A lição do alemão: feio, não é bonito
Belém fede com o óleo diesel dos geradores da COP30 e com o esgoto a céu aberto. O resto é perfumaria
"Feio, não é bonito / O morro existe / Mas pede pra se acabar", diz a letra da música Feio, não é bonito, de Carlos Lyra e Gianfrancesco Guarnieri.
A canção foi lançada no álbum "The Sound of Ipanema", de 1964. Foi cantada por Elis Regina, Nara Leão, Jair Rodrigues e Beth Carvalho.
Seu tema caberia perfeitamente na gritaria que ganhou o país após a frase do chanceler alemão Friedrich Merz.
Após passar apenas 20 horas em Belém para participar da COP30, Merz disse aos jornalistas de seu país que estava contente em ter deixado a paisagem de Belém para trás.
"Senhoras e senhores, nós vivemos em um dos países mais bonitos do mundo", disse Merz, referindo-se, por óbvio, à Alemanha.
"Todos ficaram contentes por termos retornado à Alemanha, na noite de sexta para sábado, especialmente daquele lugar onde estávamos."
A reação dos patriotas foi visceral.
É como se Merz tivesse cometido uma ofensa imperdoável contra todos os brasileiros.
O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, foi um dos mais exaltados e chamou Merz de "filhote de Hitler vagabundo" e "nazista".
Mas o fato é que o morro existe, como diz a letra de Lyra e Guarnieri.
Como escreveu Rafael Moredo em Crusoé, 80% dos dejetos são despejados in natura ou correm a céu aberto.
Bonito não é. E não há perfumaria feita com a biodiversidade amazônica que dê conta.
Mais do que o ufanismo que defende o Brasil contra a menor insinuação, é preciso tomar vergonha e mudar a realidade.
A letra de Feio, não é bonito, aliás, parece ser uma resposta a esse tipo de ideologização da pobreza.
A primeira parte é vibrante, empolgada, entusiasmada: "Salve as belezas desse meu Brasil / Com seu passado e tradição / E salve o morro cheio de glória / Com as escolas que falam no samba e da sua história".
A segunda parte é uma constatação que não dá para viver de nacionalismo.
"Feio, não é bonito / O morro existe / Mas pede para se acabar", diz a letra.
Ainda que se possa tirar poesia da carestia, essa situação não deve ser eternizada para o deleite dos seus espectadores.
Não há felicidade em uma situação assim, ainda que os seus personagens reais possam ser resilientes e corajosos.
"Canta, mas canta triste / Porque tristeza / E só o que se tem pra contar / Chora, mas chora rindo / Porque é valente /E nunca se deixa quebrar / Ah! Ama, o morro ama / Um amor aflito, um amor bonito / Que pede outra história", diz a letra.
Belém, assim como o morro cantado por Lyra e Guarnieri, também pede outra história.
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Comentários (1)
Eliane ☆
2025-11-18 16:08:22Ótimo, adorei o artigo. Pará, um estado que tem o saneamento básico pra lá de precário. E vêm os 'ofendedinhos' criticar a sinceridade do chanceler alemão. Pelo amor do bom-senso.