Bolsonaro criou labirinto, TSE tem de achar a saída
A discussão sobre a segurança do sistema eleitoral brasileiro transformou-se em um labirinto do qual o Brasil precisa escapar antes de outubro. O enredo evoluiu nas últimas 48 horas. Na tarde desta sexta-feira, 10, houve o ofício em tom ofendido que o Ministério da Defesa endereçou ao TSE, dizendo "não se sentir prestigiado" pela maneira...
A discussão sobre a segurança do sistema eleitoral brasileiro transformou-se em um labirinto do qual o Brasil precisa escapar antes de outubro.
O enredo evoluiu nas últimas 48 horas. Na tarde desta sexta-feira, 10, houve o ofício em tom ofendido que o Ministério da Defesa endereçou ao TSE, dizendo "não se sentir prestigiado" pela maneira como suas recomendações sobre a segurança e transparência do processo eleitoral foram tratadas. Um mês atrás, o tribunal descartou sugestões feitas pelos militares. Alegou que elas partiam de confusões e premissas erradas. Fez isso, de fato, demonstrando impaciência.
Também na sexta, começaram a surgir informações sobre os propósitos do Instituto Voto Legal, indicado pelo partido de Jair Bolsonaro, o PL, para auditar a votação. Carlos Rocha, presidente da entidade, deu uma entrevista bastante sensata a Claudio Dantas, no Papo Antagonista. Neste sábado, contudo, a Folha de S. Paulo trouxe detalhes do plano de trabalho apresentado pela instituto - e alguns de seus pontos já não parecem tão razoáveis.
O que há de melhor no ofício da Defesa é o fato de ele se ater às sete recomendações feitas anteriormente. São elas, e apenas elas, que os militares querem ver discutidas em um encontro técnico com o TSE. Não há menção nenhuma a "centenas de fragilidades" nas urnas e no sistema de apuração que Bolsonaro insiste em dizer que foram detectadas pelas Forças Armadas. O presidente provavelmente vai continuar repetindo essa lorota, como é da sua natureza, mas já é alguma coisa ter um documento do próprio governo circunscrevendo a polêmica a sete tópicos. Sete - e sem nenhuma menção a falhas gritantes.
O que há de pior no ofício da Defesa são as críticas ao TSE - as mesmas de Bolsonaro, apenas com uma pitada extra de sutileza.
No item 15 do documento, o ministro Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira escreve: "Cabe destacar que uma premissa fundamental é que secreto é o exercício do voto, não a sua apuração. Dessa forma, entende-se que a transparência do pleito deve orientar, permanentemente, a atuação das entidades fiscalizadoras e do próprio TSE." (A primeira frase, irônica, está em negrito no próprio original.)
A implicação é óbvia: o TSE não dá transparência aos processos de votação e apuração.
Há também a abertura do item 16: "Vale destacar, ainda, que alguns conceitos jurídicos corroboram o direito de fiscalização de todas as fases do processo eleitoral." Seguem-se menções a leis e à Constituição.
Tradução: o TSE precisa ser lembrado pelas Forças Armadas que fiscalizar o processo eleitoral é um direito da sociedade. O Padre Nosso tem de ser ensinado ao vigário.
Como Bolsonaro, o ministro da Defesa não hesitou em desqualificar institucionalmente o TSE, reiterando suspeitas sobre a transparência das eleições. Sua resposta exagerou na dose, por mais que ele tenha se sentido melindrado pela maneira como as recomendações dos militares foram descartadas pelo tribunal eleitoral.
Há também uma certa ambiguidade no documento em relação à maneira como o TSE estaria tratando a possibilidade de existirem auditorias externas, como a contratada pelo PL. Segundo o ministério da Defesa, "convém concitar e facilitar que entidades fiscalizadoras, entre as quais os partidos políticos" desenvolvam seus próprios programas de verificação da contagem de votos. Fica subentendido que o TSE não está nem incentivando (concitando) nem facilitando a existência de auditorias externas, o que simplesmente não é o caso.
As regras para que essas auditorias aconteçam estão disponíveis desde dezembro do ano passado. Jamais houve qualquer declaração de Luis Roberto Barroso ou Edson Fachin, ministros do TSE e do STF demonizados por Bolsonaro, desincentivando esse trabalho. Não se pode culpar a Justiça Eleitoral pelo fato de que só agora o time Bolsonaro escolheu o Instituto Voto Legal como auditor.
O que exatamente o Ministério da Defesa quer dizer com "facilitar" o trabalho de fiscalização? Ao requerer sua credenciação junto ao TSE, o Voto Legal fez três pedidos que, segundo a Folha de S. Paulo, se chocam com as normas sobre auditoria. Ele quer receber dados da votação em computadores ligados à internet; quer ser dispensado de apresentar o código-fonte dos programas que vai usar; finalmente, quer ser autorizado a gravar um registro da rodagem dos sistemas de apuração.
