Rosinei Coutinho/SCO/STFA censura virou um círculo vicioso. É preciso censurar cada vez mais para manter a censura ativa

O paradoxo da censura

Proibição de algo, muitas vezes, induz à prática ou no mínimo o interesse. Censura chama a atenção àquilo que é censurado
19.04.24

Certa vez, numa escola religiosa, a madre superiora observou que as alunas ficavam olhando para os seminaristas. Ela perguntou: “Por que vocês só se interessam pelos seminaristas, não sabem que eles não podem namorar?”. Ao que elas responderam: “É que o proibido é mais gostoso”.

Essa historinha mostra bem como a proibição muitas vezes induz à prática ou, no mínimo, o interesse. Lembro que na fazenda de uma instituição religiosa que conheci, com várias cachoeiras, colocaram uma placa dizendo: “Proibido nudez”. Tiveram que retirar a placa pois notaram que ela estava incentivando aquela prática que proibia.

No caso da censura – que é remoção ou proibição de circulação de informação ou de bens simbólicos – a situação é semelhante: a censura chama a atenção àquilo que é censurado. 

A Igreja Católica, por exemplo, parou de proibir filmes já há várias décadas pois notou que a proibição os promovia enormemente. O sucesso comercial de La Dolce Vita, de Fellini, por exemplo, se deve em grande parte à proibição da igreja.

Em tempos de internet, essa situação é ainda mais ressaltada: ganhou até nome o efeito de proibir ou tentar censurar algum tipo de informação que se volta contra o censor. É o Efeito Streisand, termo relacionado à atriz americana Barbara Streisand, que tentou censurar uma foto de sua propriedade, foto que havia sido vista poucas vezes. Depois do processo, ela foi compartilhada centenas de milhares de vezes na internet.

É um paradoxo: a censura chama atenção àquilo que é censurado. É preciso um enorme aparato para reverter esse efeito, que envolve mais censura, ações judiciais, cerceamento das liberdades individuais.

Nesse sentido, o trecho do relatório do Congresso americano sobre a censura no X (ex-Twitter) no Brasil é bastante eloquente: “Moraes ordenou a censura de um cidadão brasileiro por criticar Moraes por censurar brasileiros.”

A censura virou um círculo vicioso. É preciso censurar cada vez mais para manter a censura ativa. É como um antibiótico que precisa ser dado em doses cada vez maiores, o que pode terminar por matar o paciente.

A partir da segunda década deste século, no Brasil, consolidou-se a existência de uma nova direita. Esse movimento tem como uma das principais características o uso massivo das redes sociais. E não é à toa que tem essa característica: após a redemocratização, a esquerda tornou-se hegemônica nas instituições. Alguém que estude um autor de direita – até mesmo Gilberto Freyre, hoje em dia – terá grandes dificuldades de conseguir um orientador numa universidade federal, para dar só um exemplo.

A nova direita, não conseguindo espaço nas instituições, refugiu-se na internet e terminou por ser pioneira nesse ambiente – produtos digitais, cursos, memes mudaram o cenário político brasileira. É que as massas não são mais físicas, elas são também digitais. A grande questão da política na modernidade é o controle das massas – o que hoje inclui as massas digitais.

O Inquérito de Fake News foi a resposta do establishment político brasileira à ascensão da nova direita, iniciado em 2019 – primeiro ano do governo Bolsonaro –, e ao extraordinário sucesso que a nova direita teve nas redes sociais. A eleição de 2022 foi o auge da censura. Ali aconteceu um fato inédito: o produto digital da produtora Brasil Paralelo sobre a facada em Bolsonaro foi censurado sem mesmo ter sido assistido. Durante a ditadura, os filmes censurados eram vistos, e era feito um relatório detalhado sobre o motivo da censura – inclusive eles eram primeiro exibidos e só depois censurados (quando isso acontecia). No caso do filme sobre Bolsonaro, pela primeira vez, a censura não levou em conta o conteúdo da obra audiovisual, apenas a sua temática e a posição política dos realizadores.

De lá para cá, as coisas não melhoraram. A opção parece ser a de simplesmente censurar e perseguir perfis por sua posição política – em geral aqueles classificados como de direita radical ou populista. Até que um fato singular aconteceu: o bilionário construtor de foguetes Elon Musk interessou-se pela situação brasileira, e enviou o Congresso americano o conteúdo dos pedidos de censura enviados à plataforma.

Um dos pedidos afirma sem rodeios que era imprescindível o “afastamento excepcional de garantias individuais”, referindo-se ao Monark.

A situação agora parece ser a seguinte: para manter a censura vai ser preciso dobrar a aposta e censurar ainda mais, inclusive a plataforma X inteira do Brasil – o que causaria danos sem precedentes.

 

Josias Teófilo é jornalista, escritor e cineasta

 

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  1. Os ditadores, sem nenhuma exceção, temem a verdade duramente exposta pela liberdade, a igreja católica torturou, matou e queimou, no "istado" pôdre Brazyllis institucionais "pudêris" acolitados se rendem ao orçamento e ao crime organizado ... e, acreditem, a isto chamam democracia popular.

  2. Num primeiro momento podem até conseguir censurar, mas não durará muito até que se encontrem novos artifícios para burlar essa censura. É o tal problema das mocinhas com os seminaristas.

  3. A vaivade dos principais agentes envolvidos (ministros do STF - Moraes e Gilmar, por exemplo), com o imenso poder monocrático, não os deixa recuar, levando a essa escalada das arbitrariedades, creio

  4. Gostei muito. Fiz trabalho sobre propaganda no Estado Novo. Ela vem na mesma medida da censura. São faces da mesma moeda. Ambas se intensificavam proporcionalmente naquela época.

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