Gestão privada de cidades avança, mas não no Brasil
Modelos consolidados nos EUA e na Ásia mostram como empresas estruturam infraestrutura urbana, criam empregos e impulsionam economias locais

A criação de Starbase (foto), no Texas, após votação favorável dos moradores da região de Boca Chica e iniciativa da SpaceX, traz de volta ao debate o papel direto de empresas na estruturação e gestão de territórios urbanos.
O modelo, já aplicado em diferentes países, tem como característica principal a delegação de responsabilidades típicas do poder público à iniciativa privada, com foco em eficiência operacional e desenvolvimento acelerado.
Nos Estados Unidos, distritos de propósito específico como o Reedy Creek Improvement District, da Disney, foram criados para permitir que empresas assumissem integralmente a infraestrutura e os serviços públicos de áreas onde o poder público não alcançava.
Disney
No caso da Disney, a atuação resultou na transformação de uma região pantanosa em um dos maiores polos turísticos do mundo. O complexo em Orlando gerou milhares de empregos diretos e indiretos, atraiu investimentos privados e tornou-se um motor da economia da Flórida Central.
Por décadas, a Disney construiu e manteve rodovias, redes de esgoto, energia e controle ambiental, gerenciando um território com padrões próprios de urbanismo e serviços, sem ônus para os contribuintes locais.
A reestruturação do distrito em 2023, após disputa política, não impediu a continuidade das operações, e a empresa confirmou investimentos de até 17 bilhões de dólares na região.
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Ásia
O impacto da gestão corporativa sobre territórios também é evidente na Ásia.
A cidade de Shenzhen, na China, recebeu status de zona econômica especial em 1980 e passou de vila pesqueira para metrópole industrial com mais de 17 milhões de habitantes.
A autonomia regulatória e a abertura à iniciativa privada permitiram crescimento urbano acelerado, inovação tecnológica e aumento significativo da renda per capita.
Índia
Na Índia, Lavasa foi idealizada como uma cidade privada com todos os serviços — como água, eletricidade, escolas e hospitais — operados por contratados.
Em Zhengzhou, o complexo industrial da Foxconn, conhecido como “iPhone City”, emprega centenas de milhares de pessoas e impulsionou a urbanização de toda a região, com moradias, comércio e infraestrutura ao redor do parque fabril.
Nos Estados Unidos, a cidade de Sandy Springs, na Geórgia, adotou um modelo em que a maior parte dos serviços públicos é terceirizada.
A administração manteve apenas polícia e bombeiros sob controle estatal. O município reduziu custos, ampliou serviços e passou a operar com excedente financeiro, com atendimento ao cidadão funcionando 24 horas por dia.
Microsoft
O campus da Microsoft, em Redmond, funciona com características urbanas. São 83 edifícios, 50 mil funcionários, lojas, restaurantes, transporte interno e fornecimento próprio de energia.
O impacto da estrutura modificou o perfil urbano da cidade, que passou a abrigar moradias, comércio e infraestrutura associada ao complexo. Situação semelhante ocorre com o Apple Park, em Cupertino.
No Brasil, a Constituição impede que empresas assumam funções de governo.
Municípios devem ser criados por lei estadual, com consulta popular e autonomia garantida por eleição de representantes. A legislação não admite distritos com poderes próprios sob comando privado. Toda delegação de serviço público se dá por concessão ou Parceria Público-Privada, com controle estatal.
Ainda assim, há cidades cujo funcionamento depende da atividade de uma única empresa.
Cataguases
Em Cataguases (MG), a Companhia Cataguazes-Leopoldina eletrificou a cidade e fomentou o desenvolvimento industrial. Telêmaco Borba (PR) se desenvolveu com a instalação da Klabin. Parauapebas e Itabira (MG) concentram a arrecadação em royalties da mineração operada pela Vale.
Em todas essas localidades, os serviços públicos são de responsabilidade das prefeituras. As empresas exercem influência econômica e social, mas não participam da formulação de políticas públicas nem da administração direta dos municípios.
Os modelos internacionais mostram que, com regras claras e supervisão adequada, empresas privadas têm atuado na criação e gestão de cidades que antes não existiam no mapa urbano.
As estruturas jurídicas brasileiras, no entanto, mantêm a governança municipal restrita ao poder público, com pouca margem para experiências semelhantes.
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