A contradição argentina na presidência do Conselho de Direitos Humanos da ONU
A Argentina vai presidir, pela primeira vez, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em 2022. A escolha se deu por aclamação na última segunda, 6, e a presidência será ocupada pelo diplomata Federico Villegas Beltrán (na foto, com o presidente Alberto Fernández). Para o advogado Brian Schapira, diretor de relações internacionais do Cadal, um...
A Argentina vai presidir, pela primeira vez, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em 2022. A escolha se deu por aclamação na última segunda, 6, e a presidência será ocupada pelo diplomata Federico Villegas Beltrán (na foto, com o presidente Alberto Fernández). Para o advogado Brian Schapira, diretor de relações internacionais do Cadal, um instituto de defesa dos direitos humanos em Buenos Aires, o mandato acabará expondo um paradoxo. "Autoridades argentinas têm sustentado a tese da não ingerência em assuntos internos de outras nações, mas a ideia de que os direitos humanos são universais admite uma pressão externa, que é o oposto disso", diz Schapira. Segue a entrevista, que foi dada por telefone.
O que se pode esperar do Conselho de Direitos Humanos sob a presidência da Argentina?
A presidência do Conselho tem um valor simbólico importante e uma influência real. O que me preocupa é que às vezes essa posição de destaque poderá entrar em contradição com o voto do meu país em temas diversos. Autoridades argentinas têm sustentado a tese da não ingerência em assuntos internos de outras nações, mas a ideia de que os direitos humanos são universais admite uma pressão externa, que é o oposto disso. Esse princípio da não intervenção tem sido frequentemente usado para amparar as posições em relação a países como Venezuela, Nicarágua e Cuba, mas é um conceito defasado.
Como assim?
A ideia de não intromissão não se aplica a graves violações de direitos humanos. Há 40 anos, as ditaduras militares diziam que ninguém poderia se intrometer em seus problemas domésticos. Isso deveria ter acabado. De lá para cá, os conceitos jurídicos evoluíram. O sistema internacional de proteção aos direitos humanos que temos hoje pressupõe uma concessão de soberania por parte dos estados em favor dos direitos das pessoas. Ditaduras não podem mais fazer o que bem quiserem com seus cidadãos. Esse sistema internacional inclui, por exemplo, os especialistas que fazem investigações em países específicos e publicam relatórios sobre direitos humanos.
A vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, e seus eleitores se colocam como os defensores dos direitos humanos. De que maneira o histórico do país pode interferir no Conselho da ONU?
O kirchnerismo se apresenta como o único defensor dos direitos humanos na Argentina. Quando Néstor Kirchner, em 2003, abriu processos contra os militares por crimes contra a humanidade, ele se apropriou da bandeira dos direitos humanos e cooptou muitos movimentos que estavam nessa luta. Mas essa é uma bandeira de todos os argentinos. Mais do que isso, é um tema global. Durante a ditadura militar (1976-1983), o então presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, fez uma pressão diplomática e comercial intensa para acabar com o desaparecimento de pessoas. Naquela época, claramente ocorreu uma ingerência externa por parte dos americanos, o que foi positivo para a população argentina. Paradoxalmente, houve uma cumplicidade da União Soviética e de Cuba com a ditadura argentina nos foros internacionais, porque os soviéticos compravam o trigo da Argentina.
Essa pressão externa ocorre de maneiras diferentes em democracias e ditaduras?
Em nações democráticas, como o Chile e a Colômbia, há mecanismos que podem lidar com as violações de direitos humanos e remediar os abusos. No Chile, após a repressão aos protestos de 2019, ONGs internacionais como a Human Rights Watch e observadores da Comissão Interamericana de Direitos Humanos visitaram o país. A consequência disso foi a convocação de uma nova Constituição. Nas ditaduras, isso não ocorre. Venezuela, Cuba e Nicarágua têm sistemas que se dedicam a violar sistematicamente os direitos dos seus habitantes. Ultimamente, também há uma preocupação com El Salvador. Nesses casos, é preciso acionar o sistema internacional.
Como o governo de Alberto Fernández e Cristina Kirchner tem encarado a violência estatal na Venezuela?
Em 2018, durante o governo de Mauricio Macri, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru apresentaram uma denúncia ao Tribunal Penal Internacional, o TPI, pedindo para que a ditadura de Nicolás Maduro fosse investigada por crimes contra a humanidade. Além disso, a Argentina realizou um relatório em que se coletaram depoimentos de dezenas de exilados venezuelanos, algo bastante inédito. Eu participei da elaboração desse documento. Em março deste ano, o governo de Alberto Fernández solicitou a retirada da Argentina da denúncia. Felizmente, o Tribunal se recusou a fazer isso, e Maduro está sendo formalmente investigado por crimes contra a humanidade. Seria lamentável se a Argentina, que ocupará um lugar de alto valor simbólico na ONU, continuar promovendo esses princípios equivocados da "não intervenção". Muito melhor seria se nossos diplomatas apoiassem a ideia da "não indiferença".
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Comentários (3)
MARCIO
2021-12-14 14:57:25Em outras palavras, a posição da ONU de passar pano para Cuba, Venezuela e etc vai continuar
FRANCISCO AMAURY GONÇALVES FEITOSA
2021-12-14 10:15:12em que mundo esteS jornaCOMUNAZISTAS vivem? Alcolumbre foi presidente di Sebado e preside a CCJ .. LULA o ladrão delator acusado de assassino de companheiros manda no poder judiciário que o imunizou depois de centenas de crimes e já TUTELA numa o país numa guerra suja e tomarão por sentenças criminosas se não tomarmos atitude de proteção legal ao Estado estuprado? e se Moro crescer será preso por essa gente pois alegam fraude em processos isto é crime e vão prendê-lo . o país nada em lixo.
CARLOS HENRIQUE SCHNEIDER
2021-12-14 09:15:27Imagina o Flavio Bolsonaro, ou qualquer uma destas toupeiras do Minto... seria muito pior! Menos mal que a ONU escapou de qualquer indicação bolsonarista.