Um prefeito muçulmano na Nova York judaica
Os judeus foram o grupo religioso que mais sofreu crimes de ódio, segundo o departamento de polícia municipal
Não dá para ignorar o significado da eleição de Zohran Mamdani para prefeito de Nova York.
Ele é o primeiro muçulmano a ocupar o cargo, algo impensável anos atrás, sobretudo depois dos ataques de 11 de setembro de 2001 e a consequente onda de islamofobia nos EUA.
A vitória aparenta ser um atestado da diversidade e multiculturalismo da cidade que, apesar do acirramento do debate sobre migração do país, devido às políticas restritivas adotadas pelo presidente Donald Trump, escolheu como governante um imigrante de pai ugandense e mãe indiana.
Apesar do significado político de todos esses elementos identitários, um fator que preocupa a muitos em relação ao futuro plural da cidade não diz respeito à etnia ou religião de Mamdani, mas sim às suas ideias políticas, principalmente quanto a Israel.
A proeminência de uma questão internacional nos debates de uma eleição doméstica pode até parecer estranho, mas não quando se trata de Nova York, sobretudo no contexto atual de guerra entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza.
Afinal, Nova York é lar de quase um milhão de judeus e, desde o massacre de 7 de Outubro de 2023, os casos de antissemitismo cresceram de forma exponencial na cidade, trazendo questionamentos importantes acerca do seu caráter democrático.
Em 2024, os judeus foram o grupo religioso que mais sofreu crimes de ódio, segundo o departamento de polícia local, com 641 casos registrados, contrastando com os 43 casos de islamofobia e 21 ocorrências de intolerância contra outras minorias religiosas.
Durante a corrida eleitoral, Mamdani, no entanto, precisou fazer mais do que simplesmente apresentar propostas para lidar com o fenômeno.
Em muitas situações, foi necessário oferecer explicações e se defender de acusações de que ele mesmo seria antissemita.
Isso porque, em diversos contextos, o prefeito eleito se negou a responder se é favorável à existência de Israel enquanto um Estado judeu.
"Globalize a Intifada"?
Ele também se mostrou relutante em condenar o slogan popular “globalize a Intifada”, que se tornou comum nos campi americanos desde o início da guerra na Faixa de Gaza.
Muitos ativistas pró-Palestina afirmam que trata-se apenas de uma forma de resistência progressista contra Israel.
Para a maioria dos judeus e israelenses, no entanto, a frase tem um significado muito diferente; é um lembrete de uma série de ataques terroristas contra civis que aconteceram na década de 1980 e no começo dos anos 2000.
Diante dos inúmeros casos de ataques antissemitas ao redor do mundo nos últimos dois anos, não é exagero temer os muitos pedidos para que novas Intifadas sejam globalizadas.
Mesmo ciente disso, Mamdani limitou-se apenas a dizer que desencoraja o uso da expressão.
Nesse contexto, não foi tão surpreendente o fato de que da grande maioria dos judeus nova-iorquinos, tradicionalmente democratas e progressistas, apenas cerca de 30% deles votou em Mamdani.
Até importantes rabinos mais liberais expressaram preocupação com as visões do democrata acerca de Israel.
Decolonialismo
É tentador, principalmente para analistas mais conservadores atribuir o motivo da postura anti-Israel de Mamdani à sua fé islâmica, apontando para o antissemitismo de grupos radicais islâmicos como o Hamas e o Hezbollah, os quais, por mais absurdo e incoerente que seja, têm recebido cada vez mais apoio de progressistas ocidentais.
Tal inferência, contudo, seria preconceituosa e bem distante da realidade. Mamdani, assim como a maioria dos muçulmanos americanos, é bastante progressista e coerente ao tentar conciliar sua fé com o apoio ao movimento LGBT, por exemplo.
A raiz de sua hostilidade a Israel é outra e, ironicamente, surgiu em universidades ocidentais.
Chama-se “pós-colonialismo” ou “decolonialismo”, como é mais conhecido aqui no Brasil.
Trata-se de uma abordagem teórica das ciências humanas parecida com o pós-estruturalismo e que busca estudar os impactos da colonização ocidental no mundo, com um claro viés ativista.
Um dos principais nomes do pós-colonialismo foi o palestino Edward Said, cuja obra Orientalismo, apesar de diversas falhas históricas e metodológicas, tem moldado a compreensão da maioria dos acadêmicos acerca do conflito palestino-israelense.
Mahmooud Mamdani, pai do novo prefeito de Nova York. é um importante pesquisador nessa área e foi amigo de Said na Universidade de Columbia.
Pela ótica decolonial, Israel nada mais é do que um empreendimento colonial racista que precisa ser desmantelado a qualquer custo para que então possa ser discutida qualquer noção de justiça.
Nesse contexto, o massacre realizado pelo Hamas no 7 de Outubro não seria mais do que uma forma de “resistência”, típica de movimentos anticoloniais.
Isso, obviamente, está longe de corresponder à complexa situação em Israel e nos territórios palestinos, ignorando o fato de que os judeus não são estrangeiros ao Oriente Médio e que o Hamas é, acima de tudo, um grupo terrorista islâmico.
A influência dessa abordagem no pensamento de Mamdani é bastante latente e as consequências práticas podem ser bastantes nefastas, não apenas para os judeus nova-iorquinos, mas para a pluralidade da cidade como um todo.
Um dia após as eleições, uma escola judaica foi pichada com uma suástica, levando o prefeito eleito a se posicionar de modo enfático contra o antissemitismo.
Nos próximos dias, será necessário mais do que isso.
Igor Sabino é doutor em Ciência Política (UFPE) e gerente de conteúdo da StandWithUs Brasil. É autor do livro Jesus, um judeu.
X: @igorhsabino
Instagram: igorhsabino
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Comentários (3)
Maria Das Gracas De Souza Mayrink
2025-11-15 19:01:00O direito de Israel defender sua sobrevivência tem que ser respeitado.
MARCEL SILVIO HIRSCH
2025-11-14 17:40:36Li em algum lugar: "Onde houver fumaça, há fogo".
Avelar Menezes Gomes
2025-11-14 12:02:52Tensão constante, assim caminha a humanidade.