Os interesses cruzados de uma viagem da CNT para a Suíça
A Confederação Nacional de Transporte (CNT), uma organização que reúne empresários do setor, misturou agentes públicos e privados para uma agenda discreta na Suíça, no final de abril. Entre os dias 21 e 29 daquele mês, a CNT levou empresários, dois ministros do Tribunal de Contas da União (TCU), uma deputada e um ex-ministro de...
A Confederação Nacional de Transporte (CNT), uma organização que reúne empresários do setor, misturou agentes públicos e privados para uma agenda discreta na Suíça, no final de abril. Entre os dias 21 e 29 daquele mês, a CNT levou empresários, dois ministros do Tribunal de Contas da União (TCU), uma deputada e um ex-ministro de Bolsonaro a uma série de palestras, almoços de relacionamento e coquetéis às margens de lagos e aos pés dos Alpes.
Alguns dos convidados têm cargos públicos — sendo responsáveis por analisar temas de interesse da própria CNT — e foram para o evento sem declarar gastos em seus devidos órgãos. Eles foram apresentados como "convidados institucionais" da Confederação e podem ter tido suas despesas pagas duas vezes.
Sentado ao centro da foto, e cercado por dois ministros do TCU, está Jorge Bastos, o presidente da Infra S.A., estatal do ramo de ferrovias que reuniu a Valec e a EPL. Nomeado para o cargo em fevereiro deste ano, Bastos tirou uma licença de 13 dias para participar do evento privado que durou oito. Ele teve uma autorização da própria estatal, que topou arcar com as suas diárias e as passagens aéreas entre Brasília, São Paulo, a cidade alemã de Frankfurt e a cidade suíça de Genebra.
Acontece que ele é um dos "convidados institucionais" da viagem — e, segundo apontam fontes ligadas ao caso, teve as despesas de transporte e de hospedagem pagas pela própria CNT, como o caso de uma parlamentar que foi convidada. Com isso, não se sabe o que Jorge Bastos pode ter feito com o dinheiro entregue a título de ônus e diárias.
Procurados por telefone e por e-mail, a Infra S.A. não respondeu ou retornou os contatos. Após a publicação da matéria, Jorge Bastos disse que a Infra pagou as passagens para a Suíça — mas que a CNT de fato pagou o curso que ele compareceu, e que definiu como "super interessante"
A Infra também buscou a reportagem um dia depois para fizer que "em que pese o evento durar nove dias, se faz necessário garantir os dias necessários ao
deslocamento do empregado". A empresa diz que a participação de Bastos no evento não configura conflito de interesse, "uma vez que essa parceria não representa qualquer compartilhamento de informação privilegiada ou relevantes e não compromete o interesse coletivo ou influencia, de forma imprópria, o desempenho das suas funções públicas."
Os dois representantes das Cortes de Contas, Marcos Bemquerer e Vital do Rêgo, também estiveram como "convidados institucionais" no evento na Suíça. Sentados ao lado de Jorge Bastos, os ministros podem ter conflitos de interesse com a ação da própria CNT — já que, quando solicitados por parlamentares, eles podem analisar e avaliar as suas contas (a CNT recebe dinheiro pelo sistema S).
Marcos Bemquerer estava em "Missão Oficial" durante os dias do evento, e Vital do Rego também estava fora dos julgamentos durante aquela semana. Os gastos de ambos, apontam os dados mais recentes do TCU, não indicam que a Corte de Contas pagou passagem e diárias aos dois.
Procurado, o TCU não respondeu até a publicação desta reportagem.
Pelo lado parlamentar, uma das convidadas foi a deputada Helena Lima (MDB-RR), conhecida como Helena da Asatur. A deputada declarou que estava em "missão autorizada" e, por isso não votou no plenário em 24 de abril. Apesar de estar em primeiro mandato, a "convidada institucional" do evento é membro da Comissão de Viação Transportes da Casa e, como seu nome artístico entrega, é casada com Renildo Lima, dono da empresa de ônibus Asatur e que atua na região Norte. Ele estava entre os convidados do evento, e viajou com a esposa.
Procurada, a deputada confirmou que "a CNT pagou as passagens e as hospedagens, e eu a alimentação". Ela ainda disse que participou das atividades em um instituto local sobre ESG no ramo de transportes.
Outro convidado, que aparece de pé e suéter amarelo, é Marcelo Sampaio, que sucedeu a Tarcísio Gomes de Freitas como ministro da Infraestrutura de Jair Bolsonaro. Ele não ocupa mais cargo público, o que em tese não o impede de aceitar possíveis convites da CNT.
A questão é que um folheto interno da viagem aponta Sampaio como diretor de Assuntos Regulatórios da Vale, cargo que ele não ostenta publicamente. O ex-ministro pode ter potencialmente descumprido a Lei de Conflito de Interesses ao passar pela chamada "porta giratória" — quando um membro da administração pública, dotado de informações privilegiadas e mesmo confidenciais, acaba trabalhando em uma empresa que, por exemplo, opera ferrovias que sua pasta regulava.
O ex-ministro foi procurado pela reportagem e disse que "a participação no referido evento se ateve apenas à capacitação técnica, em curso voltado às áreas do social, sustentabilidade e de governança". Questionado sobre potencial conflito de interesse o ministro se ateve ao evento da CNT: "Minhas atuais atividades profissionais e a temática específica do curso não estão relacionadas ao escopo do cargo público que ocupei até o final do ano passado."
A CNT não se manifestou até o fechamento desta reportagem.
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Comentários (5)
Amaury G Feitosa
2023-05-25 13:53:38Malandro é malandro ... Mané é mané ... num é dr. Verboso? só mesmo no Brasil as quengas (nós) sustentam os bofes.
JOÃO
2023-05-25 07:37:04A farra continua, mas quem tem um condenado como presidente isso é cafezinho.
KEDMA
2023-05-24 20:30:41O dinheiro público é gasto à vontade e sem nenhuma preocupação. E o que importa de verdade da viagem e dos encontros serão aplicados aqui no Brasil?
Carlos Renato Cardoso Da Costa
2023-05-24 14:13:12Pqp que coisa nojenta essa promiscuidade. E é vez após vez, nunca muda, nunca acaba. Ler isso esgota, fico imaginando pro jornalista que investiga e publica
Sônia Adonis Fioravanti
2023-05-24 13:04:57Como podemos ver CARÁTER tem preço