Não sou especialista em TI, mas o "log" (ou registro) da rodagem de um conjunto de programas parece mesmo essencial para constatar se houve falhas, travamentos, tentativas de hackeamento ou qualquer outro incidente. Já as outras duas requisições soam despropositadas. O sistema do TSE não é ligado à internet para evitar interferências externas - mas o Instituto Voto Legal quer abrir essa porta. Além disso, é estranho que uma auditoria queira evitar que suas próprias ferramentas sejam auditadas, deixando de entregar os códigos-fonte para inspeção. Se "facilitar a fiscalização", como diz o Ministério da Defesa, significa ceder a essas duas exigências, coisa boa não é.
Na entrevista que deu ao Papo Antagonista, Carlos Rocha contou que ajudou a desenvolver o protótipo das urnas eletrônicas, em 1996. Ele disse que enxerga maneiras de implementar a tempo das eleições uma certificação digital de voto, que daria aos desconfiados algo próximo do comprovante em papel que eles gostariam de ter. Rocha não mencionou os pedidos problemáticos relatados pela Folha, mas garantiu que é possível adaptar-se às regras do TSE e ainda assim realizar o trabalho de auditoria. Nada na sua fala indicou um desejo de confronto ou confusão, e não há por que duvidar dele.
A bola está com o TSE. Ele precisa decidir se vai receber a equipe das Forças Armadas para uma rodada de conversas técnicas. Deveria fazê-lo. Precisa ponderar algumas das propostas dos militares, como submeter urnas eletrônicas de nova geração a testes de conformidade. Se houver tempo e recursos para tanto, deveria topar. Precisa analisar o pedido de credenciamento do Instituto Voto Legal. Sem abrir mão de qualquer coisa que lhe pareça essencial para a segurança dos processos eleitorais, deveria fazer isso o quanto antes e ser o mais flexível possível.
Jair Bolsonaro já mostrou ser o Minotauro desta história. Seu desejo é atrair o país cada vez mais para dentro do seu labirinto de desconfianças. É bom que o TSE, ao contrário, esteja pronto para indicar saídas.
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Comentários (10)
DORIVAL FROHLICH
2022-06-13 10:15:56Lamentamos que o Crusoé diverge do povo Brasileiro no tocante a Eleição com segurança, sendo um comunicador não devia ter lado somente levar as informações. Se não fosso o Minotauro como o Brasil estaria neste momento?
Sergio
2022-06-12 17:55:13Esse imbróglio todo não produz nada de útil para os verdadeiros interessados num Bananão menos desigual e com chances reais de prosperar no futuro, seja próximo ou distante. Muito pelo contrário gasta-se tempo, dinheiro e troca de farpas e pescoçadas a troco de uma desconfiança que só cabe na cabeça de gente que quer tumultuar a vida já atribulada de quem trabalha duro mais de metade do ano só pra pagar impostos que sustentam essa troupe. Debate sério e melhorias, tipo voto facultativo, inhente.
Laercio Turco
2022-06-12 14:55:36Qual a razão de tanto segredo do TSE, é simples abre " o jogo" mostra todas as regras e chama " todos" assistir. Pronto sem confusão!!
JOEL
2022-06-12 12:16:07Tivesse o TSE desde o início aceito e se adapitado à condição de impressão do voto via urnas eletrônicas como já o fizeram outros países sérios pelo mundo a fora, já não se falava mais neste assunto de desconfiança sobre as urnas, mas não adotaram o óbvio por birra ou intenções outras, agora colham o que plantaram. Desconfiança tipo exportação e acusações, brigas e possibilidade de tudo acabar num caos.
KEDMA
2022-06-12 11:25:16Gostei das suas sugestões Graieb.
KEDMA
2022-06-12 11:24:12O sistema eleitoral brasileiro ao invés de progredir, como deveria ser em outros setores também, está retrocedendo. Quanta falação em torno disso!
Mc
2022-06-12 11:00:20O resultado das eleições será anunciado pomposamente por dois ministros do TSE diretamente de Bras Ilha, informando com muita seriedade e formalidade que o sorteio da mega sena acumulada de 300 milhões saiu para uma aposta única de 3,50 feita por um apostador em Quexeramobin do Sapucaí na ilha de Nárnia.
Eduardo
2022-06-12 10:23:00Parabéns Graieb! Admirável suas ponderações. Joguemos anti-energizantes nesse rastrilho que interessa a poucos. Defendamos a nossa frágil DEMOCRACIA (fadada a sobreviver- em soluços- por menos que 50 anos). Esterminemos os egocentrismo dos poderosos (sonhos de uma noite de verão, né??).
Joao
2022-06-12 03:34:54Este milico ministro da defesa não fez nada contra a proliferação de armas promovida por Bostanaro, "armas legalizadas" que em grande quantidade cai nas mãos de bandidos. E quer se meter na apuração de votos. Igualzinho aos meretríssimos que se metem em assuntos do executivo.
Dulce
2022-06-12 03:27:41O convite feito às Forças Armadas para participarem da Comissão foi estapafúrdio. O quê começa errado tende a dar errado até o fim. Agora é calma, bom senso e compostura.