Toda posse é um espetáculo feio
Nunca vi nem fui à posse de nenhum político. Primeiro porque é o tipo de coisa que só fã, militante ou assessor faz. No caso dos assessores, que são pagos, e dos militantes, que em geral são malucos (mas também os há pagos), vá; mas quem diabos é fã dessa gente? Em todo caso, não...

Nunca vi nem fui à posse de nenhum político. Primeiro porque é o tipo de
coisa que só fã, militante ou assessor faz. No caso dos assessores, que são
pagos, e dos militantes, que em geral são malucos (mas também os há
pagos), vá; mas quem diabos é fã dessa gente? Em todo caso, não faço
parte de nenhuma dessas, hum, categorias de indivíduos.
Mas a razão verdadeira é que sou o fiel depositário de certos preconceitos
do Brasil velho, que está à morte, e da São Paulo velha, que já foi cremada,
segundo os quais cerimônia de posse de políticos de qualquer escalão é
coisa comparável ao salão de bailes de uma casa de tolerância, inclusive
com o mesmo cheiro de três e meia da manhã.
Como eu disse, é preconceito. Fui criado assim: todos os meus ancestrais
diziam que políticos empossados são uma gentalha que não se apresenta à
família. Meus primos, por exemplo, nunca levaram em casa as vereadoras
que namoraram; minhas tias nunca deixaram meus avós saberem que foram
ao cinema com tal ou qual ministro de estado; eu mesmo, se tivesse (hum) o
hábito feio de frequentar sei lá que prefeita ou senadora, só me confessaria
aos membros do meu clubinho de cafajestes. O bom nome da família não se
joga fora e se mantém a estanho, na falta de ferro, e a brasas, na falta de
fogo.
Também nunca compramos carro usado, lambreta usada, bicicleta usada de
deputado federal nenhum. Nem pegamos cheque de assessor de nenhuma
pasta. Nem fizemos fiado a prefeito, ou emprestamos o cartão de crédito a
algum presidente, ou nosso nome para qualquer governador fazer crediário.
Não: tudo o que eles levaram de nós foi por extor…, digo, por força de lei. Há
empossado bom, honesto, bacana, ilibado? Se houver, mora com a rena do
nariz vermelho no resort do Pé Grande em Xangri Lá.
Preconceito, sim, senhor, e até superstição: tenho para mim que o Real só
vem resistindo tanto – quase trinta anos! – porque trocou as efígies
agourentas dos figurões empossados por bichos saudáveis, inocentes e mais
perfumados. Getúlio Vargas, Juscelino Kubtischek, Marechal Deodoro são
inflação; jacarés, urubus e bugios são estabilidade. Só não peço ao amigo
para me convencer do contrário porque sou justo e sei que é tarefa
impossível.
E depois, vamos combinar: que espetáculo feio não será! Não tem um que
não seja todo mequetrefe ou mal-ajambrado, não tem uma que não
preferisse estar de havaianas, top e calça de moletom; todos estão loucos à
espera das bandejas de croquetinhos, do vinho branco gelado e do pagodão
pesado; e todos eles têm a cara lavada de suor, e que todas elas riem como
hienas e estão maquiadas como palhaças. Ainda se algum deles tivesse três pernas, duas cabeças, sete dedos em cada mão ou uma orelha na nuca,
mas não: as “cerimônias” não servem nem como freak show.
Daí que neste domingo vou manter o hábito decoroso de não sintonizar nem TV,
nem rádio, nem me conectar por internet à posse de ninguém. Vou antes
assistir programas de TV com leões caçando zebras (e, como boa zebra,
chorar pelas primas), ou verei vídeos de funerais, ou ficarei ouvindo música
fúnebre e tomando bebidas ruins – cerveja vagabunda, vinho doce, cidra,
uísque nacional – antecipando outro quadriênio de luto.
* * *
Nada disso me impede de agradecer ao leitor amigo, à leitora dileta, a
atenção dispensada a esta coluna no ano de 2022: muito obrigado.
Fiquem com meus votos de um 2023 excelente, cheio de saúde, bonança e
liberdade, por mais que todos os sinais, gestos e pronunciamentos oficiais e
oficiosos indiquem o contrário. Que Deus abençoe grandemente a todos, e
nos livre do (ou atenue ao máximo o) previsível mal.
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Comentários (10)
Tamara
2023-01-03 19:22:36Concordo com você. Não assisti também. Passei bem longe das transmissões.
Maria Vilma Freire
2023-01-02 19:12:06Que pena você não ter assistido a esta posse, Muito simbólica, muito diferente, mas que só pessoas sensíveis e humanas tem condição de apreciar.
Marcia E.
2023-01-02 14:59:56Por que meus 2 comentários anteriores não apareceram? Não coloquei nome feio e fui bem educada ao aplaudir o texto de Orlando Tosetto. Nessas horas é que prefiro comentar no Antagonista. Lá a mensagem é imediata.
Marcia E.
2023-01-02 14:36:14Perfeito seu texto. Tudo que eu queria dizer sobre esse espetáculo deprimente (que neste momento já aconteceu). Ao invés de Rolls-Royce Lula - o Apelativo, deveria chegar dentro do carrinho de materiais recicláveis da convidada especial que subiu a rampa ao lado de Janja e outros personagens de valor figurativo.
VALERIA SOKAL
2023-01-02 14:27:30Parabéns! Excelente escolha!
Chico Bráulio
2023-01-02 12:50:33Valei-me N. S. do Perpétuo Socorro! Candidato forte ao troféu limão.
Nery BSB
2023-01-02 12:48:53Amém!
Haydee Yara Fernandes Sgrinhlelli
2023-01-02 12:05:12Concordo! Parabéns pela crônica! 👏👏👏👏
Branda
2023-01-02 10:43:11Muito bom! Você é solteiro? 😄
Robson Batista
2023-01-02 10:37:21Ótimo texto! Pena que não dá pra compartilhar pra não assinantes.