Lula Marques / Agência BrasilJá pairava em Brasília a sensação de que algo iria acontecer, mas não se imaginava que Dino iria para o tudo ou nada

Congresso sitiado

Sem as emendas impositivas, Arthur Lira perde muita capacidade de controle da sua base, tornando sua sucessão imprevisível
16.08.24

O ministro Flávio Dino suspendeu esta semana a execução de todo o orçamento impositivo, desferindo um golpe de morte na autonomia do Congresso e plantando a semente para que o governo volte a dominar a cena política usando a boa e velha regra de ouro — na qual quem tem o ouro faz a regra. Sem a impositividade, só executa emenda quem vota com o governo, simples assim.  

Sob o argumento da falta de transparência, que de fato acomete as chamadas “emendas pix”, que não possuem destinação específica, e as emendas de comissão, que não levam a assinatura do verdadeiro proponente da despesa, Dino decidiu monocraticamente que toda a parcela do Orçamento alocada pelos parlamentares fica congelada por 30 dias até que se aprove outra regulamentação. Qual o recado que Dino está dando ao ir muito além do que poderia ter ido pedindo correções apenas nas emendas problemáticas? 

Uma dica está na postagem de Rafael Valim, um dos advogados que subscreveu a ação que Dino relata e que ensejou essa decisão: “A histórica decisão do ministro Flávio Dino, ao suspender as emendas parlamentares impositivas, enfrenta o problema central do país e restaura a governabilidade prevista originalmente na Constituição de 1988”. Em nenhum momento ele fala em transparência. A questão é o controle de Brasília.  

A decisão é uma continuidade de julgamento anterior do STF sobre o antigo “orçamento secreto”. Logo no início do governo Lula, com o objetivo de devolver o controle dos recursos ao Executivo, a então ministra Rosa Weber liderou um julgamento para tornar ilegal as emendas de relator. Na modulação da decisão, a ministra tomou um baile do Congresso, que acatou a medida, mas amarrou os recursos aos parlamentares, aumentando na prática o volume de recursos à disposição de deputados e senadores.   

Lula não voltou a controlar a execução das emendas e viu o Congresso aumentar seu poder aprovando um cronograma para os desembolsos. Mesmo que o dispositivo tenha sido vetado, na prática o Planalto cumpriu um calendário informal por imposição do Congresso.  

O fato é que o Congresso tem agido com independência e moderado os interesses do Executivo sem, contudo, criar uma paralisia decisória. No modelo atual, agendas do governo são aprovadas com negociação e com o governo tendo que aceitar contribuições dos parlamentares. Além disso, deputados e senadores têm avançado com propostas mesmo diante da oposição do Planalto, como foi o caso da desoneração da folha trabalhista de 17 setores econômicos. 

De certa maneira, já pairava no ar seco de Brasília a sensação de que algo estava para acontecer, mas não se imaginava que Dino bancasse o jogo de tudo ou nada que representa essa decisão. Ela embaralha tudo. Sem as emendas impositivas, Arthur Lira (PP/AL) perde muita capacidade de controle da sua base, tornando sua sucessão imprevisível. O mesmo para Davi Alcolumbre e Rodrigo Pacheco, que têm ajudado bastante ao governo, até mesmo viabilizando politicamente a aprovação de Dino para a cadeira que ocupa agora na cadeira do STF. Serão cobrados pelos seus pares.  

Lula e Dino cercaram o Legislativo, colocaram em xeque as lideranças do Congresso e buscaram condições para retomar o controle da pauta e influenciar nas escolhas dos próximos presidentes da Câmara e do Senado. Escolheram o momento em que não há nenhuma pauta bomba – embora um possível pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes possa reunir assinaturas – e aproveitando que os parlamentares estão nas suas bases fazendo campanhas municipais.  

Pode não parecer, mas não se trata apenas de conspiração palaciana. É, sim, encruzilhada institucional que deve ser analisada tendo como pano de fundo a deterioração de democracias de países vizinhos a partir da contínua fragilização do sistema de pesos e contrapesos. 

 

Leonardo Barreto é cientista político e sócio da I3P Risco Político

 

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