Bruno Pereira e Dom Phillips: a mensagem que fica
Com imenso pesar, todos acompanhamos no decorrer da última semana a confirmação das mortes do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista e correspondente britânico Dom Phillips, no Vale do Javari, no Amazonas. O caso está sob investigação e os corpos ainda estão sendo periciados, mas os indícios de que foram assassinados em razão de...
Com imenso pesar, todos acompanhamos no decorrer da última semana a confirmação das mortes do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista e correspondente britânico Dom Phillips, no Vale do Javari, no Amazonas.
O caso está sob investigação e os corpos ainda estão sendo periciados, mas os indícios de que foram assassinados em razão de fiscalizações e denúncias contra garimpeiros, madeireiros, pescadores ilegais e narcotraficantes nas terras indígenas da região amazônica são muitos. E a crueldade e brutalidade empregadas contra os dois foram tamanhas, que é necessário entendermos o que sofreram seus corpos como um atentado contra o direito a denunciar, a se expressar, um atentado contra a essência do jornalismo.
Respeitada a dor de familiares e amigos, vivenciada a indignação da sociedade e a comoção internacional em torno dos fatos, é preciso captarmos a mensagem que os assassinos deixaram: defender uma causa e exercer o jornalismo no Brasil são atividades muito frágeis. E a mensagem que as vítimas deixam: enfrentar a fragilidade é um exercício de resistência.
A fragilidade da atividade jornalística no país é incontestável: agentes públicos atacam veículos e profissionais de imprensa, a legislação cada vez mais criminaliza a atividade, o judiciário persegue sistematicamente aqueles que fiscalizam os poderes da República. A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) aponta que os ataques a jornalistas cresceram no país mais de 200% nos últimos anos. No índice global de Liberdade de Imprensa de entidades como a RSF (Repórteres sem Fronteiras), o Brasil se encontra ao lado de países sob regimes ditatoriais e em guerra.
Há quem alegue ser o jornalismo criticado e perseguido pela sua má qualidade e por ter se corrompido. Ainda que fosse verdade, não explicaria os índices. O jornalismo de má qualidade não merece crítica, mas ser ignorado. O jornalismo corrompido não incomoda poderosos, mas os agrada.
O jornalismo não está sendo ignorado, está sendo atacado; e seus profissionais estão sendo censurados, presos e mortos. E isso em razão de incomodarem, fiscalizarem e serem lidos. É muito triste – mas verdadeiro – que mortes como estas sirvam para demonstrar que na fragilidade encontramos foco de luta e de resistência.
E os que discursam contra a credibilidade da imprensa, estimulando que você, leitor, assista à morte de jornalistas como quem assiste à morte de pernilongos inconvenientes, são justamente os poderosos que a imprensa fiscaliza, os que a atacam, os que sequer possuem credibilidade para ser questionada.
André Marsiglia é advogado. Escreve sobre Direito e Poder
@marsiglia_andre
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Comentários (10)
Maria
2022-06-20 13:18:08André, me permito adicionar um comentário de leiga: a pobreza visível do lugar me chamou a atenção! E me faz pensar que, sem abordar essa questão, ambientalistas e os poucos jornalistas honestos e heróis não vão conseguir vencer a barbárie na defesa da Amazônia.
Marco
2022-06-20 10:56:07Muito triste tudo isso, mas tenho que concordar com vários comentários anteriores, até parece que eles queriam se suicidar ou estavam muito mal informados sobre o perigo que havia naquela região. E em relação à jornalistas, muitos precisam fazer uma reflexão e verem se estão fazendo jornalismo, ou se são apenas cabos eleitorais de políticos. E aqui estou falando de políticos, independente da ideologia.
Marcos
2022-06-20 09:47:16A mensagem que fica é que não entre numa selva sem treinamento e sem autorização. Ainda mais onde existe a bandidagem à solta Só sei que a culpa com certeza não é do presidente.
Joao
2022-06-19 18:30:49Essa perseguição sistemática do judiciário aos que investigam os poderes, citado no artigo, mostra o quanto o país é atrasado. Muitos juízes não toleram críticas e adoram entrar com pedidos de danos morais sabendo que um colega seu vai julgar. Atrasam processos por anos a fio, deixando muitos crimes prescrevem, mas dão prazos de 24 h ou 5 dias quando fazem demandas aos outros poderes. Fazem censura a jornais ou TVs, quando cidadãos desonestos como Flávio Bolsonaro, fazem este tipo de demanda.
luiz antonio-rj
2022-06-19 12:52:55Se 2 pessoas se embrenharam na selva para investigar maus tratos a índios, garimpo ilegal, extração de madeira ilegal e narcotráfico sem treinamento militar, desarmados e sem apoio do estado só posso crer em suicídio. Ou só idiotice, mesmo lamentando a morte deles. Faz lembrar o padre que voou amarrado em balões sem bússola e gps
JULIANA
2022-06-19 11:02:12Não sei se dá pra usar esse termo, mas parabéns, André! Parabéns pelo discernimento, pela clareza e pela humanidade no trato de um assunto tão sensível.
Nyco
2022-06-18 21:54:29A imprensa 'canhota', inclusive este folheto, já colococaram na conta do PR Bolsonaro a morte de Dom e Bruno. Acho que semana que vem ELE também será responsabilizado pelas morte do Chico Mendes, da Dorothy Stang e Tim Lopes, já que os presidentes da época passaram longe de ser responsabilizados. __ Pra mim, vai ser no 1ºturno, understand?
Guilherme C Braga
2022-06-18 21:38:10Parabéns pelo seu artigo, conseguiu em poucas palavras expressar o sentimento da perda de civilidade que nos atinge com frequência cada vez maior.
Dorothea
2022-06-18 21:02:07Parabéns pelo excelente artigo, André! Espero que o trabalho de qualidade de vocês mantenha o jornalismo investigativo em continuidade. Muito obrigada pela persistência!
MARCOS
2022-06-18 19:04:38A MENSAGEM QUE FICA É QUE NO BRASIL O CRIME COMPENSA. VÃO PASSAR DOIS ANOS NA CADEIA E DEPOIS SERÃO SOLTOS. EXEMPLO: O LULA.