Trump unindo rivais
Xi Jinping, Vladimir Putin e Narendra Modi, reunidos na China com a força de um empurrãozinho de Donald Trump

Ainda em busca de seu Prêmio Nobel da Paz via entendimentos entre Rússia e Ucrânia, Donald Trump talvez possa se orgulhar de outro feito de reaproximação: ele está conseguindo unir Rússia, Índia e China, tríade que por muito tempo não se dava bem.
Graças às suas altas tarifas e ataques comerciais, os três países estão cada vez mais motivados a chegar num entendimento comercial e geopolítico.
O palco atual desse rearranjo foi o encontro da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), em Tianjin, onde Xi Jinping recebeu Vladimir Putin e Narendra Modi, dois líderes cruciais, mas de perfis distintos, num aceno à construção de um front face aos Estados Unidos.
A engenharia cuidadosa de imagens retóricas e diplomáticas tem sido um instrumento igualmente poderoso ao soft power cada vez mais abandonado por Trump.
Enquanto os EUA sob Trump impõem tarifas e oscilam em abordagens diplomáticas, a China capitaliza o descontentamento geral, ganhando margem de manobra política, e, como aponta pesquisa do Pew, registra aumento de aprovação em vários países, enquanto a dos EUA cai.
Xi aposta no crescimento de uma ordem multipolar que reduza a dependência unilateral de Washington.
Na mesma direção, os gestos entre Xi e Modi avançam num ambiente de parceria, não rivalidade, busca-se retomar canais diplomáticos abalados por disputas comerciais e militares. Nos últimos anos, os EUA se esforçavam para se aproximar da Índia. Trump está colocando areia nessa engrenagem.
Essa aproximação dos vizinhos asiáticos é vista como uma resposta moderada à retórica protecionista de Washington.
A sinergia entre China, Rússia e Índia ainda engatinha, mas mostra como Pequim quer fortalecer a união entre esses 3 países como palco alternativo à hegemonia ocidental.
Também e um aceno ao Brics, o heterogêneo bloco dos emergentes, enquanto Trump polariza suas tentativas de realinhamentos com Moscou, e impõe fardos econômicos a Nova Delhi.
Mas diferenças históricas, antagonismos de fronteira e desconfiança mútua impedem alinhamentos rápidos e podem impedi-los de serem duradouros. A estratégia chinesa se expressa mais pela ampliação de poder político do que por resoluções estruturais imediatas.
O Brasil observa de longe. Lula enxerga nessa conjuntura uma oportunidade de ampliar a relevância do Brics, convertendo a aproximação sino-indiana em capital político para o bloco.
Leia em Crusoé: Lula vai perder uma parada militar em Pequim?
Mas a ambição de Lula é limitada pela baixa participação brasileira no comércio no próprio Brics, pela dependência estrutural de exportações de commodities e pela baixa capacidade de influência sobre questões de segurança e geopolítica no grupo, dominados por China, Rússia e Índia, todas potências nucleares.
Para que a retórica de liderança se traduza em protagonismo, o Brasil teria de articular projetos concretos de integração econômica e tecnológica que despertem interesse real dos demais membros, algo que permanece mais no campo das palavras do que da execução prática.
Nesse meio tempo, o presidente americano segue jogando duro com esses países na expectativa de que eles se dobrem diante de seu pulso firme. Enquanto Índia, China e Rússia negociam cada vez mais entre si, mas também com os EUA, o Brasil segue sem um canal de negociações com Trump.
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