Deixem o Congresso trabalhar
Se Luís Roberto Barroso afirmou que "não se mexe em instituições que estão funcionando", então é preciso justamente mexer na Constituição para que as instituições possam voltar a funcionar
A aprovação de duas Propostas de Emenda Constitucional (PECs) sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) levantou uma onda de revolta na academia, na imprensa e no STF.
Ministros do STF foram ao plenário se defender. O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso (foto), disse "não se mexe em instituições que estão funcionando".
Jornalistas apelidaram as PECs de "pacote anti-STF" e reduziram tudo a uma vingança de Arthur Lira após as decisões de Flávio Dino contra as emendas impositivas dos parlamentares.
Na tentativa de desmerecer as duas iniciativas, houve até quem dissesse que "a sobreposição do Congresso ao Supremo não existe em nenhuma democracia do mundo".
Mas a verdade é que o controle parlamentar da Suprema Corte existe em vários países. Não há nada de anormal nisso.
Quando o Congresso discute o assunto, é justamente para reestabelecer um princípio constitucional: o equilíbrio entre os três Poderes.
A sobreposição do Congresso
Das duas PECs, a de número 28 é a que mais tem gerado críticas.
O texto diz que, se o Congresso considerar que o STF ultrapassou o exercício adequado de sua função de guarda da Constituição, poderá sustar a decisão.
Mas há várias condicionantes para impedir um uso oportunista ou exagerado desse dispositivo.
Para o Congresso barrar uma decisão do STF, seria preciso contar com a aprovação de dois terços dos integrantes das duas Casas legislativas. Dois anos depois, uma nova votação seria necessária para referendar a anterior.
"Essa ideia é muito parecida com o que existe no Canadá, com a diferença de que, lá, quem vota para referendar a decisão anterior é a legislatura seguinte. Então, aguarda-se uma renovação do Parlamento e, se ocorre uma segunda sustação, ela é definitiva", diz o advogado Matheus Carvalho Dias, diretor-executivo da Associação Nacional de Juristas Evangélicos, Anajure. "No modelo canadense, a segunda votação, com caráter definitivo, me parece mais razoável e bem pensada."
Segundo a PEC 28, mesmo que o Congresso referendasse a anulação de um ato do STF, a Corte poderia retomar o assunto com uma maioria qualificada de magistrados no plenário.
A PEC 8, que limita as decisões monocráticas, é ainda mais consensual.
"Essa PEC 8 me parece constitucional e bastante razoável. Realmente, parece ser um risco ao sistema juridico-normativo que uma lei, proposta, deliberada, votada e promulgada pelo Parlamento, possa ter a sua eficácia suspensa pela decisão de um único ministro que, inclusive, não tem prazo certo para colocar a situação para apreciação do pleno do STF", diz Antonio Celso Baeta Minhoto, doutor em direito público e constitucional e professor da Universidade Municipal de São Caetano do Sul.
Última palavra
No mais, a ideia de que o STF deve dar sempre a última palavra precisa ser analisada com cautela.
"Tudo depende da teoria que o analista se apega. A Teoria dos Diálogos Institucionais, de matriz canadense e americana, nega que a última palavra possa ser dada pela Suprema Corte", diz Antonio Sepúlveda, pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ.
"Não há dúvida de que a decisão do STF vale para o caso julgado. Todavia, o Congresso pode se opor e regular contrariamente ao decidido em última instância", diz Sepúlveda. "O STF dá a última palavra num determinado caso, mas o diálogo institucional não se encerra aí."
Equilíbrio entre os três Poderes
O argumento de que as PECs violam o equilíbrio entre os três poderes é furado porque esse equilíbrio foi perdido.
Quando os constituintes que escreveram a Carta de 1988 aprovaram o texto, eles não tinham ideia de que os ministros do STF, sozinhos, iriam suspender leis aprovadas pelo Congresso, censurar contas de indivíduos nas redes sociais ou anular multas de grandes empresas condenadas por corrupção.
Os consituintes também não imaginavam que os ministros do STF indicariam seus amigos para a Procuradoria-Geral da República, participariam de convescotes no exterior com empresários ou dariam declarações políticas a torto e direito.
Se Luís Roberto Barroso afirmou que "não se mexe em instituições que estão funcionando", então é preciso justamente mexer na Constituição para que as instituições possam voltar a funcionar.
Assista ao Papo Antagonista desta quinta, 10:
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