China mapeia o mar para ciência - e guerra
Reportagem do New York Times revela como a China têm atuado em regiões próximas a Taiwan e Guam, onde os EUA tem importante base militar

A China está redesenhando sua presença nos oceanos. Sob a liderança de Xi Jinping, o país tem investido em uma poderosa frota naval de pesquisa oceanográfica, capaz de sondar as profundezas dos mares com tecnologia de ponta — como sonares de alta resolução, submersíveis tripulados e drones submarinos.
Mas, além da ciência, há uma motivação estratégica cada vez mais clara e importante por trás dessas expedições: a ampliação do poder marítimo chinês em áreas sensíveis do Indo-Pacífico, em meio a crescentes tensões com os Estados Unidos e seus aliados.
Em reportagem publicada em 10 de julho de 2025, o The New York Times revelou como navios chineses como o Xiang Yang Hong 6 e o Tansuo 1 têm atuado em regiões estratégicas como a costa leste de Taiwan e os arredores de Guam, território americano que abriga uma das principais bases militares dos EUA no Pacífico.
De acordo com dados da empresa Starboard Maritime Intelligence, sediada na Nova Zelândia e em Washington, as embarcações chinesas traçam rotas em padrões metódicos — linhas paralelas e grades apertadas — com velocidade constante de 8 a 10 milhas por hora, ideal para levantamento batimétrico, ou seja, o mapeamento detalhado do relevo do fundo do mar.
Esses dados são valiosos tanto para pesquisas ambientais quanto para aplicações militares. Conhecer a topografia submarina ajuda, por exemplo, a identificar locais adequados para esconder submarinos, posicionar sensores acústicos, detectar cabos submarinos de comunicação ou até instalar minas navais. Não por acaso, especialistas ouvidos pelo Times descrevem a iniciativa como uma forma de espionagem marinha disfarçada de ciência.
“É impressionante ver a rapidez com que a China está alcançando os outros, pelo menos em termos de escala”, afirmou Bruce Jones, do Brookings Institution. Para ele, o fundo do mar está se tornando uma espécie de novo território estratégico, onde a China pretende liderar.
No caso de Taiwan, as atividades de pesquisa chinesas se concentram na costa leste da ilha — exatamente onde estão localizadas algumas de suas principais bases navais e aéreas. O professor Ryan D. Martinson, especialista em embarcações de pesquisa chinesas do U.S. Naval War College, disse ao jornal que os dados obtidos ajudam a compreender melhor a influência da Corrente de Kuroshio, que atravessa a região com águas quentes e salgadas, criando camadas de temperatura e salinidade que afetam a propagação do som — informação crucial para a movimentação de submarinos.
“A água profunda funciona como um mil-folhas, com diferentes camadas que mudam o comportamento acústico”, explicou ao jornal J. Michael Dahm, ex-oficial de inteligência da Marinha dos EUA, hoje professor na Universidade George Washington. “Com todos esses dados, é possível saber exatamente onde esconder um submarino, ou onde ele corre mais risco.”
Outro foco de interesse da China está nos arredores de Guam. Embora Pequim tenha registro junto à Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos para explorar possíveis jazidas minerais em águas a leste da ilha, os navios de pesquisa também têm operado a oeste de Guam, em áreas sem interesse minerário conhecido. Para especialistas como Christopher Kelley, da Universidade do Havaí, essa escolha aponta para objetivos militares.
Segundo o Wall Street Journal, que também investigou o tema, o levantamento do relevo marinho pode ajudar a China a identificar rotas seguras para seus submarinos se deslocarem até o Pacífico ocidental, além de mapear áreas onde cabos americanos ou sensores subaquáticos estejam instalados.
Também falando ao NYT, Bryan Clark, do Hudson Institute, vai além: “A China pode estar buscando posições estratégicas para esconder submarinos antes de um eventual conflito, de onde poderiam emergir e atacar forças americanas.”
Apesar de operarem em águas internacionais ou zonas econômicas exclusivas — o que é permitido pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) —, as ações chinesas vêm provocando crescente desconforto regional. Filipinas, Vietnã, Austrália e Taiwan já protestaram formalmente contra a presença de navios de pesquisa chineses em áreas sob sua jurisdição ou influência.
Em maio, a guarda costeira filipina acompanhou de perto uma embarcação chinesa que operava sem autorização em sua zona econômica. Na Austrália, um episódio semelhante ocorreu em março. E em Taiwan, o governo chegou a encontrar boias de monitoramento chinesas flutuando perto da costa leste da ilha. “É difícil ver isso como algo normal”, disse Kuan Bi-ling, ministra do Conselho de Assuntos Oceânicos de Taiwan.
A preocupação não é apenas com o presente. A China tem investido em uma vasta rede de sensores subaquáticos, conhecida como Grande Muralha Submersa, que, segundo analistas, pode servir como sistema de vigilância de submarinos, estendendo-se até regiões próximas às bases americanas. Essa arquitetura, somada à frota crescente de navios civis com capacidades militares, transforma a pesquisa oceânica chinesa em um instrumento silencioso de influência e poder.
Enquanto isso, o país defende sua atuação como parte de um esforço legítimo de desenvolvimento científico e integração global. Um exemplo disso é sua adesão à iniciativa internacional Seabed 2030, que busca mapear 100% do fundo oceânico até o final da década.
Mas para muitos governos e analistas de defesa, a linha entre ciência e estratégia nunca foi tão tênue. E no fundo dos oceanos, uma nova corrida geopolítica e militar já está em curso — invisível, silenciosa, tensa e potencialmente conflituosa.
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Comentários (1)
F-35- Hellfire
2025-07-11 22:09:29Se queres a paz, prepara-te para a guerra! Isso vale para os dois lados....