolongou de uma maneira inaceitável e, na nossa opinião, o Brasil não exigiu com clareza e celeridade uma solução para essa grave situação", escrevem.
Na carta, os opositores de Maduro ainda dizem a Lula que a "luta pelos direitos humanos não pode estar subordinada a conveniências políticas."
"Hoje, a bandeira do Brasil é humilhada, como somos humilhados diariamente dentro desta embaixada que se transformou numa prisão. Afeta a gente, mas também afeta a honra e a dignidade do seu país".
Eles já estão há 404 dias dentro do prédio argentino.
Eis a carta traduzida na íntegra.
"Estimado presidente Lula,
Os asilados na Embaixada da Argentina da cidade de Caracas, protegida pelo governo brasileiro que você preside, cuja bandeira ondula na fachada deste recinto desde 1º de agosto do ano passado, nos dirigimos a você como cidadãos de bem que buscam um futuro com liberdade, dignidade e respeito aos direitos humanos. Solicitamos sua atenção prioritária diante da falta de resolução à perseguição política que temos sido submetidos e que sofremos no nosso país, que nos obrigou a nos protegermos nesta embaixada a que o Governo da Argentina nos abriu as portas.
Hoje completamos 404 dias desde que ingressamos nesta sede diplomática, e mais de cinco meses sem eletricidade nem água direta, em condições que violam os direitos humanos básicos. Esta situação se agrava pelo assédio policial constante nos arredores da sede diplomática, em clara violação da Convenção de Viena sobre Relações Diplomática. Ainda mais grave e desconcertante é a negativa das autoridades venezuelanas de emitir os salvo condutos correspondentes, tal como estabelece a Convenção de Caracas sobre Asilo Diplomático.
Presidente Lula, levamos mais de um ano esperando uma ação concreta que garantisse nossa saída segura, acompanhados pelo seu governo, preservando nosso direito à vida, pela qual tememos diante da ameaça que enfrentamos.
Quando ingressamos em 20 de março de 2024, nós fizemos com segurança que nos assiste o marco do direito internacional na proteção de quem são perseguidos políticos. Em 1º de agosto de 2024, quando você e o governo do Brasil assumiram a representação dos interesses da Argentina na Venezuela, diante da expulsão dos diplomatas deste país, esperávamos o mesmo, ainda mais sendo sua administração uma defensora histórica dos direitos humanos.
Nós, os asilados, opositores do regime de Maduro, sentimos alívio e gratidão pela proteção do Brasil, confiados no princípios que sempre guiaram o povo brasileiro na luta pela liberdade, justiça e direitos humanos. No entanto, nossa situação se agrava, o tempo se prolongou de uma maneira inaceitável e, na nossa opinião, o Brasil não exigiu com clareza e celeridade uma solução para essa grave situação.
Em um contexto em que a memória histórica e a justiça são valores defendidos pelo governo brasileiro, nós nos encontramos presos no limbo, sem os salvo-condutos que são um direito dentro do marco das convenções internacionais subscritas. Imagine o que é passar mais de cinco meses sem eletricidade, sem água nas torneiras e com ameaças físicas constantes, inclusive a qualquer jovem motorizado que traz algum remédio ou comida. O silêncio dói muito.
Hoje, a bandeira do Brasil é humilhada, como somos humilhados diariamente dentro desta embaixada que se transformou numa prisão. Afeta a gente, mas também afeta a honra e a dignidade do seu país.
É difícil não notar a contradição na forma que o governo brasileiro tenha lidado com casos similares, mesmo envolvendo pessoas processadas e condenadas por delitos graves, onde a gestão eficiente e rápida do seu governo para que se concedessem os salvo-condutos foi evidente, algo que não ocorreu no nosso caso que somos inocentes. Por que alguns recebem proteção imediata e solução urgente, enquanto que nós somos condenados a meses de silêncio.
A luta pelos direitos humanos não pode estar subordinada a conveniências políticas. A comunidade internacional e a região latino-americana aplaudiriam que você dê um passo adiante e avance solucionando esta situação que leva mais de um ano. Hoje, Brasil tem a oportunidade de liderar e e escrever uma página de exemplo e ação, fortalecendo a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e a Convenção de Caracas sobre Asilo Diplomático ou, pelo contrário, diluir a credibilidade do Brasil como defensor dos direitos fundamentais e como parte envolvida diretamente nesta grave situação.
Pedimos para atuar com firmeza e realizar com urgência todas as gestões necessárias para que nos outorguem os salvo-condutos correspondentes e que seu governo nos acompanhe em nossa saída a outro destino seguro fora da Venezuela. É imperativo uma solução para poder sair desta situação terrível que dia a dia afeta mais nossa saúde física, mental e emocional.
Agradecendo de antemão, nos despedimos respeitosamente.
Atentamente,
Os asilados."
Morte de ex-custodiado
Em fevereiro, Fernando Martínez Mottola, ex-ministro dos Transportes e das Comunicações no governo de Carlos Andrés Pérez, morreu após deixar o edifício.
"Ele foi, sem dúvida, um homem comprometido com os valores democráticos. Ele deu tudo de si para lutar contra a ditadura que nos oprime. Ele teve que se refugiar na embaixada argentina para proteger sua vida e corajosamente tomou a decisão de sair. Nós sempre nos lembraremos dele", afirmou Antonio Ledezman, ex-prefeito de Caracas, nas redes sociais.
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