Feliz Dia Internacional da Democracia!
O apreço por autocratas que temos visto nos últimos anos pelos presidentes brasileiros não é apenas uma falha de caráter individual, mas um sintoma de uma democracia em declínio, onde os princípios fundamentais estão sendo corroídos. Ambos os líderes, Lula e Bolsonaro (foto), embora opostos em muitos aspectos, compartilham um apreço por regimes antidemocráticos, fato...
O apreço por autocratas que temos visto nos últimos anos pelos presidentes brasileiros não é apenas uma falha de caráter individual, mas um sintoma de uma democracia em declínio, onde os princípios fundamentais estão sendo corroídos. Ambos os líderes, Lula e Bolsonaro (foto), embora opostos em muitos aspectos, compartilham um apreço por regimes antidemocráticos, fato incompatível com os princípios de uma sociedade liberal. O mundo enfrenta um período de recessão da democracia nesta terceira década do século 21.
O Dia Internacional da Democracia, instituído pelas Nações Unidas em 1997 e celebrado sempre em 15 de setembro, já foi vivido em melhores momentos. A emergência de regimes autoritários em todos os continentes e de iniciativas políticas que prometem reverter as tendências de abertura e cooperação, que pareciam seguras nos anos 1990, nos trazem à reflexão sobre a fragilidade de instituições democráticas, que necessitam mais do que de boas intenções para sobreviver.
A prática da democracia é sempre um projeto em andamento, construído a milhões de mãos, com muitos desafios, e com as contradições inerentes às sociedades abertas. A ideia do poder exercido pelo povo encontra entraves quando partes diferentes do povo veem o exercício do poder de forma diferente. Numa democracia liberal, as arestas entre os campos divergentes são debatidas na sociedade, acordadas pela política e, em última instância, votadas. E o Brasil, com a redemocratização às portas de completar 40 anos, precisa aperfeiçoar sua estabilidade democrática com compromisso com as liberdades, paciência e visão de futuro.
O voto é importante, mas não suficiente, para uma ordem democrática. A chave é o ambiente em que a disputa pelo voto acontece: se a organização política e a participação de eleitores numa eleição não é livre de interferências, por exemplo, não se pode dizer que o voto é atestado de democracia. Nesse erro, caem lamentavelmente Lula e Bolsonaro, defensores recreativos de regimes antidemocráticos.
A relativização das garantias democráticas e a substituição de princípios e valores pelo pragmatismo de ocasião também nos ameaçam nesta primeira metade de século. Estes fenômenos são particularmente preocupantes no contexto político brasileiro, onde ações monocráticas de membros do Judiciário subvertem princípios basilares das liberdades civis em nome da proteção contra possíveis ameaças que, superestimadas, apenas turbinam o poder daqueles que supostamente as contém. O legislativo também opera na contramão das melhores práticas, diminuindo a eficácia de instrumentos de fiscalização e transparência, diversificando seus meios de alocar recursos discricionariamente, e concedendo a seus membros e partidos políticos anistia para punições pelo mau uso do dinheiro público.
No Poder Executivo, no mais alto cargo da nossa democracia, Lula e Bolsonaro, os dois líderes que dominaram a cena política brasileira nos últimos anos, exemplificam algumas dessas tendências preocupantes. Recentemente, o governo Lula ventilou rever a participação do Brasil no Tribunal Penal Internacional para proteger o autocrata russo Vladimir Putin da possibilidade de prisão. O ex-presidente Jair Bolsonaro, que mesmo inelegível por decisão judicial, permanece como o principal líder da oposição ao governo atual, jamais escondeu seu apreço por governos autoritários nacionais ou estrangeiros. Para que não restasse dúvidas sobre seu desapreço pela ordem democrática, Bolsonaro mantinha fotos de ditadores brasileiros na parede de seu gabinete na Câmara dos Deputados, algo impensável para líderes de tal estatura em países de democracia mais madura.
As declarações estapafúrdias de grandes líderes, mesmo que apenas verborragias delirantes direcionadas à militância radical, são mais do que apenas palavras. A instabilidade política tem implicações econômicas diretas. A incerteza jurídica e a falta de transparência afetam o clima de investimento e, por extensão, o crescimento econômico. Em um ambiente onde as regras do jogo podem mudar repentinamente, os investidores se tornam cautelosos. A economia, como um sistema complexo, é sensível a mudanças no ambiente político e institucional. Assim, a erosão da democracia tem o potencial de criar um ciclo vicioso, onde a instabilidade política leva à instabilidade econômica, que por sua vez alimenta mais instabilidade política.
O Brasil está em uma encruzilhada crítica. A escolha entre o fortalecimento das instituições democráticas e o declínio para o autoritarismo não é apenas uma questão política, mas também econômica. A sociedade civil, as instituições acadêmicas, a mídia e a política têm um papel vital a desempenhar na promoção de um debate informado. Apenas através de um esforço coletivo para fortalecer as instituições democráticas é que o Brasil poderá superar os desafios atuais e construir uma democracia mais robusta e resiliente.
O Dia da Democracia deve ser o momento em que olhamos atentamente para nós mesmos. A normalidade democrática, novidade no país, comemora em menos de quatro décadas o seu recorde sem rupturas, e certamente menos emocionante para os acostumados com as surpreendentes viradas de roteiro da nossa política, é fundamental. Também fundamental, no entanto, é saber o que temos feito com nossas liberdades --que, mesmo em 1985, não nos foram entregues, mas conquistadas.
Magno Karl é diretor-executivo do Livres
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Comentários (3)
Amaury G Feitosa
2023-09-15 16:39:02No Censor svp ... que democracia temos em Macunaíma Island com ditadores esmagando a nação e sistematicamente violando a liberdade bem maior da humanidade tutelando o Estado e mantendo sob curatela toda u6ma nação? E o pior ainda está por vir !!!
Marcia Elizabeth Brunetti
2023-09-15 11:45:33As festividades já começaram desde cedo na República DEMOCRÁTICA Popular da Coréia. Mas não vi por aqui, ninguém se organizando para a comemoração. Nem Lula - Pai do Pobres- e nem exército com desfile de tanques fumacês. Que feio. Kkkkkk
GERALDO ALVES FARIA NETO
2023-09-15 14:02:12A democracia caminha pra obscuridade