Quem herdou Michael Jackson?
Todo mundo com mais de 30 anos tem alguma memória de Michael Jackson — no limite mínimo dessa idade, não cheguei a ver o ápice carreira, já em declínio na minha infância. Mas lembro precisamente da sua morte, das imagens de helicóptero pairando sobre um hospital em Los Angeles, prenunciando um evento, por si só,...
Todo mundo com mais de 30 anos tem alguma memória de Michael Jackson — no limite mínimo dessa idade, não cheguei a ver o ápice carreira, já em declínio na minha infância. Mas lembro precisamente da sua morte, das imagens de helicóptero pairando sobre um hospital em Los Angeles, prenunciando um evento, por si só, inédito.
A morte do Rei do Pop, que completa 15 anos na próxima terça-feira, 25 de junho, foi primeira grande notícia a se espalhar por mundo via redes sociais, gerou reações imediatas e fez com que a MTV revivesse seus bons tempos, emplacando os clipes que praticamente deram motivo à sua existência.
Passados 15 anos, a morte do rei do Pop pode ser vista por alguns vieses, até bastante antagônicos: tal como Elvis Presley, falecido repentinamente em 1977, a figura universal e extravagante de Michael não parece ter deixado nenhum herdeiro aparente a seu império audiovisual. Ao mesmo tempo, pode-se dizer que nenhum artista pop consegue fazer algo diferente do que Michael fez por cinco décadas.
O espólio
A música pop obviamente nasce antes de Michael iniciar sua carreira musical com seus irmãos na Motown, no fim dos anos 1960 — já existia o easy listening e as canções de Burt Bacarach. Mas há uma força gravitacional agindo em torno da indústria popular a partir de 1970, graças (mas não somente) ao que à época era um garoto de 11 anos.
O primeiro sucesso com a voz de Michael, I Want You Back, é exemplar de uma nova obsessão industrial pelo sucesso da música: escrita por um grupo de compositores da Motown chamados "The Corporation" ("A Corporação"), a canção é rápida, sem gorduras, com um refrão alegre que privilegia tenores. A canção era pensada para Gladys Knight, mas acabou com Joe, Jermaine, Tito e Marlon Jackson, todos fazendo sombra para o menorzinho.
Coincidência ou não, a indústria fordista de sucessos que era a Motown ficava em Detroit — o coração da então fervente indústria automobilística americana.
Surfando na onda de popularização do soul, Michael permaneceu nela e na sua formação familiar até quando não era mais lucrativo. O destino bate pela segunda vez na sua porta não apenas com a chegada da disco music, mas também com a entrada do produtor Quincy Jones na sua vida. Tão mítico quanto seu pupilo, o mestre moldou um diamante — e o resto são números (um deles: os mais de cem milhões de discos vendidos em Thriller, ainda imbatível).
O segredo da máquina de sucessos de Michael Jackson passava por saber, como ninguém, comer de tudo e dali vomitar algo só seu, uma antropofagia dos anos 80: em Beat it é uma música quase inteira de glam rock como o Van Halen; Billie Jean (e Thriller) são expoentes do pós-disco; Black or White, de 1991, tem elementos de um hip hop que ainda estava ganhando terreno. Nenhuma delas é lembrada como rock, disco ou rap— são todas canções pop, e canções pop de Michael Jackson.
O império místico por trás do cantor seria bem menor se ele não dominasse a arte visual. Seus clipes — repetidos à exaustão na sua morte — eram mais do que a mera exibição das músicas, se tornando verdadeiros laboratórios de narrativas muito maiores que a própria canção: Remember the Time volta ao Egito; You Rock My World vai um cabaré cubano comandado por Marlon Brando em seu fim de vida; e Speed Demon (talvez o mas subestimado e experimental de todos) o coloca em uma Hollywood de massinha de modelar, uma coqueluche da época.
Se não tivesse a disciplina e a habilidade de se converter em uma marca fruto da primeira onda de globalização, talvez Michael tivesse sido como Prince — com a diferença que Prince era bem melhor (e sabia, o que talvez era o seu principal problema).
Os possíveis herdeiros
Parece simbólico que, ao ser preso na última semana após dirigir embriagado em uma área nobre de Nova York, o cantor Justin Timberlake não teria sido reconhecido pelo policial que o abordou.
Aos 28 anos em 2009, o cantor liderava a lista de seus possíveis sucessores. Tudo batia: a carreira infantil, o grupo que o catapultou (as mulheres aqui se lembram do N'Sync, e os homens fingirão não saber do que se trata), a carreira solo levada na mão por um produtor símbolo de seu tempo (Timbaland). Quase como uma passagem de bastão, foi Timberlake gravou uma das últimas músicas inéditas de Michael, a chiclete Love Never Felt So Good.
Nesta década e meia, no entanto, o mundo mudou mais que o cantor: representatividade passou a importar na opinião do ouvinte, e a fragmentação das redes sociais trouxe uma necessidade de um outro tipo de artista pop, mais focado no seu sucesso profissional e em na defesa de suas causas do que em sua vida pessoal. Ninguém mais quer ser famoso a ponto de não conseguir se destrancar de Neverland, como aconteceu com Michael nos anos 1990.
Por isso que hoje Beyoncé, Bruno Mars, Lady Gaga, Taylor Swift e os sul-coreanos do BTS parecem dominar a cultura pop, a depender do ponto de vista de quem veja. Seriam os novos herdeiros aparentes.
Mas todos estes investem em vídeos musicais cada vez mais complexos — uma caminho que Michael Jackson praticamente construiu sozinho há 40 anos. A música pop de todos eles tem a mesma produção direta e reta, sob supervisão das melhores cabeças do mercado, como era nos tempos do Thriller. E as cirurgias plásticas, que Michael fez ao ponto de se tornar sua própria pele ser um objeto de escândalo, hoje está no corpo de cada um deles. Mesmo as dancinhas, que viraram demodé nos anos 2010, hoje passam por um certo revival, em parte garantidas pelo TikTok.
Timberlake, portanto, fixou para trás. Pela geração atual, ele agora é mais lembrado como o ex-namorado abusivo de Britney Spears (outra possível herdeira que se perdeu no caminho). E, claro, como o motorista bêbado.
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Comentários (2)
Renata
2024-06-23 12:40:29Com exceção justamente de Michael Jackson, a música pop me soa toda meio igual.
Carlos Renato Cardoso Da Costa
2024-06-23 11:15:42Traço um paralelo do Timberlake mais com o Bruno Mars do que com MJ ou os outros artistas POP citados no artigo. Ambos nasceram do mundo típico pop e migraram para uma música muito mais madura e qualificada, sem perder a comercialidade nem ser produto prontamente descartável. Se o assunto é música, ainda que não seja uma biografia, abordar o "renascimento" (nichado, mas ainda assim em ascensão) do LP seria interessante. PS: O namorado abusivo da Britney não foi o Federline?