O peso da opinião pública sobre as decisões de Putin

Um dos fatores que poderiam evitar uma invasão da Ucrânia é o temor do presidente da Rússia, Vladimir Putin (foto), de que a opinião pública se volte contra ele.

Apesar de ter uma aprovação popular acima dos 60%, um levantamento do instituto Levada realizado em janeiro aponta que 56% dos russos temem um conflito mundial. Quando perguntados se a Rússia deveria intervir na Ucrânia, dá empate: 43% são a favor e 43% são contra.

Uma guerra ainda poderia minar ainda mais a situação da economia do país, que tem crescido, em média, 1% ao ano na última década. Cerca de 64% dos russos acham que a economia irá piorar. Há um ano, esse número era de 50%. "É claro que a opinião pública é menos importante na Rússia do que nas democracias ocidentais, mas esse é um dos tópicos que Putin leva em consideração", diz o cientista político Timothy Frye, que dá aula de diplomacia pós-soviética na Universidade Columbia, em Nova York.

Frye é autor do livro Weak Strongman (O Fraco Homem Forte, em tradução livre), que usa dados para desvendar como Putin toma suas decisões. Ele conversou com Crusoé pelo telefone.

O presidente russo Vladimir Putin considera a opinião pública ao tomar decisões?
É claro que a opinião pública é menos importante na Rússia do que nas democracias ocidentais, mas esse é um dos tópicos que Putin leva em consideração. Isso porque a elevada aprovação que ele tem hoje lhe permite se diferenciar de outras figuras públicas. Se sua aprovação cair, ele seria apenas mais um entre diversos membros da elite. Além disso, é muito mais fácil ser um autocrata popular do que um autocrata impopular. Putin não gosta de fazer coisas que não tenham um apoio amplo. Um exemplo foi a reforma da aposentadoria, que ele tentou introduzir duas vezes, em 2005 e 2018. Como sua aprovação caiu entre 15 e 20 pontos percentuais, ele voltou atrás. Então Putin é muito cuidadoso para não levar adiante políticas que não geram consenso. O Kremlin faz muita pesquisa de opinião para saber quais assuntos podem suscitar protestos e, então, eles preferem ficar longe dessas questões.

Além da reforma da aposentadoria, o sr. teria exemplos de outras políticas que não foram adiante porque não tinham apoio?
Alguns especialistas dizem que a opinião pública é muito sensível com vítimas e mortes causadas por decisões de política externa. Em 2014, a anexação da península da Crimeia foi muito aplaudida porque não houve derramamento de sangue. O apoio russo para as forças nas regiões do leste da Ucrânia, por sua vez, não seguiu a mesma rota. Por esse motivo, Putin não introduziu soldados lá diretamente. Ele encorajou voluntários e forneceu armas. A presença de forças militares russas não foi tornada pública porque, em parte, isso não era muito aceitável na Rússia. Na movimentação de tropas ao redor da Ucrânia, a opinião publica tem sido claramente cética da necessidade de uma maior expansão militar nesse país. É claro que, em uma questão tão importante, Putin é um autocrata e pode ignorar o que o povo pensa. Mas ele sabe que teria de pagar um preço alto por isso. Ele certamente perderia capital político em alguns setores da população russa.

Como o Kremlin controla os veículos de comunicação, o governo não poderia manipular a opinião pública?
Depende. Na economia, eles têm tido muito pouco sucesso em tirar a culpa do governo. Nas notícias da televisão, eles podem dizer que a economia está indo bem, mas as pessoas estão vendo os preços subirem. O padrão de vida está estagnado há uma década. Então a propaganda não tem funcionado muito bem. E uma guerra só iria piorar essa situação. Além disso, nas pesquisas, os russos têm dito que acham mais importante garantir o desenvolvimento econômico do que ser uma superpotência global. Na área de política externa, que as pessoas conhecem menos, a mídia consegue conduzir melhor o debate. Mas a Ucrânia é uma situação delicada, porque os russos sabem muito bem o que acontece por lá. Eles têm muitos contatos nesse país vizinho. Se ocorrerem muitas mortes, será difícil esconder isso. 

Se o Ocidente implementar novas sanções econômicas contra a Rússia, o governo não poderia usar isso a seu favor e culpar outros países pela estagnação? 
Eu publiquei uma pesquisa sobre isso em 2015. Nesse estudo, notei que as sanções tornaram menos provável a hipótese de as pessoas terem uma visão positiva dos Estados Unidos. Mas as sanções não aumentaram o apoio a Putin. A população sempre critica o governo pelo mal desempenho econômico. O Kremlin pode até apontar o dedo para o exterior, mas o público não vai acreditar. 

Quais são os maiores medos de Putin?
O primeiro deles é que ocorram protestos, algo que hoje parece improvável. Ele também teme que surjam desafiantes em seu círculo mais próximo. Como todos os autocratas, Putin desconfia das pessoas que se sentam na mesma mesa e gostariam de assumir a sua posição. Outra coisa que incomoda Putin é um conflito com o Ocidente. Acho que ele gostaria de evitar isso, mas Putin poderia seguir adiante se achasse que a segurança nacional da Rússia está em risco. As pessoas acham que é fácil ser um ditador, porque eles têm muito poder, mas um dos pontos que eu aponto no meu livro é que eles precisam encarar muitos desafios, e é difícil lidar com tudo isso ao mesmo tempo. Frequentemente, ao contentar a elite política, eles podem deixar o resto da população infeliz, e vice-versa. Então eles precisam estar o tempo todo se equilibrando.