Fissuras na Igreja e incertezas em torno do Conclave
Roma se prepara para o início do Conclave, evento que determinará a escolha do novo papa a partir de quarta-feira, 7

Embora o termo "eleição" remeta a um processo democrático, a realidade é bem diferente quando os 133 cardeais habilitados se reúnem na Capela Sistina. A dinâmica da escolha papal dista bastante do conceito de democracia em seu sentido mais amplo.
O colégio eleitoral é formado por cardeais selecionados a critério do falecido papa Francisco e de seus antecessores. O processo ocorre sob rigoroso sigilo, entre um grupo de homens cuja média etária ultrapassa a habitual idade de aposentadoria.
Segundo a interpretação oficial, não são os cardeais que escolhem o novo Papa, mas sim o Espírito Santo, cuja vontade seria revelada no decorrer do Conclave.
Essa ideia levou o respeitado historiador da Igreja Alberto Melloni a questionar ironicamente em uma coluna de jornal sobre a necessidade do Conclave, se tudo já estaria decidido pelo Espírito Santo.
Ele sugere que reunir 133 "homens celibatários para um duelo sem touro, todos vestidos de vermelho", poderia ser apenas uma cortesia aos meios de comunicação.
A visão de Melloni pode ser considerada uma hipérbole deliberada. Embora no Vaticano essa perspectiva possa não ser bem recebida, a realidade do processo eleitoral é muito mais complexa e frequentemente surpreendente, não se tratando de um jogo previamente combinado.
Pio XII, João XXIII e Paulo VI foram candidatos considerados favoritos antes da eleição. Em contraste, a escolha de Jorge Mario Bergoglio como Papa Francisco em 2013 foi uma surpresa, dado que um colégio majoritariamente conservador optou por um Papa reformista.
O período pré-conclave
Antes do Conclave propriamente dito, formam-se alianças entre os cardeais. O período pré-conclave é marcado por reuniões diárias dos cardeais presentes em Roma desde a morte do Papa. Essas assembleias incluem aqueles que têm mais de oitenta anos e não têm direito ao voto.
Durante essas congregações gerais, os cardeais, frequentemente vindos de locais distantes, aproveitam para se conhecer melhor e estabelecer redes que podem influenciar o resultado da votação.
A atmosfera nos arredores do Vaticano se assemelha àquela vivenciada nas eleições federais. O ambiente está repleto de encontros formais e informais, onde rumores circulam rapidamente.
Assim como políticos são avistados nos restaurantes durante a campanha, cardeais são vistos jantando nas Osterias próximas à Praça de São Pedro. Estratégias estão sendo elaboradas neste momento.
A dinâmica da votação
A dinâmica da votação foi descrita por Francisco em suas reflexões sobre o conclave que resultou na escolha de Joseph Ratzinger como Papa Bento XVI.
Ele revelou que foi usado como "candidato contador" pelos opositores progressistas de Ratzinger em duas votações, recebendo quase um terço dos votos com o objetivo de impedir a eleição do futuro Papa.
Caso Ratzinger não tivesse obtido os dois terços necessários naquele dia, outra candidatura teria sido explorada.
"Eles precisavam de mim, mas já tinham outro cardeal em mente", explicou Francisco sobre sua retirada estratégica que abriu caminho para Ratzinger.
Tecer novamente o manto rasgado da Igreja
A diversidade dentro do atual Conclave é maior do que em edições anteriores, refletindo as complexas discussões políticas atuais dentro da Igreja Católica.
Observadores da situação afirmam que não se pode simplesmente dividir as opiniões entre conservadores e reformistas.
A realidade é muito mais multifacetada. Dentro do Conclave poderão ser percebidas várias fissuras: existem representantes do Sul que defendem migrantes e pobres mas são avessos à bênção de uniões homossexuais; enquanto alguns cardeais conservadores reconhecem os avanços da Igreja em direções mais participativas observados durante a última sinodal mundial.
Talvez se trate do Conclave mais dramático das últimas décadas. A Igreja atravessa um momento crítico interno e existem forças significativas tentando reverter as mudanças introduzidas durante o papado de Francisco.
Essa percepção encontra eco nas palavras do próprio falecido Papa, que em uma meditação pascal mencionou as numerosas linhas de conflito dentro da Igreja e a urgência de "tecer novamente" esse "manto rasgado".
Não surpreende assim que diversas vozes em Roma clamem pela unidade da Igreja neste momento histórico.
Alguns defendem a necessidade urgente de um "rammendatore", ou seja, alguém capaz de unir as partes fragmentadas da Igreja. Nesse contexto das especulações pré-eleitorais, diversos cardeais moderados surgem como potenciais favoritos.
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