20.09.2024 Assinar
Crônica

O flanco aberto entre os democratas

Para entender o quadro eleitoral é crucial desligar-se das pesquisas nacionais e focar nas sondagens estaduais, em especial dos swing states

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Márcio Coimbra
6 minutos de leitura 20.09.2024 01:00 comentários 0
A candidata Kamala Harris. Reprodução: redes sociais

Desde a desistência de Biden, podemos dizer que existe disputa na eleição presidencial norte-americana. Se nos dias anteriores, diante da primeira tentativa de assassinato de Donald Trump, o pleito estava nas mãos do republicano, com a troca de candidato no campo democrata, a disputa se reequilibrou e permanece indefinida. Para entender este desenho, é importante compreender como funciona a dinâmica do sistema eleitoral e onde estão as chances de cada um nesta disputa.

Os Estados Unidos são uma república formada por entes federados que decidiram se unir e o peso de cada um em uma eleição presidencial é decidido pelo total da população de cada estado. Quanto mais populoso, mais delegados. Desta forma, a Califórnia, que possui 39 milhões de habitantes, possui 54. Nova York, com 19 milhões, 28, enquanto o Montana, com 1,1 milhões, elege apenas 4 e a Virgínia, com 8,6 milhões de habitantes, 13 delegados.

Na soma de todos os estados são eleitos 538 delegados e aquele que alcançar a maioria, ou seja, 270, vence. O sistema pode parecer confuso, mas funciona de forma muito simples. Vale lembrar uma regra muito importante: estamos diante de eleições estaduais, ou seja, quem vencer em cada estado, leva todos os delegados. Isto significa que se um candidato vencer, mesmo que por margem muito estreita, leva todo estado (the winner takes it all). Como toda regra possui uma exceção, dois optaram por dividir seus delegados proporcionalmente aos votos, são eles Nebraska, com 4 votos e Maine, com 2 votos. Em todos os demais, vale a regra geral.

Tradicionalmente, republicanos e democratas possuem bastiões intocados, ou seja, estados que votam tradicionalmente com cada partido e certamente irão entregar-lhes a vitória. Os democratas vencem sempre na Califórnia (54), Washington (11), Havaí (4), Massachusetts (11), New Jersey (14), Minnesota (10), entre outros. Os republicanos vencem tradicionalmente no Texas (40), Kentucky (8), Utah (6), Florida (30), Missouri (10) e Iowa (6), entre outros. Isto significa que a eleição é decidida por estados que por vezes votam com os democratas e por outras vezes votam com os republicanos, os chamados swing states, chamados no Brasil de “estados-pêndulo”.

O foco das campanhas de Kamala Harris e Donald Trump está neste contingente de estados que definirão os rumos da eleição, a saber: Arizona (11), Nevada (6), Georgia (16), Carolina do Norte (16) e especialmente as três joias da coroa: Michigan (15), Wisconsin (10) e a cobiçada Pensilvânia (19). Em 2016, Trump venceu a eleição nacional após ganhar por estreita margem no Michigan, Wisconsin e Pensilvânia. Uma soma de 46 delegados que assegurou sua vitória por 306 votos. Em 2020, a perda destes três estados foi crucial para sua derrota, quando atingiu apenas 232 delegados.

No dialeto político, Trump pode também optar por avançar pelo chamado blue wall, conjunto de estados do leste, centro-oeste e oeste que tradicionalmente se tornaram democratas, algo que desestabilizaria a campanha de Kamala. Se conseguir arrancar apenas uma vitória em um destes estados, suas chances de êxito se multiplicam. Como em uma jogada de xadrez, enquanto os democratas esperam um ataque nos estados-pêndulo, os republicanos podem optar por desestabilizar um bastião democrata. É raro, mas pode acontecer.

No jogo político eleitoral, para além das estratégias, é essencial olharmos para uma região em específico, o chamado Rusty Belt ou “Cinturão da Ferrugem”, localizada no nordeste, centro-oeste e partes mais ao norte do sul dos Estados Unidos. Inclui o norte do estado de Nova York, Pensilvânia, Ohio (17), Virgínia Ocidental (4), Indiana (11), Illinois (19), a Península Inferior de Michigan, sudeste de Wisconsin e pequenas partes de Kentucky, Maryland (10), New Jersey e a área metropolitana de St. Louis no Missouri. Uma região que entregou votos muito importantes para Trump em 2016 e oscilou para Biden em 2020.

Cinturão da Ferrugem

Certamente a senha para a vitória passa pelo êxito em distritos importantes do Cinturão da Ferrugem, especialmente aqueles que pereceram economicamente com o declínio da indústria e a desleal concorrência chinesa. J.D Vance, o vice de Donald Trump, é especialista nesta área. Sua família veio do Kentucky e depois se estabeleceu em Ohio. Ele cresceu em meio ao declínio econômico desta região, algo que afetou diretamente sua família. Ao se eleger como Senador por Ohio, seu foco passou a ser a revitalização econômica do cinturão, algo que se torna um trunfo eleitoral essencial para Trump.

Acredito que o caminho para a vitória neste ano passará por três estados com conexão direta com o Rusty Belt: Pensilvânia, Michigan e Wisconsin. Desde 1992, sob a liderança de Clinton, estes estados faziam parte do Blue Wall, porém, em 2016 Donald Trump alcançou a vitória nos três, encerrando quase três décadas de domínio democrata. Neste ano, vencer ali (ou apenas na Pensilvânia) pode novamente tirar a vitória das mãos dos democratas.

Kamala Harris permitiu a abertura deste flanco ao escolher Tim Walz como vice em sua chapa, governador de um conhecido estado tradicionalmente democrata, o Minnesota. Com este gesto, ela deixou de fora o popular governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, que comanda aquele que talvez seja o estado-chave deste ciclo eleitoral. Se Kamala sair derrotada, Shapiro é candidatíssimo ao posto de líder dos democratas e provável candidato à sucessão presidencial em 2028. Estaria ele disposto a gastar seu capital político com quem o preteriu e pode fechar as portas para suas pretensões presidenciais no curto prazo?

Outro nome essencial neste ciclo eleitoral é Gretchen Whitmer, também uma popular governadora. Seu estado, o Michigan, é essencial nesta eleição, porém, Gretchen foi preterida dentro do partido, que decidiu internamente pela vice de Joe Biden. Seu nome foi amplamente ventilado em diversas frentes democratas, mas Kamala foi mais forte e se impôs. Resta saber se as sequelas da escolha podem mexer com o empenho da governadora, que pode ajudar (ou não) a entregar os importantes votos de seu estado.

Para entender o quadro eleitoral é crucial desligar-se das pesquisas nacionais e focar nas sondagens estaduais, em especial dos swing states, pois a eleição será definida neste pequeno universo de eleitores. As projeções variam sensivelmente e hoje mostram Kamala vencendo no Michigan por 0,7% e Wisconsin por 1,2%. Trump vence na Pensilvânia por 0,2%. Nos demais, ela está na frente em Nevada por 1,2% e ele lidera na Georgia por 0,2%, Carolina do Norte por 0,4% e Arizona por 1,3%. Como vemos, Kamala reposicionou os democratas no tabuleiro, mas deixou aliados feridos pelo caminho. Um jogo que voltou aos patamares tradicionais e será definido no detalhe pela inclinação dos “estados-pêndulo”. A conferir.

Márcio Coimbra é cientista político e presidente do Instituto Monitor da Democracia e Conselheiro da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig)

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