Guedes regulamenta lei que acabou com voto de qualidade no Carf e beneficiou empresas
O ministro da Economia, Paulo Guedes, assinou uma portaria que detalha as novas regras para a proclamação de resultados de julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. A regulamentação acontece quase três meses após a sanção da lei que acabou com o voto de qualidade no colegiado e estabeleceu que, em caso de empate, o...
O ministro da Economia, Paulo Guedes, assinou uma portaria que detalha as novas regras para a proclamação de resultados de julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. A regulamentação acontece quase três meses após a sanção da lei que acabou com o voto de qualidade no colegiado e estabeleceu que, em caso de empate, o benefício é sempre do contribuinte, em detrimento da União.
A lei é alvo de questionamentos no Supremo Tribunal Federal – partidos, entidades que representam auditores da Receita Federal e a Procuradoria-Geral da República entraram com ações diretas de inconstitucionalidade. Esta semana, o ministro Marco Aurélio Mello negou o pedido de liminar para suspender o trecho da lei que favorece empresários e gera perda de arrecadação aos cofres públicos.
O Carf é um tribunal administrativo vinculado ao Ministério da Economia, composto de forma paritária por representantes da Fazenda Nacional, que são servidores concursados, e dos contribuintes, normalmente indicados por entidades do setor produtivo. O colegiado julga em segunda instância administrativa litígios tributários, ou seja, questionamentos relacionados à cobrança de impostos e multas. Hoje, o Carf tem um estoque de cerca de 116 mil processos, que correspondem a 628 bilhões em crédito tributário.
Em abril deste ano, apesar das críticas, o presidente Jair Bolsonaro sancionou sem vetos a chamada Medida Provisória do Contribuinte Legal, que regulamentou a renegociação de dívidas de pessoas físicas e jurídicas com a União. Uma emenda “jabuti”, inserida no texto durante a tramitação no Congresso, mudou a forma de julgamento de processos no Carf. Até então, quando havia empate, o presidente da câmara, que é representante da Receita Federal no conselho, desempatava. Com a nova regra, quando há empate, o benefício é para os contribuintes, normalmente grandes empresas que questionam o pagamento de tributos. Com isso, a União deixa de arrecadar e os empresários reduzem o valor a ser desembolsado.
Na regulamentação elaborada pelo Ministério da Economia, a portaria de Paulo Guedes esclarece pontos que ficaram obscuros após a aprovação da lei. O texto define que a proclamação de resultado do julgamento favorável ao contribuinte aplica-se apenas a julgamentos ocorridos nas sessões realizadas a partir de 14 de abril de 2020.
Desde que a lei foi sancionada, surgiram especulações de que empresas que perderam recursos no Carf nos últimos cinco anos por conta do voto de qualidade poderiam tentar reverter essas decisões, o que implicaria em perdas bilionárias para os cofres públicos. O marco temporal fixado por Guedes, entretanto, não desanimou empresas que pretendem recuperar os valores desembolsados.
A portaria assinada pelo ministro da Economia estabelece ainda que o benefício automático ao contribuinte em caso de empate não se aplica ao julgamento de matérias de natureza processual, nem à conversão de julgamento em diligência. Também não valerá na análise de embargos de declaração.
Para o auditor fiscal Vilson Romero, assessor de Estudos Socioeconômicos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais e da Receita Federal, a regulamentação “convalida dispositivos definidos em uma emenda jabuti”. “Em uma análise preliminar, a portaria extrapola o que foi previsto na Lei 13.988/2020”, diz. A entidade recorreu ao Supremo para tentar derrubar a lei e retomar o voto de qualidade no Carf.
“É papel do Ministério da Economia regulamentar a lei. Lamentável foi o presidente da República não vetá-la, apesar de todas as recomendações”, acrescenta Vilson. “Quando analisamos a composição do Carf, de um lado estão técnicos tributaristas, auditores, de outro lado, estão representantes políticos indicados por entidades representativas de trabalhadores e empresários. Agora, com voto em prol dos contribuintes, há brechas para encaminhamentos políticos”.
Com a decisão do ministro Marco Aurélio Mello de rejeitar a liminar que pedia a suspensão da lei, o plenário do Supremo Tribunal Federal vai analisar as ações que questionam o fim do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Não há data para o julgamento das adins.
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