As cadeiras não têm nada de metafísicas
Nesta semana só se fala em cadeiras. Dá vontade de parodiar o Fernando Pessoa e dizer (ou melhor, escrever): “Fala em cadeiras, pequena, olha que não há mais metafísica no mundo senão cadeiras”. O diabo é que as cadeiras não são nem têm nada de metafísicas: são físicas, isso sim, muito físicas. Aliás, não somente...
Nesta semana só se fala em cadeiras. Dá vontade de parodiar o Fernando Pessoa e dizer (ou melhor, escrever): “Fala em cadeiras, pequena, olha que não há mais metafísica no mundo senão cadeiras”. O diabo é que as cadeiras não são nem têm nada de metafísicas: são físicas, isso sim, muito físicas. Aliás, não somente as cadeiras são físicas, mas físicos também são os bancos – os de sentar, bem entendido, não os de depositar ou pegar dinheiro emprestado. A semana, pois, foi isto: cadeiras e bancos, bancos e cadeiras.
No que tange às cadeiras, tivemos a cadeirada dada pelo candidato Datena no candidato Marçal durante debate de, ora, veja só, candidatos à cadeira (não às cadeiradas) de prefeito de São Paulo. O debate e a cadeirada foram levados ao ar e ao público no domingo à noite pela TV Cultura. Cultura, candidatos, cadeirada, nessa ordem.
É verdade que eu andei reclamando por aqui do quão sem sal, do quão mornos e chatos andam os debates de hoje em dia se comparados aos de antanho, e pus a culpa disso na sensaboria dos debatedores. Mas o telecatch que eu estava pedindo era a volta das boutades, dos insultos criativos, das frases memoráveis; em vez disso, o que me deram foi um momento de torcida organizada, uma arquetípica briga de bar, um exemplo eloquente do que os homens públicos do meu país têm a oferecer quando ouvem a palavra “decoro”.
Isto, como dito, no domingo. Na terça-feira, novo debate (o pessoal parece que não cansa) – desta vez, creio, na Rede TV – demandou dos contrarregras o serviço chato de aparafusar as cadeiras ao chão do estúdio. Quer dizer: ninguém teve a mais tênue ilusão de que, depois do tumulto, os candidatos – ou, vá, pelo menos um dos candidatos – passariam a se comportar como gente apta a governar a maior cidade do país, ou, vá, só como gente. Não. Mais fácil e mais seguro é tirar-lhes, conforme seja possível, os meios de ser bárbaros. Como dizia Stanislaw Ponte Preta: já que não dá para mudar nem confiar nos candidatos, vamos mudar as cadeiras e confiar nos parafusos. Brasil.
Brasil sendo Brasil, aliás, a cadeirada rendeu memes e piadas a valer. Não preciso repeti-los aqui; na altura da publicação desta crônica, o amigo já teve tempo de conhecer todos e de se fartar de todos também. Não tem problema nenhum com piada, eu também faço e gosto. Mas devia ter problema um candidato dar uma cadeirada em outro e a coisa passar em brancas nuvens. Por mais detestável e detestado que seja o cadeirado, é preciso ao menos a gente fingir que é civilizado, que há regras enfim, e dizer pro cadeirador: “Ô, amigão, aí não; aí passamos dos limites. Isto aqui não é arquibancada, botequim, programa de mundo cão, nem velório de bígamo. Viemos aqui debater, não bater. Cartão vermelho pro senhor”.
Mas não somos nós, os brasileiros, que dizemos que quem tem limite é município? Fiquemos com o que temos.
E quanto ao banco? O banco, pobre banco, pagou o pato de ser banco e não banca nem bancada. Ele estava num palco fazendo companhia à, ou acomodando os glúteos da, dita cantora Daniela Mercury num evento qualquer em Salvador, e foi por ela arremessado fora para que ela, a dita cantora, tivesse espaço para sua performance “intensa e enérgica”.
A dona do banco assim defenestrado, ou despalcado, uma empresária, não gostou e reclamou. Dona Daniela respondeu à reclamação e justificou seu ato não com a invocação dos direitos de Terpsícore, a Musa da Dança, ou de Euterpe, a Musa da Música, ou de uma qualquer Górgona dos arremessos, mas sim louvando seu empoderamento feminino ante a soez masculinidade do substantivo “banco”.
Para resumir a parada, ou a arremessada: dona Daniela disse que teve que jogar o banco longe porque pediu para que o tirassem e ninguém o tirou. E não o tiraram, segundo ela, porque era banco, masculino, donde se deduz que se fosse banca ou bancada, femininas, tiravam. Daí sua única saída foi empoderar-se e, musculatura em dia, atirar o banco machista, o banco sexista, o banco casmurro para longe da sua performance feminina-feminista dançante, intensa e enérgica.
Vivas para ela, morras para o banco e para qualquer outro objeto de gênero masculino que se meta entre as mulheres e suas artes. Não bastassem os maus homens, também os maus substantivos masculinos precisam ser postos no seu lugar. Ponham-se-lhes limites, tal como os têm os municípios e a paciência das cantoras.
Orlando Tosetto Jr. é escritor
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Comentários (1)
Carlos Renato Cardoso Da Costa
2024-09-20 03:46:07Não soube do caso do banco. A justificação é tanto sensacional, como hilária e inacreditável. Alguém REALMENTE engole tamanha sandice?