Belém: menos COP30, mais Marco do Saneamento
Em vez de vitrine, cidade virou um amplificador das contradições estruturais que o país teima em ignorar
O Brasil escolheu sediar a COP30 no coração da Amazônia para provar ao mundo que é, finalmente, um protagonista ambiental.
O resultado, contudo, se parece mais com um espelho invertido: em vez de vitrine, Belém virou um amplificador das contradições estruturais que o país teima em ignorar.
A imagem mais cruel dessa incoerência veio pela voz do chanceler alemão Friedrich Merz.
Ao discursar em Frankfurt, Merz ironizou a estadia, notando que nenhum jornalista que o acompanhava demonstrou desejo de permanecer no Brasil, "especialmente daquele lugar onde estávamos".
A diplomacia foi para o ralo, e o sinal verde acendeu: Belém não impressionou.
E como poderia? Enquanto a elite global desembarca para debater metas de descarbonização em 2050, a capital paraense oferece aos seus habitantes, e aos seus visitantes, uma realidade incompatível com o século 21.
Apenas 19,9% da população tem acesso à rede de esgoto.
Isso significa que mais de 80% dos dejetos são despejados in natura ou correm a céu aberto.
A questão, portanto, não é primariamente sobre CO2; é sobre NH3, bactérias e a dignidade humana e saúde pública. A crise de saneamento é, para a maioria dos paraenses, uma ameaça mais premente e imediata do que o aquecimento global.
Essa deficiência brutal de infraestrutura é o calcanhar de aquiles que o discurso oficial insiste em esconder.
Não à toa, países como Áustria, Canadá e Holanda enviaram cartas diplomáticas raras cobrando garantias mínimas de segurança e logística, reforçando a percepção de uma cidade despreparada.
A pressa e o improviso na organização da COP 30 apenas reforçam o padrão brasileiro de grandes eventos: pouca transparência, má alocação de recursos e um legado duvidoso.
O Tribunal de Contas da União (TCU) já identificou irregularidades em um convênio de 480 milhões de reais sem licitação, revivendo o fantasma da Copa de 2014, em que a ambição política atropelou o planejamento.
Mas há um caminho. Em meio a esse cenário cinza, o Brasil regulamentou o Marco do Saneamento.
Em cinco anos, o novo marco jurídico mobilizou 178 bilhões de reais em leilões, ampliando o acesso à água e esgoto em diversas regiões do país, justamente através de previsibilidade regulatória e parceria com o investimento privado.
O Marco é a prova de que o Brasil sabe como resolver seus problemas estruturais quando adota uma lógica moderna, eficiente e livre de improviso.
A verdadeira liderança climática e ambiental se constrói de baixo para cima, não de cima para baixo. Exige-se primeiro água limpa e saneamento para o cidadão comum, antes de convocar cúpulas internacionais.
A COP30 poderia ter sido o momento de o Brasil demonstrar coerência, aplicando a política de sucesso do Marco do Saneamento na própria cidade-sede.
O dilema é claro: Belém precisa urgentemente de menos slogans climáticos globais e mais obras básicas do Marco do Saneamento.
Se o país quiser que seus resultados falem mais alto do que as promessas, o caminho é trocar o discurso verde pela execução eficiente em saneamento.
Rafael Moredo é internacionalista pela FGV, especialista em gestão pública pelo Insper, e Coordenador de Políticas Públicas do Livres
X: @EuSouLivres
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