Lula e Ciro tropeçam em gafes, Bolsonaro vive delas
Falas que sugerem preconceito interferem na construção da imagem com que políticos da velha guarda se mostram ao eleitor, mas Bolsonaro fez carreira amparado na grosseria
Querem tirar a picanha do Lula. Dentro do próprio PT – li isso já não lembro onde –, haveria gente descontente com a mania que o candidato tem de falar no pobre que voltará a comer picanha quando o PT retornar ao governo. Os veganos estariam se sentido excluídos por essa linguagem carnívora. Como todo voto conta para derrotar o fascismo e restaurar a democracia, Lula fez uma concessão à esquerda vegetariana (a expressão já teve outro sentido…): de vez em quando, ele lembra de falar também em salada. Mas a picanha ainda é o prato principal.
A incorreção alimentar não é o único pecado de Lula aos olhos delicados da nova esquerda que emergiu nas últimas décadas. O petista tampouco absorveu bem a obsessão que essa turma tem com a tal da representatividade. No debate da Band, Lula não se comprometeu a garantir uma cota de 50% para mulheres em seu ministério.
As fixações linguísticas da esquerda identitária ganharam seu breve momento no palco no evento que lançou a chapa Lula e Alckmin, em maio. Uma apresentadora tomou o microfone para fazer um esclarecimento e em seguida se corrigiu: faria um “escurecimento”. Acabou ali. O expansivo index prohibitorum da seita woke não se incorporou à campanha porque o eleitor patriarcal cis-heteronormativo ainda se preocupa mais com o preço da carne do que com o racismo do verbo “denegrir”.
A etiqueta da nova esquerda acadêmica já causou barulho até no BBB (nos meus pesadelos, o dedo acusador de Lumena ainda aponta para meus privilégios de homem branco sulista e carnívoro), mas ainda não conseguiu constranger o debate político. Nossos candidatos, afinal, não precisam trilhar o campo minado dos “gatilhos" e das "microagressões": eles se detonam com declarações que seriam gafes políticas até segundo os critérios dessa era de trevas que foi o século XX. Eis aí Ciro Gomes, que para lisonjear uma plateia de empresários para a qual estava apresentando seu programa, resolveu dizer que seu público era constituído de “gente preparada” e que tratar dos mesmos temas em uma favela seria “um serviço pesado”. É por isso que, na Crusoé da semana passada, Ruy Goiaba conferiu a Ciro o Troféu Justo Veríssimo.
Ao longo deste ano de campanha, porém, Lula vem sendo o campeão da gafe. Declarou-se a favor do aborto em um evento do PT para depois desmentir o que dissera, afirmou que Bolsonaro “não gosta de gente, gosta de policial”, atrapalhou-se todo ao falar de violência doméstica ("Quer bater em mulher? Vá bater noutro lugar, mas não dentro da sua casa ou no Brasil”), disse no Jornal Nacional que parte do agronegócio é “fascista" (o que contou como um ataque à categoria toda). Ao longo de sua carreira política, Lula ganhou a fama de grande comunicador (não de grande orador: são coisas diferentes). O dom parece ter se perdido. Ou talvez esteja se desfazendo sua mística de líder quase demiúrgico, homem-ideia, metonímia viva do povo brasileiros cujos anseios por picanha e por viagens de avião só ele compreende.
O adversário maior de Lula é um político à prova de gafes. Esta tem se revelado a mágica eleitoral dos populistas de direita: eles se alimentam da ofensa. Nunca são flagrados naqueles atos de contrição tantas vezes praticados por políticos tradicionais, ou entre aqueles que cortejam a esquerda woke (pense em Justin Trudeau se desculpando por ter praticado o black face no passado). Em sua longa e desastrosa carreira política, Bolsonaro lamentou que a ditadura não tenha matado mais gente, pediu o fuzilamento de um presidente da República, disse que uma deputada era muito feia para ser estuprada, exaltou repetidas vezes um notório torturador, compartilhou um vídeo de golden shower no Carnaval, desdenhou da morte de centenas de milhares de vítimas da Covid-19, fez piadas cafajestes com jornalistas e até com uma menina de dez anos durante uma live, troçou de um chefe de Estado europeu porque ele é casado com uma mulher mais velha. E esta lista de ultrajes é, claro, parcial.
