Andressa Anholete/STFQuem poderia, em sã consciência, defender algo que já vinha com o apelido de “secreto”, de “pulverizado”, e outros?

O declínio do reino de Jatobá

Uma obra de ficção sobre o que finalmente o tribunal supremo de Jatobá decidiu: o tempo das emendas parlamentares acabou
23.08.24

Finalmente o tribunal supremo de Jatobá decidiu. O tempo das emendas parlamentares acabou. Após algum tempo de hesitação e paralisia da vida política, os conselheiros entenderam que o assunto era muito importante para ser regulado pelos congressistas e apresentaram eles mesmos a nova regra. Dali em diante, era com o líder executor, considerado pelos magistrados a única expressão verdadeira da vontade popular.   

A importante medida, embora já tomada há muito tempo, foi mantida em segredo nos corredores que ligavam o tribunal ao prédio presidencial. Era importante construir bases de legitimidade para o anúncio, o que não era difícil, considerando que a população sempre tratou o tema como mera intriga entre elites, não lhe dedicando a atenção devida. De todo modo, era preciso algum verniz, considerando que os magistrados enfrentavam algumas denúncias e era recomendável se preocupar com a reputação.  

A opinião publicada fez seu trabalho. As emendas eram um absurdo, portas abertas para a corrupção e completamente ineficientes. Quem era o parlamentar para decidir onde o dinheiro público deveria ser aplicado? Quem era o prefeito para saber o que sua cidade mais precisava? Bom mesmo era o burocrata localizado lá na capital, com programas de nomes bonitos e painéis coloridos com muitos gráficos. Ninguém conseguia provar mesmo qual era a melhor forma de usar verdadeiramente o dinheiro público, mas se a ordem vinha da capital, deveria ser melhor. 

Foram tantas as críticas que mesmo entre parlamentares não houve quem fizesse a defesa de um orçamento sob gestão da assembleia… aliás, de uma parte menor do orçamento, diga-se. Deputados evitavam a exposição porque enfrenavam perguntas agressivas que buscavam criminalizar primeiro para analisar depois. Quem poderia, em sã consciência, defender algo que já vinha com o apelido de “secreto”, de “pulverizado”, e outros?  

A transparência era a bandeira da vez, embora não coubesse aos parlamentares executar ou fiscalizar a despesa. Eram atribuições das polícias, da acusação pública e dos tribunais. Mas não eram eles mesmos que, agora, emparedavam a assembleia? A pressão colocada foi tanta que ganharam por WO.  

Para ser justo, um parlamentar tentou, certa vez, trazer a conversa para o campo da legitimidade. Afinal, se ele pedida votos diretamente ao eleitor, escutando pedidos por recursos para creches, melhor funcionamento dos serviços dos bairros ou suporte para associações que cuidavam de crianças deficientes, ele precisava ter acesso ao direcionamento do recurso. Sem isso, compromissos seriam quebrados e a assembleia perderia toda sua credibilidade junto às pessoas.   

Mal sabia ele, no entanto, que era esse exatamente o objetivo da manobra combinada. Usando a questão a transparência como biombo, sabia-se que ao retirar recursos dos deputados, acabaria também a resistência ao avanço do líder supremo. Sem orçamento, mas precisando manter compromissos com eleitores, deputados viraram presas fáceis. Um jogo de barganha muito mais obscuro se instalou, que trocava dinheiro por voto na discussão de leis. Se instalou o que depois ficou conhecido como “rolo compressor”. O céu era o limite para o governo.  

Domar a assembleia, no entanto, era apenas o meio do caminho. Depois, conseguiu-se também mandar nas cidades. Precisando de dinheiro para funcionar, apenas prefeitos aliados tiveram condições de se manter. Na campanha eleitoral, passou-se a se ouvir apenas “votem em mim porque eu sou amigo do rei”. Ter acesso se tornou o único atributo realmente importante.  

A sociedade, míope, não enxergou que estava renunciando a um anteparo contra o abuso do poder quando deixou sua assembleia desprotegida. Pouco instruída e sem informações, não se lembrou que, historicamente, elas foram exatamente criadas para proteger os súditos dos abusos constantes do rei. Sem orçamento e totalmente submissa, a assembleia perdeu o pouco apoio que tinha e se tornou um órgão protocolar. O caminho para o sequestro das pessoas pelo poder político ficou escancarado e elas deram vivas por isso.  

Leonardo Barreto é cientista político e sócio da I3P Risco Político

 

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  1. O problema está na falta de vontade dos parlamentares (em maioria) de fiscalizar o judiciário de quem depende sua liberdade. Jantar entre as "autoridades" é a senha para o acordão.

  2. ERA UMA VEZ O PAÍS DAS BANANAS EM QUE OS POLÍTICOS CORRUPTOS FAZIAM LEIS QUE SOMENTE OS BENEFICIAVAM EM DETRIMENTO DO POVO MAS O POVO VIU ISSO E FUZILOU TODOS OS CORRUPTOS DESSE PAÍS. NÃO SOBROU NENHUM POLÍTICO.

  3. A ditadura triúnvira já liberou as "emendas" de seus capachos e sob pressão de inciomensurável deficit orçamentário que pode lhe render IMPEDIMENTO legal e ouso afirmar que o rombo será estratosférico restando ao ignaro canelau vulgo manés saber quem será o herói que terá peito de amarrar o guiso no pescoço do gato, e dos ratos claro ... afirmo categiricamente que neste país ainda não nasceu um macho para isto então acostumemo-nos então à cangalha, ao cabresto e à espora do triunvirato ditador.

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