Boulos e o socialismo brasileiro
O estatismo eleva ao topo da hierarquia justamente aqueles que menos têm a oferecer em termos de competência produtiva
Por Hans-Hermann Hoppe (economista e filósofo político alemão, discípulo de Ludwig von Mises e Murray Rothbard, e um dos principais teóricos contemporâneos do libertarianismo e da Escola Austríaca de Economia), aprendemos que a estrutura lógica do estatismo não apenas fracassa em teoria, mas colapsa na prática; e o faz de forma previsível, inevitável e repetida.
Contudo, há uma consequência menos debatida desse modelo: sua capacidade de elevar ao topo da hierarquia estatal justamente aqueles que menos têm a oferecer em termos de competência produtiva.
A lógica é perversa e refinada: quanto mais distante estiver o indivíduo dos critérios que regem a ordem espontânea do mercado e da eficiência (mérito, responsabilidade, produtividade, preparo técnico, científico ou intelectual) maior será sua aptidão para prosperar num regime cuja moeda é a habilidade política, e não a excelência funcional.
Em seu artigo Por que o socialismo sempre irá fracassar, Hoppe é cirúrgico:
“Quanto mais alto você olhar para uma hierarquia socialista, mais você encontrará pessoas excessivamente incompetentes para fazer o trabalho que supostamente deveriam fazer. […] Só é necessário que ele tenha boas habilidades políticas.”
Essa afirmação serve como lente precisa para observar um fenômeno recente da política brasileira: a nomeação de Guilherme Boulos, figura oriunda do movimento de moradia e da militância socialista, à secretaria-geral da presidência da república (tudo, como deve ser, em letras minúsculas, para não disfarçarmos o desprezo).
Seu novo cargo, embora frequentemente obscurecido na opinião pública, pode desempenhar papel-chave na articulação entre governo federal e movimentos sociais, controle de agendas presidenciais e distribuição de espaços simbólicos e materiais de poder (um pretenso candidato adoraria ocupar cargo com tais características, pois não?).
A ascensão de Boulos não pode ser compreendida fora da lógica descrita por Hoppe.
Não se trata de mérito técnico, tampouco de uma trajetória comprovada em gestão pública ou geração de valor econômico. Nunca foi o caso.
Trata-se, antes, de sua habilidade de ocupar o centro do teatro político por meio da retórica, da mobilização simbólica e da capacidade de representar, com eficácia midiática e tribal, os interesses de uma fatia específica do eleitorado consumidor de populismo, apedeutas incorrigíveis que, afinal, votam, numa sanha autofágica quase inexplicável.
Sua notoriedade advém não da criação, portanto, mas da ocupação (sem qualquer trocadilho).
Não advém da produção, mas da reivindicação. Isso não é falha do sistema: é a sua expressão mais fiel.
Hoppe chama essa categoria de gente de “zeladores políticos”.
São indivíduos que, em vez de produzir ou gerir, são encarregados de custodiar o que já foi expropriado ou redistribuído.
São figuras cuja existência política é garantida não por resultados mensuráveis, mas por sua habilidade de manter-se no centro das alianças, discursos e panfletos de um governo baseado na lógica da coalizão/cooptação permanente.
Um ministro da secretaria-geral da Presidência, sob esse paradigma, torna-se uma espécie de sacerdote da burocracia afetiva: media, sinaliza, representa, mas nada precisa administrar com eficiência, pois não há critério objetivo a ser atendido.
Não há “metron”, baliza de avaliação de entrega.
Em vez de reconhecer essa realidade como um desvio patológico, o estatismo a canoniza.
Nele, a competência passa a ser suspeita. A autonomia individual se torna um escândalo. A produtividade, uma ameaça.
O resultado é que as habilidades necessárias à sobrevivência em uma civilização próspera – autodisciplina, visão de longo prazo, adaptação ao consumidor – são substituídas por outra cartilha: alinhamento ideológico, lealdade à casta dominante e capacidade de manipular afetos coletivos.
O caso Boulos é exemplar porque sintetiza, sem disfarces, essa inversão de critérios.
Em qualquer estrutura que opere segundo os princípios da ordem econômica voluntária (ou mesmo do empenho mínimo que entrega) sua trajetória jamais o levaria à cúpula institucional de um país.
