O Comando Vermelho tem ideologia política?
Discurso da primeira geração do CV foi substituído por uma lógica de mercado que busca o lucro com atividades criminosas
Entre as definições mais comuns de terrorismo está a de grupos que usam a violência contra inocentes para espalhar o medo e obter mudanças políticas.
No Brasil, contudo, a Lei Antiterrorismo deixou de fora a questão política e ideológica.
Em seu artigo 2º, o texto diz que terrorismo "consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião".
A falha da lei se explica porque, ao aprová-la, em 2016, legisladores de esquerda tiraram a motivação política, com medo de que ela fosse usada contra grupos radicais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST.
Com pesquisas de opinião mostrando que a maioria da população apoia a inclusão de traficantes do Comando Vermelho (CV) e do Primeiro Comando da Capital (PCC) como terroristas, Crusoé perguntou para a cientista política Yasmim Issa, que estudou as cartas trocadas entre membros do Comando Vermelho, se a organização já teve ou tem uma ideologia política.
O Comando Vermelho tem uma ideologia política?
O CV nunca chegou a formular um projeto político no sentido amplo, como ocorre com grupos terroristas.
Nas suas origens, especialmente no que se conhece como sua "primeira geração", havia um discurso com traços de solidariedade, justiça social e resistência à violência estatal.
Essa retórica, porém, estava muito mais ligada à sobrevivência e à organização coletiva dentro das prisões do que a um projeto de transformação da sociedade.
Buscava-se formas de sobrevivência entre muros, com parcerias mais colaborativas e igualitárias.
Essa primeira geração era formada majoritariamente por presos políticos e comuns que conviveram na Ilha Grande nos anos 1970.
Até quando vai esse período?
A transição entre a primeira e a segunda geração do Comando Vermelho ocorreu de forma gradual ao longo da segunda metade da década de 1980.
E o que aconteceu com aquelas primeiras ideias?
Com o passar do tempo, elas foram se diluindo.
As ideias igualitárias, com uma organização mais colaborativa, sofreram com uma hierarquização maior e com a expansão para fora das prisões.
Foi quando o CV se inseriu na economia do tráfico de drogas, em busca de lucro.
O grupo se consolidou, então, em torno de práticas econômicas e de poder territorial — o que acabou substituindo qualquer horizonte político-ideológico.
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