O concurso de censores e o fim da arte
Enquanto a direita tenta censurar o funk, a esquerda quer censurar o humor. Ao público, cabe escolher a censura favorita para desopilar

O Brasil polarizado de 2025 vive um verdadeiro concurso de censores.
De um lado, tem a direita tentando censurar o funk. De outro, a esquerda, querendo censurar o humor. Ao público cabe escolher sua censura favorita para desopilar seu fígado com ódio aos artistas. Quem ganha com isso? Políticos populistas digitais. Quem perde? Os artistas e a sociedade que, com medo de uma piada ruim, abrem mão da liberdade de todos.
Para os políticos populistas digitais, defender a censura da arte é uma forma fácil de engajar sem precisar resolver as questões sociais reais. Em um ambiente de guerra cultural, ser censor de artistas virou capital eleitoral.
Tal como nas estratégias de marketing digital, cada lado ataca na dor de seu público. A direita foca na violência física, a esquerda na violência psicológica. Para a esquerda, a ofensa é o principal problema da humanidade. Um ativista de esquerda atual, contaminado pela pauta identitária, perdoa um assassino, mas não perdoa um humorista. Eles literalmente defendem que um humorista que fez uma piada ruim tem que ficar mais tempo na cadeia que um assassino. Para eles, a ofensa é um crime pior que assassinato. E, por incrível que pareça, esse delírio está virando realidade, pois conta com forte apoio do Judiciário. O resultado: os artistas brasileiros de hoje fazem autocensura e a arte se afastou do público.
Leia também: Fiscal de piada não tem graça
Censurar músicas
Já a direita capta a dor de quem está cansada de crimes sem punição, uma pauta justíssima. Mas, ao invés de cobrar do Judiciário melhores penas, gasta o tempo para censurar músicas.
Uma estratégia geral une a direita e a esquerda: é mais fácil censurar a arte do que resolver os problemas. E o mundo da linguagem: basta não tocar no assunto que ele não existirá. É o pensamento mágico: basta não ter a música que o crime desaparecerá.
O que une esquerda e direita é o ataque à liberdade na arte. Na guerra cultural, o que importa é destruir o “inimigo”. Então, cada lado pega o pior do outro para “lacrar”. Lacrar, como o nome diz, é uma arma para fechar a porta, cancelar, enterrar vivo. Leo Lins (foto) tem uma longa carreira de humor e piadas ótimas. Mas eles pegam as piadas mais ofensivas e as promovem até a exaustão para deixar o povo a favor da censura.. O mesmo com o funk. Pegam a música mais chocante e usam como desculpa para censurar toda uma cultura.
E o cidadão comum, que quer apenas defender bons princípios, se torna um ativista da censura. E ele, ao atacar o que não gosta, promove o pior da arte.
Piores piadas e piores músicas
Esse debate público tem dado visibilidade às piores piadas e as piores músicas. Ao invés de falar da boa arte, todos focam no que é ruim. A arte deixou de ser algo bom, algo nobre, que eleva a alma. E tornou-se a grande vilã da sociedade atual. A guerra cultural serve para esconder a violência real. E o que ela mais destrói é a arte verdadeira. E sem arte a guerra real só aumenta.
O que ninguém defende é a liberdade de expressão. Nos esquecemos do básico das sociedades democráticas: “Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte vosso direito de dizê-la”.Ou seja, esquecemos que defender a liberdade de expressão édefender o direito de existir, o que te incomoda, o que você acha um absurdo.
Defender a liberdade de expressão para os valores que você concorda não é defender a liberdade. Temos que entender que, em um ambiente democrático, existem vozes que nos incomodam profundamente. Você pode simplesmente não assistir. Ou pode criticar e zombar do que você não gosta. Mas não censurar. E a censura, é claro, inclui multas abusivas e ameaça de prisão.
Pânico moral
Nesse ambiente de pânico moral só resta aos artistas se unirem. Esquecer o lado político e o debate ideológico e lembrar que a arte esta acima disso. Temos que promover a união de artistas (de humor, funk, cinema, dança, ópera, etc..) na luta pela liberdade de expressão nas artes. Para o artista, a liberdade é a base de sua criação, é ela que permite, por exemplo, colocar falas chocantes nos vilões de novela e com isso catalisar debates na sociedade.
A arte serve para catalisar debates sociais e encaminhar os conflitos sociais, permitindo o diálogo entre diferentes. Não é à toa que o teatro surgiu na Grécia, junto com a democracia. É no teatro que a esfera pública conversa. E o artista que, por estar na fronteira da loucura, nos limites de sua própria identidade, que ouve o outro lado e dá voz ao que ninguém quer ver. Por isso, o artista tem que ter mais liberdade, pois é ele quem revela ao mundo nossos piores pensamentos, nossos piores sonhos e os pacíficos.
Só a arte salva, pois só ela encaminha os medos e rancores. E a arte ou é livre, ou não é arte. É só propaganda. A arte aceita no Brasil de hoje é apenas a propaganda ideológica da pauta oficial. Temos que libertar o artista para que todos voltem a conversar e coloquemos fim na guerra cultural.
Newton Cannito é cineasta e fundador da Artistas Livres!
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (1)
Clayton De Souza pontes
2025-06-17 15:10:53Ótimo ponto! As censuras em curso são a vanguarda do atraso e só estão prosperando pelo desequilíbrio causado pelo aparelhado STF