Quando era presidente, Fernando Henrique Cardoso teve a má ideia de dizer que tinha "um pé na cozinha”, e as implicações racistas da expressão foram prontamente acusadas. Ciro Gomes certa vez disse que o trabalho mais importante de sua mulher era dormir com ele, e Bolsonaro – logo quem! – usou essa declaração machista contra o candidato do PDT. Para esses políticos, declarações infelizes e falas que sugerem preconceito representam obstáculos na construção da imagem com que desejam se apresentar ao eleitor. A idolatria personalista que envolve Lula costumava blindá-lo desses inconvenientes, mas até ele tem se enrolado em afirmações impensadas.
Bolsonaro, ao contrário, fez sua carreira amparado na grosseria. Sem o discurso violento e tosco, ele jamais teria se erguido do chão medíocre do Congresso para subir a rampa do Planalto.
A alta rejeição do candidato incumbente – 49%, segundo o Ipec – parece indicar que a retórica da canelada e do dedo no olho afinal cobrou seu preço. Mas só em outubro saberemos se é isso mesmo.
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Comentários (10)
CARLOS ALBERTO NASCIMENTO
2022-09-15 13:53:49Como escolher o Presidente? Pobre eleitor!
LUIZ CARLOS GOUVEA
2022-09-12 19:33:44Só leio. Só escuto.
KEDMA
2022-09-12 16:27:30Resumindo: com um ou com outro, estamos mal na fita dos discursos.
Regina Bueno
2022-09-12 11:35:50O país à beira do precipício e vcs divulgando a cor do ar! Só comentam as pesquisas dos 2 manés e não analisam os pgms (ou falta deles) dos candidatos. Lastimável!
Pedro
2022-09-12 11:26:10Todos os políticos no País do Faz de Contas, isto mesmo todos os políticos, são farinha do mesmo saco. Vendem a mãe para se manterem no poder, Geraldo Alkimin é o exemplar perfeito do quão baixo é o político nacional.
Sillvia2
2022-09-12 11:02:31SIM❤️NE TEBET 15
MARCOS
2022-09-11 19:13:59Entre a b…. e a m…., voto Sim💌ne ou nulo.
Alessandro
2022-09-11 17:23:47Uma lástima os farrapos não terem se libertado no séc. XIX, o número de toscos(as) e de desequilibrados(as) falando e escrevendo groselhas por aí diminuiria consideravelmente; agora nós resta tolerar aquele povo orgulhoso e pedante, ô mizérahhh… e pensar que já houve quem incluísse o Paraná em uma suposta república sulista (“O Sul É o Meu País” seria o nome do novo país, argh) junto a SC e (esconjuro) o RS 😖 É mesmo de cair o “c* precioso” da bunda‼️
PAULO JOSE DE SOUZA MEIRELES
2022-09-11 15:31:28Tenho o maior respeito ao Ciro. Mas uma coisa tem q ser resolvida. A CANDIDATURA DO LULA É TÃO LEGÍTIMA, QTO AS DEMAIS. O fato do Bolsonaro ter chegado a PR, e hj assistirmos a lástima q é o seu governo, se deve a isso: achar q o Lula deveria ter sido "extirpado" da vida pública. E o Bolsonaro, ñ deveria ter sofrido o impeachment? O TSE ñ tem motivos de sobra p/ impugnar sua candidatura? Precisamos de novas lideranças, sem alimentar a aversão às velhas lideranças. Vencer, não destruir. SIM❤NE 15
Juliana
2022-09-11 14:16:59Mesmo q a retórica da canelada cobre seu preço, o pagamento ainda não será o justo ...