As tilápias de Itaipu e a cabeça de Bolsonaro
Criação de peixes no lago da represa é uma das ideias fixas do presidente. Não se elabora um projeto de país com essas noções desconjuntadas e bestas
Jair Bolsonaro quer levar as tilápias de Itaipu para o mundo. Começou pela Cúpula das Américas, na sexta-feira 10. Ao final do discurso que o presidente brasileiro proferiu no encontro, as tilápias de Itaipu entraram em cena como exemplo do potencial econômico não só do Brasil, mas das Américas. Esqueça a cenoura, que já subiu mais de 100% em um ano, despontando como símbolo da gestão apatetada de Paulo Guedes, ou a cesta básica, que subiu mais de 60%: a tilápia vai nos salvar. Bolsonaro anunciou que "o nosso Lago de Itaipu brevemente estará apto à piscicultura”, o que permitirá ao “lado brasileiro” ampliar a "oferta de mercado em torno de 40%”.
Certo, o presidente não falou especificamente sobre tilápias. O termo empregado foi genérico: “piscicultura”, criação de peixes em ambientes artificias, alimentados com ração. No entanto, de tuítes, lives e declarações anteriores do presidente, sabemos que no lago artificial criado pela hidrelétrica de Itaipu serão cultivadas principalmente tilápias. Bolsonaro referiu-se ao “lado brasileiro” porque a hidrelétrica é binacional, e o Paraguai deverá ter sua parte no milagre dos peixes. Bolsonaro até se dirigiu ao presidente paraguaio, Mario Benítez, a quem chamou familiarmente de “Marito”.
Nessa passagem do discurso, houve ainda uma menção ligeira mas lisonjeira ao secretário da pesca do Brasil, pai do projeto de engordar tilápias em Itaipu. Bolsonaro talvez tivesse a esperança de que na cúpula realizada em Los Angeles se encontraria algum eleitor extraviado de Santa Catarina, estado pelo qual Jorge Seif Jr. é pré-candidato ao Senado com a benção presidencial. O secretário, aliás, foi o único membro do governo nomeado no discurso. Bolsonaro fez questão de dizer que o governo “respeita os seus militares”, mas nenhum dos generais acantonados no Palácio do Planalto e imediações ganhou a distinção de ser lembrado na Califórnia. Braga Netto e Heleno devem estar chorando um no ombro agaloado do outro.
Da cúpula, só saíram promessas vagas. Bolsonaro diz que ficou “maravilhado" com Joe (ou será Joezito?) Biden, mas é só porque pôde se reunir sem máscara com o presidente americano. Nada de concreto saiu desse livre intercâmbio de perdigotos. A própria piscicultura – tema provincial, que nem caberia naquela instância – soa como promessa vaga. Bolsonaro anda entusiasmado com a ideia de Seif desde 2020, mas diz que ela será implantada “brevemente” – palavra que no mundo político significa “ninguém sabe quando”. Até onde acompanhei, a cobertura jornalística do pronunciamento de Bolsonaro na Cúpula das Américas nada disse sobre tilápias ou outros peixes. Outros assuntos tratados ou maltratados pelo presidente se impuseram: a afirmação questionável, se não absurda, de que seu governo se importa com a Amazônia e o meio ambiente, as profissões de fé reacionárias (governo que acredita em Deus e defende a família etc.), a garantia de que Forças Armadas e Polícia Federal estavam plenamente empenhadas na busca do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Araújo, que segundo as notícias mais recentes no momento em que escrevo teriam sido mortos, esquartejados e assassinados no Vale do Javari.
Se dou atenção à discreta passagem das tilápias de Itaipu pela Cúpula das Américas, é porque já falei do assunto, em 2020, na coluna que mantive no site da falecida revista Época. Naquele texto, eu admitia que o assunto era insignificante frente a outros despautérios e escândalos em que Bolsonaro, seu governo e sua família apareciam envolvidos então: acabavam de sair as notícias de que a Abin dera uma ajudinha aos advogados de Flávio Bolsonaro, o filho 01, no caso das rachadinhas, e de que uma empresa que tem contratos com o Planalto havia produzido de graça uma peça promocional para a empresa de Jair Renan, o 04. Ainda assim, me parecia que o entusiasmo pelas tilápias de Itaipu revelava quase tudo sobre o tipo de presidente que Bolsonaro é.
