Foto: Cámara de Diputados via Wikimedia Commons

Por que a inflação da Argentina é maior do que o divulgado

14.11.23 20:38

O índice de inflação oficial da Argentina divulgado nesta semana esconde alguns fatos sobre a crise econômica do país.

Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), como anunciado ontem, 13 de novembro, a menos de uma semana do segundo turno das eleições presidenciais, a inflação argentina no mês de outubro foi de 8,3%.

Trata-se de uma desaceleração visto que o índice é inferior aos mais de 12% do mês anterior.

No acumulado dos 12 meses anteriores, a inflação chegou a 142,7%. Esse é um recorde desde 1991, quando o país se recuperava de uma hiperinflação de 3.079% anual, a pior crise inflacionária da história argentina.

Entretanto, a inflação real na Argentina hoje deve ser ainda maior. Algumas consultorias privadas mediram uma variação mensal superior à oficial. A EcoGo Consultores estimou acima dos 9%, uma diferença sútil mas não irrelevante.

O fato é que os índices oficiais subnotificam a inflação devidos a diversos fatores, todos relacionados às práticas econômicas heterodoxas do Estado argentino.

“Os índices oficiais de preços são fortemente distorcidos por diversas intervenções nos mercados que afetam toda a economia”, diz Juan Luis Bour, economista-chefe da Fundação de Investigações Econômicas Latinoamericanas (Fiel).

Dentre essas intervenções, Bour destaca quatro.

A primeira, e mais conhecida, são os diferentes tipos de câmbio de dólar na Argentina, com um total de mais de 10.

“Na cotação oficial, há desvalorização no câmbio para produtos de exportação, mas não para importação, o que afeta certos preços”, diz Bour.

Por exemplo, um empresário com acesso à certas cotações oficiais, o que não é o caso da maioria dos argentinos, pode ganhar mais pesos do que o seu concorrente ao exportar um produto ou gastar menos ao importar.

Outra intervenção que artificializa a inflação são os atrasos em reajustes de preços imposto sobre alguns bens nos últimos meses, em meio às eleições.

Um caso marcante que desencadeou uma crise de abastecimento no final de outubro foi a gasolina. No início do mês passado, o barril de petróleo Brent, a 97 dólares, era vendido na Argentina por 56 dólares para controlar o preço do combustível.

Após a crise, na virada para novembro, o preço na bomba dos postos da estatal YPF, que domina o mercado, precisou ser reajustado em 10%.

Uma terceira intervenção, de menor impacto, é a política de acordos de preço, dentre os quais o mais famoso é o Preços Justos.

Alguns supermercados e provedores firmam acordos com o governo nacional para não reajustar seus produtos acima de 5% mensal, independentemente da inflação, em troca de benefícios fiscais.

“Essa política é algo menor, porque envolve uma porcentagem pequena de produtos”, diz Bour.

Por fim, e uma das distorções de preços mais complexas e impactantes, envolvem as intervenções do próprio setor privado não captadas pelo Indec. O economista cita como exemplo a área da saúde.

Médicos particulares têm cobrado copagamentos a seus clientes “muito altos” nos últimos meses, em meio ao aumento da inflação. Essas cobranças adicionais pela consulta não são captadas na inflação oficial.

Legado sombrio

O Indec já sofreu intervenção do Estado sobre o órgão durante os governos de Néstor e Cristina Kirchner.

Os Kirchners aparelharam o Indec de maneira oficial entre 2007 e 2015 com a seleção de dirigências que deliberadamente maquiaram os índices de inflação e ocultaram a metodologia de medição. Chegou-se ao ponto de interromper a publicação de dados sobre a taxa de pobreza entre 2013 e 2015.

Desde a presidência de Mauricio Macri, em 2016, o Indec readquiriu autonomia. O atual governo, do peronista Alberto Fernández, também não interferiu no órgão.

Especialistas asseguram a credibilidade do Indec hoje, mas ainda há sequelas daquela intervenção na desconfiança das pessoas, e logo do mercado, sobre os índices oficiais, o que, por si, distorce ainda mais a inflação.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO