Eleições no México: a ascensão meteórica e o futuro incerto do partido de AMLO
Morena não existia há 13 anos. Hoje, a sigla deve se reeleger na Presidência por mais seis anos e manter a maioria no Congresso
Os militantes do Morena, partido do presidente do México, Andrés Manuel López Obrador (foto), o AMLO, não são tão fervorosos quanto os petistas e bolsonaristas no Brasil. Nem quanto os peronistas e os libertários na Argentina.
Prova disso são os atos de campanha da candidata à sucessão de AMLO, Claudia Sheinbaum (foto), recém licenciada chefe do governo da Cidade do México.
Alguns militantes até trazem alto-falantes, tambores e caixas de som para fazer barulho. Tudo em vão.
O único ruído com o qual conseguem chamar a atenção vem das marteladas das catracas giratórias de madeira, uma espécie de chocalho. Não é preciso muito esforço para incomodar os ouvidos de outrem com tal brinquedo.
Apesar da organização, com distribuição de bandeiras e camisas, nem todos os militantes animam a espera para o discurso de Sheinbaum. Um deles chega até mesmo a sacar um livro de filosofia francesa para passar o tempo.
Crusoé viu essas cenas em dois atos de campanha de Sheinbaum na Cidade do México, em 16 e 22 de maio, a dias da votação. Os mexicanos vão às urnas em 2 de junho.
A calmaria da militância do Morena é compreensível. Primeiro de tudo, o partido conta com uma larga vantagem nas eleições presidenciais de 2 de junho.
A maioria das pesquisas eleitorais apontam uma vantagem de 20 pontos percentuais de Sheinbaum sobre a segunda colocada, a senadora Xóchitl Gálvez. No México, a eleição é decidida em turno único.
A vantagem é tanta que, ao longo da campanha, a situação tem declarado que mira a maioria absoluta no Congresso. Hoje, o governo controla ambas as Casas, mas precisa do apoio da oposição para reformas constitucionais.
A campanha de Gálvez nem desperdiça cartazes de campanha nas ruas na Cidade do México. Fora do metrô, quase não há banners da presidenciável da oposição.
A coalizão opositora preferiu investir na publicidade para seu candidato a chefe de governo da capital, equivalente a governador do DF. A disputa é mais apertada que a presidencial. A oposição está 10 pontos atrás nas pesquisas.
De fato, o lopezobradorismo é forte na capital mexicana, que representa 8 milhões de eleitores, cerca de um quarto dos votos para garantir uma vitória na eleição presidencial.
Uma candidata a deputada distrital da oposição chegou até mesmo a levantar cartazes em grená, cor tradicional do Morena, como se quisesse confundir os eleitores.
É comum ver pessoas vestidas com roupas nesse tom bem específico, entre o vermelho e o roxo. O que entrega a militância são os bonés e coletinhos patagônia.
Morena e grená não significavam quase nada até pouco tempo atrás. O partido nem existia antes do início da década passada.
O que explica a ascensão do Morena?
AMLO era um cacique da política mexicana muitos anos antes de fundar o Morena, em 2011, e regularizá-lo como partido, em 2014.
O atual mandatário foi chefe de governo da Cidade do México entre 2000 e 2005, assim como candidato presidencial em duas ocasiões, 2006 e 2012.
“O nascimento do Morena se dá nos embates entre López Obrador, como chefe de governo da Cidade do México, e o então presidente Vicente Fox entre 2004 e 2006”, diz o historiador mexicano Héctor Alejandro Quintanar. Ele integra a ala intelectual do partido e esteve presente em sua fundação.
AMLO usou essa rivalidade para se posicionar como uma figura anti-establishment.
Embora Fox e seu partido, o PAN, nunca tivessem chegado à Presidência antes, o seu governo seguiu com a agenda de liberação do mercado das duas décadas anteriores.
A economia passou por duas crises entre os anos 1980 e 2000, viabilizando o discurso de López Obrador, que reivindica, até hoje, a política econômica nacionalista do ex-presidente Lázaro Cárdenas, contemporâneo de Getúlio Vargas.
Nesse ponto, o atual mandatário mexicano não difere tanto de Lula.
AMLO, entretanto, deu uma abordagem diferente à sua crítica ao establishment. Ele não culpa tanto o capitalismo nem a elite econômica pelos problemas da sociedade. O inimigo principal é a corrupção.
O tema é sensível no México, um país que chegou a ser governado por 70 anos, ao longo do século 20, por um único partido, o PRI, na base de fraudes eleitorais, cooptação de sindicatos e movimentos sociais, e repressão militar de opositores.
Na campanha presidencial de 2018, vencida por AMLO, o então presidente Enrique Peña Nieto, do PRI, vinha de protagonizar um escândalo envolvendo a compra de uma mansão de 7 milhões de dólares.
