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Milagre no aeroporto do Japão

04.01.24 12:27

Neste artigo, por solicitação de meus publishers, vou falar sobre a colisão do Airbus A350-941 (uma das aeronaves mais modernas do mundo; foto) da Japan Airlines, JAL, com um De Havilland Canada DHC-8 da Guarda Costeira japonesa, ocorrida na terça-feira, 2 de janeiro.

Ao contrário do que poderia se supor, o desastre não aconteceu no ar mas sim na pista C, que corre paralela e junto à orla da baía de Tóquio e se destina a voos domésticos.

Se o caro amigo leitor estranha eu ter sido requisitado a escrever sobre este assunto, gostaria de afirmar que, além de ser piloto, já publiquei quatro livros sobre acidentes aéreos: Caixa-preta; Plano de ataque; Perda Total e Voo cego.

Eu levo aproximadamente três anos (entre pesquisas e elaboração do texto final) para escrever um livro sobre tragédias aéreas.

No momento, por exemplo, estou trabalhando há mais de um ano na narrativa do acidente com o avião da Chapecoense, livro que pretendo lançar em 28 de novembro de 2026, quando o desastre completará dez anos.

Já sei quase tudo sobre o voo, mas falta agora entrevistar os sobreviventes para saber o que aconteceu no interior da cabine de passageiros, entre Santa Cruz de La Sierra (Bolívia) e uma montanha ao sul de Medellín (Cerro El Gordo) contra a qual o avião se chocou.

Para isso, viajarei este ano para Chapecó, Santa Cruz de La Sierra, Bogotá e Medellín.

Portanto, para escrever sobre uma tragédia que ocorreu há poucos dias, terei de especular um pouco sobre o que poderia ter acontecido. Mas isso não me impede de afirmar desde já, com profunda convicção, que houve falha humana. E não foi do piloto da Japan Airlines.

A cidade de Tóquio possui dois grandes aeroportos: Haneda, o mais antigo (foi inaugurado em 1931), e Narita, a 80 quilômetros de distância, que entrou em operação em 1978.

As torres de controle dos aeroportos só passam a cuidar dos aviões que chegam quando eles já estão próximos da reta final, para que não haja confusão entre as aeronaves que saem e chegam de aeroportos diferentes, como é o caso de Haneda e Narita.

Para quem possa pensar que as torres dos aeroportos se ocupam apenas dos aviões que estão no ar, é bom lembrar o alvoroço que reina em um aeródromo de grande movimento.

Enquanto uma aeronave corre na pista a mais de 200 km/h, outra taxia a 30 km/h ali perto e uma terceira, empurrada por um trator, se afasta, de marcha a ré, do finger a 5 km/h.

Ao mesmo tempo, veículos os mais diversos se deslocam pelo aeroporto: ônibus trazendo e levando passageiros para aeronaves estacionadas em aéreas remotas, caminhões-tanque, pequenos tratores rebocando carrinhos de bagagem, caminhões que levam e trazem os itens dos serviços de bordo, só para lembrar alguns.

Tudo isso é observado pela torre, que tem sob sua responsabilidade vigiar bandos de pássaros que sobrevoam a área com sério risco de colisão com as aeronaves, incidente que, por sinal, vive acontecendo.

Antes de entrar em contato com a torre de Haneda, o A350 da JAL tinha seu voo monitorado pelo Centro de Controle da Área de Tóquio, que administra o espaço aéreo da região, que inclui aeroportos militares e pequenos aeródromos para aviões menores.

Tudo isso tem de funcionar como um relógio e geralmente funciona, inclusive nas ocasiões em que a região é assolada por temporais e nevoeiros.

Autorizado pela torre do aeroporto, o Airbus da Japan Airlines entrou na reta final de pouso e fez o touchdown (toque das rodas no solo) na pista C. Tão logo fez isso, se deparou com o DHC-8 da Guarda Costeira que, em vez de ir até o final da pista de acesso (paralela à de pouso e decolagem), dirigiu-se, sem autorização da torre (repito: sem autorização da torre), à pista principal, por uma interseção intermediária, e chocou-se contra a cauda do Airbus da JAL.

Para sorte colossal dos passageiros e tripulantes do jato comercial, o avião seguiu em frente, mantendo-se no eixo da pista.

Movido pela inércia, o jato da Japan Airlines foi parar um quilômetro adiante. Só então a parte traseira, que sofrera o impacto do avião menor, começou a lançar fogo e fumaça para a frente.

Com um senso de profissionalismo fora do comum, a tripulação do A350 conseguiu, em 90 segundos, e usando apenas as portas dianteiras, evacuar todos os passageiros e tripulantes, num total de 379 pessoas, sem nenhuma fatalidade.

Enquanto isso, dos seis ocupantes do avião da Guarda Costeira, cinco morreram, salvando-se apenas o comandante, que foi internado em estado gravíssimo.

Evidentemente que o senso de disciplina, típico dos japoneses, contribuiu para o êxito do salvamento.

Todos, inclusive as crianças, obedeceram às instruções dos tripulantes.

 

 

Ivan Sant’Anna

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  1. As vzs a guarda costeira, achou que a prioridade era deles e acabou ocorrendo essa fatalidade. Mesmo assim, um final de excelência para o outro avião

  2. Tempos difíceis forjam aquele povo tão organizado e disciplinado. Conseguem ser assim, mesmo com tantas catástrofes em seu país. Quisera tivéssemos 10% da vontade, do amor próprio, do senso de união e da responsabilidade daquele povo. Mesmo assim, continuo amando meu Brasil desorganizado e corrompido.

  3. Até agora ainda não sabemos por que esse pequeno avião da Guarda Costeira entrou na área que já estava marcada e definida para a chegada do Japan Airlines. Se teve experiência por um lado, de outro parece ter havido muita primariedade.

  4. A disciplina japonesa e a qualidade do A350 fizeram diferença. A propósito, o pouso em questão estava sendo executado na pista 34 direita, onde a colisão ocorreu. E não na pista C, que é um tipo de designação de pistas de taxi (taxiways). Consta que o Dash 8 teria de estar aguardando na taxiway C1 (ou talvez na C5).

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