Rovena Rosa/Ag. BrasilA situação das grandes, médias e pequenas cidades brasileiras é de degradação profunda

Como tornar as cidades brasileiras menos feias

A situação das grandes, médias e pequenas cidades brasileiras é de degradação profunda – o centro de São Paulo, por exemplo, parece um cenário pós-guerra
28.06.24

A princípio, pensei em intitular esse artigo de “como embelezar as cidades brasileiras” — mas embelezar seria um passo posterior. A situação das grandes, médias e pequenas cidades brasileiras é de degradação profunda – o centro de São Paulo, por exemplo, parece um cenário pós-guerra. 

A primeira coisa a ser feita é também a mais difícil: diminuir a violência a padrões aceitáveis. É a violência a causa de boa parte da feiura das nossas cidades: os muros (cada vez mais altos) interpõem-se entre a rua e as casas, prédios e jardins. E, para completar, esses muros viram alvos fáceis de pichadores.  

Os muros, não raro encimados por arame farpado, cacos de vidro ou cercas elétricas, produzem um visual opressivo e distópico no espaço urbano. E são resultado de uma necessidade imediata de proteção contra a violência – que tem um número de mortes semelhante ao de uma guerra. 

A insegurança produz também outro efeito colateral: os casarões e prédios históricos (concebidos num contexto em que a violência urbana era menor) precisam ser adaptados. Janelas e portas são tapadas com alvenaria, a fachada é desfigurada. O patrimônio histórico brasileiro sofreu muito por causa dessa circunstância específica. E ainda sofre.  

Se os roubos, assassinatos e estupros diminuírem no Brasil veremos outro cenário urbano: menos muros e grades, mais fachadas, janelas e jardins – ou seja, veremos a arquitetura brasileira (respeitada no mundo inteiro) aparecer.  

Outra coisa que ajudaria: remover a fiação aérea. O Plano Piloto de Brasília e o centro histórico de algumas cidades brasileiras (como a Rua do Bom Jesus, no Recife, e a Avenida Duque de Caxias, em São Paulo) já tem fiação subterrânea e o resultado visual é inegável. O problema não é só fio de eletricidade – é telefonia, TV a cabo, internet, que vão se acumulando nos postes. Além de ser muito feio é também perigoso: a queda de um poste desses pode ferir ou eletrocutar uma ou várias pessoas – com a fiação subterrânea fica mais bonito e mais seguro. 

Outro problema é a concentração populacional em unidades habitacionais. Um assunto que é administrativo, pois tanta gente num conjunto habitacional ou num prédio (muitas vezes com uma população maior que municípios inteiros) é inadministrável. E isso tem efeito estético: um condomínio mal administrado fica sem manutenção, feio, degrado e favelizado. Dois exemplos são bastante ilustrativos: o Edifício São Vito, em São Paulo, conhecido como treme-treme, e o Edifício Holyday no Recife. Ambos foram mal administrados e se favelizaram. A degradação foi tão grande que precisaram ser desocupados

A concentração urbana é um obstáculo: o interior do Brasil é desocupado e subdesenvolvido, as cidades são inchadas. É preciso um desenvolvimento sustentável em direção ao interior, e a diminuição do tamanho das metrópoles – que são grandes e degradadas. Cidades menores, mais organizadas e mais bonitas 

Existe um preconceito muito difundido entre arquitetos contra o chamado falso histórico. Construções novas que utilizam estilos históricos – critica-se até o Pateo do Collegio, no centro de São Paulo, por ter sido uma igreja reconstruída. Ora, boa parte dos prédios históricos que existem hoje na Europa – e que são muito visitados, como o Campanário de São Marcos e o teatro La Fenice em Veneza – seriam considerados falsos históricos, porque foram reconstruídos depois de incêndios ou bombardeios na guerra. No Brasil, perde-se a oportunidade de construir prédios – inclusive totalmente novos – no estilo antigo, produzindo harmonia no conjunto urbano, e beleza.  

Desde a pandemia vem acontecendo o esvaziamento dos centros das grandes cidades – o que é péssimo para o comércio pode ser uma oportunidade para restaurar e reconstruir o patrimônio histórico, e construir novas obras que tenham um diálogo mais profundo com a tradição arquitetônica brasileira.  

 

Josias Teófilo é jornalista, escritor e cineasta

 

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  1. Um bom momento para os grandes planejadores urbanos será a reconstrução das cidades destruídas no RS. Uma boa dica é se inspirar nas cidades da Holanda, que já sofreram muito com alagamentos. Vamos ver se saberão (re)construir de forma inteligente, afinal, parte da região não era mesmo viável de ser urbanizada.

  2. Eu vivo em Portugal, Cascais. Já visitei muitas cidades aqui e em países vizinhos! Todas as cidades são maravilhosas. Creio que exista uma necessidade de atrair turistas e elas competem umas com as outras. Não sei o que acontece no Brasil que tudo é muito feio!

  3. Parabéns pelo artigo. Não necessita ir a Europa para ver fios escondidos e não essas árvores de natal que são os postes no Brasil. Cruzando a fronteira verá que não existe quase rede aérea de alta tensão até nas cidades pequenas.. Brasília onde moro também tem fiações aéreas inclusive onde moro no Lago Norte. E agora saiu uma "Plano de preservação" que vai servir para destruir mais a cidade e torná-la mais feia.

  4. Muito bom texto! É exatamente isso que eu, moradora na Alemanha há quase 40 anos, observo quando vou ao Brasil: as cidades são horrorosas, verdadeiros lixos a céu aberto, tudo pichado, uma grande favela. Por falar em Alemanha, se aqui tb proibissem o falso histórico, o país não existiria. Quem estudou pelo menos um pouquinho de história sabe que no país não ficou pedra sobre pedra depois da guerra. Nuremberg é uma cidade TOTALMENTE reconstruída, com cara de cidade super antiga, só como exemplo.

    1. A fiação pendurada p/toda parte piora ainda + a feiura das cidades. Infelizmente isso ñ é só no BR, nos EUA vi isso p/toda parte,principalmente nas cidades gdes. Um horror e um gde perigo! Mas antes de mudar tudo isso é preciso mudar outras coisas.Os brasileiros gostam mto de aparentar o q não são e de mostrar o q não têm.Compram carro novo p/pagar em 10 anos,mas ñ consertam as goteiras da própria casa,ralos saindo baratas,o lixo amontoado p/toda parte,a geladeira estragada, tudo um descuido só.

  5. Adorei o artigo e concordo plenamente!!! Moro em Santos (um paliteiro em formação) onde os destruidores das construções antigas estão cada vez mais afiados!

  6. Cabos de energia e comunicações no solo tem altíssimo custo. Aqui no Brasil não temos neve sobre os cabos de energia. E creditar à violência ,somente, a existência de grades e cercas é simplório demais

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