Peña Nieto adquiriu o imóvel de uma das empreiteiras mais beneficiadas por contratos com o governo mexicano.
Quintanar também atribui a ascensão do Morena ao “trabalho territorial que os outros partidos não fizeram”.
López Obrador visitou todos os mais de dois mil municípios do México na virada das décadas de 2000 e 2010. Hoje, o Morena controla 21 dos 32 governos estaduais.
O Morena é de esquerda?
Para a campanha vitoriosa nas eleições de 2018, o Morena formou uma coalizão com uma pequena sigla conservadora cristã, além de recorrer a candidatos de diversas ideologias para cargos legislativos e locais.
No poder, o partido de López Obrador continua a filiar mesmo políticos com tradição nos seus dois principais rivais, o PRI e o PAN.
“O Morena é um partido de esquerda, mas inevitavelmente tem de se mover em direção ao centro dependendo do espaço”, diz Ezra Alcazar, militante morenista.
Um exemplo de perfil mais conservador no Morena é o atual governador de Zacatecas, David Monreal Ávila.
O partido também chegou a ter uma senadora liberal, Lilly Téllez, que foi louvada por libertários da Argentina em conversas com Crusoé. Hoje, ela integra o PAN.
López Obrador não inaugurou no México a estratégia de agrupar as mais distintas ideologias em um único partido. O PRI fazia o mesmo no século 20, durante os seus 70 anos no poder, encerrados com a eleição de Fox, em 2000.
A sociedade mexicana não tende à polarização ideológica tanto quanto a brasileira.
Segundo o levantamento AmericasBarometer, da Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, o México é um dos países da América Latina com mais pessoas se identificando de “centro”.
Eles são 51% da população, contra 36% no Brasil. Os dados são referentes a 2023.
Peculiaridades da História e da sociedade mexicana também explicam como AMLO mantém sua imagem no espectro político, apesar de medidas inconcebíveis a petistas e a outras esquerdas latinoamericanos.
Alguns exemplos são o uso das Forças Armadas na Segurança Pública e em tarefas cíveis, como na construção civil, ou certa ortodoxia na responsabilidade fiscal, que López Obrador descreve como “austeridade republicana”.
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E a corrupção?
No combate à corrupção, principal plataforma nas eleições de 2018, o atual mandatário tem resultado misto.
Por um lado, López Obrador reduziu a burocracia federal e financiamentos a setores que cooptavam o governo, como agrícola, portuário, penitenciário e midiático, dentre outros.
AMLO chegou até a cortar sindicatos e movimentos sociais da intermediação de programas sociais. Essa é uma política em comum com o presidente Javier Milei, da Argentina, onde o sindicalismo é usado pelo peronismo como ferramenta de pressão.
Por outro lado, o governo de López Obrador também afetou o financiamento de organizações de direitos humanos, assim como aparelhou órgãos de controle, em especial o Ministério Público e a agência de transparência do governo federal.
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A atual gestão tem os seus próprios escândalos de corrupção, o mais notável envolvendo a Seguridad Alimentaria Mexicana (Segalmex).
Fundada por AMLO, a estatal agroalimentaria gastou 15 milhões de pesos, ou 5 milhões de reais, na compra de pilhas de uma empresa privada mexicana.
Com embalagem e selos personalizados para a Segalmex, as pilhas acabaram em prateleiras de supermercados na Polônia, a 10 mil quilômetros de distância.
Como será o futuro sem AMLO?
O presidente do México tem um mandato de seis anos sem direito à releição. Portanto, López Obrador não pode concorrer nas eleições de 2 de junho e deverá deixar a Presidência em 1º de dezembro.
A militância do Morena reconhece o vácuo de liderança. Discussões sobre mudanças na estratégia política do partido, como maior abertura ideológica, ocorrem nos bastidores, apurou Crusoé.
Em agosto de 2018, cerca de um mês após a eleição de AMLO, o partido fundou o Instituto Nacional de Formação Política para formar seus quadros. Neste pleito de 2014, todos os candidatos do Morena precisaram passar pelos cursos do instituto.
“López Obrador é um dirigente insubstituível. Ele só pode ser substituído por um movimento”, diz Rafael Barajas, diretor do Instituto Nacional de Formação Política.
Os novos quadros do Morena não animam a todos os militantes. Ezra Alcazar critica a confusão entre “fazer política e participar da burocracia”.
É inegável o uso da máquina pública nestas eleições. Os gastos do governo com pensões subiram quase 200% no primeiro bimestre de 2024, na comparação com o mesmo período no ano anterior.
Sobre a expectativa com uma eventual Presidência de Claudia Sheinbaum, Alcazar afirma que “o México é um país de caudilhos. Só vamos saber se ela conseguirá se impor quando AMLO deixar de existir no cenário político”.
López Obrador vem dizendo que vai se retirar da política quando sair da Presidência. Veremos.
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