Mas, no Brasil, onde o Estado tornou-se o grande distribuidor de narrativas e esmolas as mais sortidas, onde a política é uma engenharia de ressentimentos habilmente geridos, esse perfil é quase um predicado.
O mais grave, porém, não é que o sistema promova pessoas assim. O mais grave é que o sistema precisa promovê-las, porque elas são o cimento de sua perpetuação.
A hierarquia estatal sob o socialismo não sobrevive sem seus zeladores incompetentes, mas politicamente hábeis.
Eles são os comissários da estabilidade burocrática: não ameaçam a máquina com ideias próprias, não pretendem eficiência, não desafiam a ordem estabelecida com inovação. São, por isso mesmo, seguros. E exatamente por isso, perigosos.
Hoppe entende que esse processo leva, inevitavelmente, ao empobrecimento da sociedade.
Quando a produção é punida e a incompetência recompensada, a economia patina, a liberdade declina e o cidadão comum torna-se refém de uma classe política cuja sobrevivência depende da … sua dependência!
A nomeação de Boulos não é uma anomalia, mas um sintoma e um aviso.
Se quisermos compreender a razão de ser do inevitável fracasso do binômio socialismo/estatismo, não basta examinar suas vicissitudes econômicas: essas falam por si … ele fracassou, fracassa e fracassará; é coisa de natureza humana.
É preciso olhar seus rostos, suas vozes, seus ídolos. Neles, está a radiografia mais eloquente do modelo que apodrece: não por acidente, mas por coerência interna.
A ascensão de Boulos é apenas o capítulo brasileiro de uma longa história hoppeana, em que o topo da pirâmide é ocupado não pelos melhores, mas pelos mais úteis à manutenção da própria pirâmide.
A tragédia da democracia moderna não está em seus fracassos ocasionais, mas em sua capacidade estrutural de premiar justamente aqueles que jamais prosperariam em qualquer ordem regida pela competência.
Os “Guilhermes Boulos”, cujas trajetórias se ancoram na expropriação simbólica, na retórica coletivista e na capacidade de representar ressentimentos em vez de soluções, transformam o Estado em espólio e o eleitorado em massa de manobra.
Na democracia, os piores inevitavelmente sobem, pois são os mais dispostos a negociar princípios, explorar paixões e parasitar o aparato estatal sem qualquer constrangimento ou incômodo.
Trata-se de uma seleção inversa da virtude: em vez de a areté dos antigos, triunfa o cálculo eleitoral.
Em vez da prudência aristotélica, vence o discurso pensado para arrebatar incautos.
Em vez do verdadeiro estadista, emerge o zelador da ruína: elegante (nem sempre!) na forma, mas trágico em consequência.
Dennys Xavier é escritor, tradutor e PhD em Filosofia
Instagram: prof.dennysxavier
As opiniões dos colunistas não necessariamente refletem as de Crusoé e O Antagonista
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (10)
MARCEL SILVIO HIRSCH
2025-10-30 16:20:09Trágica fotografia. Parabéns pela fiel reprodução.
Clayton De Souza pontes
2025-10-29 16:25:11Vendo os diversos atributos do Boulos me lembrei do Lula, que deve enxergar na incompetência do primeiro a sua própria incompetência
Isadora Z Marques
2025-10-26 11:00:30Texto impecável. Triste realidade.
Sandra
2025-10-25 12:42:15Texto excelente. Infelizmente, é o retrato da política dos nossos tempos. A democracia nunca vai poder funcionar num mundo de apedeutas.
Olinha
2025-10-25 10:18:26Excelente!
MARCOS
2025-10-24 20:26:45TENHO PENA DOS ELEITORES DO BOULOS. OU SÃO IGNORANTES OU TAPADOS.
Eliane ☆
2025-10-24 15:47:02Sempre nos fazendo refletir,Dennys Xavier. Nada a acrescentar.
Nelson Lemos Costa
2025-10-24 14:46:40É o retrato da máquina pública atual e futura, com o agravante de se retroalimentar exponencialmente. Parabéns, Dennys.
Mauro Lima
2025-10-24 09:54:17Sensacional!
Albino
2025-10-24 07:54:02Novamente irretocável! Não há o que contestar...!