Fale mais, Marcos do Val
Quanto mais fala, mais o senador deixa claro como é irracional e irresponsável o uso que o Congresso faz das emendas do relator
"Never explain, never complain" (Nunca explique, nunca reclame) é um adágio atribuído ao político inglês Benjamin Disraeli (1804-1881). Tornou-se, supostamente, um mandamento para os membros da família real britânica. Aponta um caminho cínico, mas seguro, para lidar com escândalos e outros dissabores da vida pública: é melhor fechar o bico, porque no meio de uma crise, qualquer palavra tende a piorar as coisas. Felizmente, os políticos brasileiros não têm a fleuma dos ingleses e raramente seguem essa máxima.
O Estadão desta sexta-feira trouxe uma entrevista do senador Marcos do Val (Podemos/ES), que recebeu R$ 50 milhões do orçamento secreto para direcionar à sua base eleitoral - o mesmo valor destinado aos líderes de partidos, posição que ele não detém. Teria sido um "agradecimento" dos colegas Davi Alcolumbre e Rodrigo Pacheco, por ele ter votado em favor desse último, contra a orientação de seu partido, na última eleição para a presidência do Senado. A reportagem pôs do Val em um corredor polonês. Ele passou a manhã inteira apanhando. No meio da tarde, entrou em contato com o canal Globonews, porque queria se explicar e reclamar.
O senador procurou apagar a ideia de que vendeu seu voto. Segundo ele, jamais houve negociação nesses termos entre ele e Pacheco. Qualquer oferta que representasse um toma lá dá cá teria sido recusada e denunciada por ele. Os 50 milhões de reais teriam sido ofertados mais tarde, em sinal de gratidão. Aliás, apenas um dia antes de vencer o prazo para que a destinação dos recursos fosse estabelecida. Do Val disse que varou a madrugada com sua equipe, escolhendo os municípios que receberiam o dinheiro.
Foi uma entrevista confusa e inconvincente. Por exemplo: do Val disse que durante a disputa pela presidência do Senado, Simone Tebet, adversária de Pacheco, lhe ofereceu um cargo em troca de voto. Ele não a denunciou - ao contrário do que garantiu que faria em situação semelhante. Se não denunciou a candidata a quem se opunha, por que apontaria o dedo contra Pacheco, o seu preferido? Mas, se dizem algo sobre o caráter de do Val, detalhes desse tipo não são o mais importante.
Admitindo que a narrativa do senador seja verdadeira, ela demonstra, para além de qualquer dúvida, como foi arbitrário o manejo dos bilhões do orçamento secreto, independentemente da existência, ou não, de compra de votos. Do Val recebeu bem mais que o dobro da média dos senadores. E por qual critério? Nada mais científico do que o capricho e a "gratidão" de Rodrigo Pacheco. A distribuição dos R$ 50 milhões, além disso, teve de ser decidida em poucas horas. Se o uso de recursos cada vez mais vultosos do orçamento para atender a encomendas picadas dos municípios já é questionável, o que dizer então de um trabalho feito de improviso, como no caso do gabinete de Marcos do Val? Esse é um retrato desolador de como o dinheiro público tem sido gasto pelos parlamentares: sem lógica ou responsabilidade. E repito, não estou sequer levando em conta a hipótese de que roubos tenham ocorrido no meio do caminho. Se houvesse mais racionalidade no uso desse dinheiro, não seria necessário atropelar as leis para socorrer os pobres, como acontece atualmente com a PEC Kamikaze.
Marcos do Val é o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2023. Ele propõe que a execução das emendas do relator se torne obrigatória, assim como já acontece com as emendas individuais e de bancada. Isso equivale a premiar um Congresso que até recentemente lutava para manter em segredo esse dispêndio. Equivale também a retirar ainda mais dinheiro de projetos nacionais, para satisfazer os interesses locais de deputados e senadores. Políticos como Marcos do Val e as práticas que ele desnudou são o motivo por que não se deve fazer isso.
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Comentários (10)
Lucia
2022-07-15 01:44:14E aos poucos a roupa suja vai sendo lavada em público…
Régis Nascimento
2022-07-14 13:07:48Dos vários nomes atribuídos a essa PEC , ficou melhor como PEC Eleitoral, pois espelha de maneira mais clara a sua inconstitucionalidade durat
Marcello
2022-07-11 19:59:41Curioso como essa gente toda engorda muito ! (boa vida!)
Erison Chagas lima
2022-07-11 09:20:27Enquanto não escolhermos melhor os vereadores, os síndicos, os deputados, etc etc., seremos dirigidos por gente qualquer - provavelmente com 2as.intenções! ! !
Joao
2022-07-11 03:14:53Este episódio mostra como é um presidente do senado: elemento representante da nata da escória da classe política. Os exemplos são inúmeros: Pacheco, Alcolumbre, Renan Calheiros, José Sarney, Jáder Barbalho, ACM, etc.
Jose Ivan Albuquerque Aguiar
2022-07-10 19:56:51Chegamos ao máximo do cinismo.Depois vende-se a Petrobrás e está tudo certo
Sônia Adonis Fioravanti
2022-07-10 13:42:35O PODEMOS PUNE QUEM FALA A VERDADE ,mas aprova votações que saqueiam o país .2 PESOS ,2 MEDIDAS
Alessandro
2022-07-10 13:33:35Cada estado com o “mamãe falei” que merece, o país com os representantes que espelham fielmente o caráter dos eleitores.
Sillvia2
2022-07-10 13:21:45Muito triste a constatação, mediante declarações do próprio “favorecido” sobre como são feitas partilhas e distribuição do suado dinheiro público, usado inclusive a título de pagamento de favores pessoais oferecidos a líder do senado… Os políticos todos estão viciados em conceder benesses a seus apaniguados usando o chapéu alheio, que pertence ao povo, eleitores que os escolheram!
Juliana
2022-07-10 11:25:52O senador deu um tiro no próprio pé e um no pé do Pacheco, ao invés de socorrer é melhor mexer no machucado pra ver o q mais tem lá dentro...