Sobre Lula, o BC e a civilização brasileira
Conversando com o representante de uma empresa multinacional do agro, me espantou a informação de que sua empresa havia saído da Argentina. Perguntei como isso era possível, considerando peso do país vizinho nesse mercado. E ele me disse: “não conseguimos viver em um ambiente sem regras”.
Quando se fala regra, se quer dizer previsibilidade. Pode parecer coisa pouca, mas não é. Trata-se do pilar que tornou a urbanidade possível. Por exemplo: como é possível planejar criar um filho, abrir um negócio ou escolher um bairro para viver se não é possível ter uma mínima noção de como vai ser o futuro? Claro que haverá sempre o imponderável, mas mesmo a reação a ele pode ser antecipada e danos mitigados.
Tudo isso para introduzir o episódio que opôs Lula e o Banco Central, que decidiu nesta semana pausar a trajetória da queda de juros. Colunistas importantes colocaram a decisão do Copom no campo da batalha política diária, destacando a derrota de Lula, que pressionou até onde pôde o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, chegando ao limite de sugerir que ele poderia estar agindo para favorecer a oposição na disputa eleitoral de 2026.
A questão de fundo, no entanto, é outra. Qual o nível de blindagem o corpo do BC tem para tomar as suas decisões? Nesse sentido, mesmo criticando a proximidade de Campos Neto com políticos ligados à gestão de Jair Bolsonaro, houve uma lembrança geral entre os principais analistas que Campos Neto fez o que tinha que fazer em 2022, bancando um aumento da taxa de juros em ano eleitoral.
Independente se a direção técnica está correta ou não, coisa que um cientista político tem pouca condição de dizer, o tema para valer é saber se as instituições estão ou não funcionando e isso se avalia entendendo se estão ou não conseguindo entregar o que lhes foi confiado. Nesse caso, o importante não é a posição de Campos Neto que, como já foi dito, teve sua autonomia testada realmente em 2022. Os que estão realmente sendo colocados à prova são os indicados de Lula, que mostraram não ter a mesma visão do padrinho.
Reforçando: mais do que a questão conjuntural, no longo prazo, o que vale é a consolidação da regra, nesse caso, o isolamento da política monetária de interesses partidários e da ocasião, garantido sua maior qualidade. Este é um tema caríssimo a um país que tem muita dificuldade com normas em todas as suas dimensões.
Que digam os leitores do restante do noticiário desta semana souberam que o Congresso quer votar uma anistia a partidos que descumpriram a lei no passado, que o governo luta para que empresas multadas na Lava Jato paguem pelo menos 50% das penalidades e que a conta para pagar a desoneração de empresas e municípios, na verdade, não é de 26 bilhões de reais, mas de 17 bilhões de reais, tornando a tarefa do Senado de achar as devidas compensações menos difícil. Que o BC continue autônomo depois de 2022 e depois de 2024 é que é o fato relevante.
P.S. Note-se que o debate sobre a autonomia do BC se dá na semana de aniversário de 30 anos do Plano Real, o desenho institucional mais bem-sucedido e duradoura da história econômica do país.
Leonardo Barreto é cientista político e sócio da I3P Risco Político
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Brasil não é gerido, é guiado com terra à vista
Depenados à direita e esquerda os manés de South Rouboland estribucham enquanto os ditadores elevam impostos e espetam-nos a conta.
A segurança jurídica e tributária, hoje em falta, são fundamentais pra investimentos, assim como o equilíbrio fiscal que pode melhorar nossa competitividade e balança comercial. Infelizmente nossos poderes só olham o próprio umbigo e tratam mais dos interesses paroquiais