"Eis, basicamente, o que a sabedoria das tilápias ensina sobre nosso presidente: Jair Bolsonaro pensa pequeno”, afirmei em 2020 (e reafirmo agora). Criação de peixe é lá assunto que deva ocupar tanto da atenção de um chefe de Estado, a ponto de o proponente da ideia se tornar um de seus favoritos? Pois consta que Seif é até chamado carinhosamente de 06…
O pensamento písceo de nosso presidente é um conjunto de ideias miúdas e fixas (do armamentismo à extinção de áreas de preservação ambiental em Angra, futura “Cancún brasileira") –, de obsessões conspiratórias (fraudes em urnas eletrônicas, ONGs e governos estrangeiros que estariam de olho na Amazônia), de revisionismos históricos mentirosos (não houve golpe nem se instaurou uma ditadura em 1964) e de ódios variados e intensos (aos gays, à imprensa, à esquerda em geral, a João Doria e Luís Roberto Barroso em particular). Não se elabora um projeto de país com essas noções desconjuntadas e bestas.
A miudeza intelectual encontra seu equivalente na estreiteza moral. A mentalidade de tilápia criada em cativeiro que agora recorre a uma mal-ajambrada e arriscada redução de ICMS como solução para a alta dos combustíveis é a mesma que no auge da pandemia da Covid-19 produziu tiradas indecentes como “e daí?” e “eu não sou coveiro” – que passa a mão na cabeça dos policiais rodoviários que mataram Genivaldo de Jesus em uma câmara de gás improvisada, que responsabiliza Dom Phillips pela própria morte ao dizer que o jornalista era “mal visto” na Amazônia, que usa arrobas como medida de peso para negros, que expressa admiração por torturadores, que ao tempo em que era deputado disse que uma colega era feia demais para ser estuprada, que já pediu o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso… A lista é inesgotável.
À época em que se anunciou o plano de criar tilápias em Itaipu – e também em outros lagos de hidrelétricas –, cientistas e ambientalistas criticaram o projeto. Entre os riscos, estaria a deterioração da qualidade das águas. Em entrevista ao Estadão, Miguel Petrelli Júnior, professor do Núcleo de Ecologia Aquática e Pesca da Universidade Federal do Pará, observou que peixes engaiolados produzem dejetos em quantidade, e esses dejetos aumentam o material orgânico e propiciam a multiplicação de algas, o que rouba oxigênio dos peixes nativos.
É o mote para uma analogia perfeita: o Brasil colocou uma tilápia monstruosa no Palácio do Planalto, e desde então as águas da vida nacional nunca estiveram tão turvas e sujas.
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Comentários (10)
Marco Antonio Chiappetta De Azevedo
2022-06-22 18:19:59Essa cacetada na cabeça desse capitão de baixa qualidade só não deve ter doído porque ele vive em outro m undo, o das mentiras que não para de falar...só perde para o campeão "9 dedos"...aonde fomos parar....
Nildo Jose Formigheri
2022-06-21 09:12:43Com tantos atributos negativos e incompetência de Bolsonaro não falta mais nada para internação,
José
2022-06-20 19:34:49Jornalista, procure se informar antes de tecer comentários sobre produção. Ve-se que não pesquisou aspectos técnicos de de piscicultura em tanques-rede. Estude antes, fale depois!
VARLICE
2022-06-20 17:06:05Texto irretocável!
ADIR
2022-06-20 15:13:55Pergunto pra esse imbecil do bozo o que ele vai fazer com a super oferta de tilápia? Ah já sei, ele vai chupar a cabeça e dar o rabo!
Elcio Morais de Oliveira
2022-06-20 12:38:56A conclusão de todo o belíssimo texto fala por nós.
Silvia
2022-06-20 11:35:17Fantástico!!! Exprime a realidade, pobre Brasil! #forabozo
Hilton
2022-06-20 11:12:30Não dá para comentar bobagem !!!
Stella Regina de mesquita cruz
2022-06-20 11:11:48Só nos envergonha!
Hernani Aquini Fernandes Chaves
2022-06-20 11:04:25No meu curso de Agronomia (formado em 1958) já se falava que a criação de tilapia, ótima produção de proteína animal, devia ser restrita a açudes, nunca em rios ou lagos, pois eventuais escapes desse peixes carnívoros, com alta reprodutividade, seria altamente prejudicial às espécies nativas. Me atrevo a pensar que tilápias em Itaipu seria por em rico a fauna não só do lago como do próprio Rio Paraná. Quem viver verá. Só para lembrar, uma vez cometido o erro, não há como remediar!