O Brasil precisa saber quais instrumentos de espionagem estão em uso no país, diz Transparência
O Tribunal de Contas da União suspendeu na quarta-feira, 10, uma licitação para a compra do sistema de espionagem Harpia pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. Inicialmente, a pasta estava interessada no software Pegasus, do israelense NSO Group. Após uma polêmica internacional de que esse programa estaria sendo usado por regimes autoritários para perseguir...
O Tribunal de Contas da União suspendeu na quarta-feira, 10, uma licitação para a compra do sistema de espionagem Harpia pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. Inicialmente, a pasta estava interessada no software Pegasus, do israelense NSO Group. Após uma polêmica internacional de que esse programa estaria sendo usado por regimes autoritários para perseguir ativistas e jornalistas, a empresa de Israel desistiu da negociação.
Na decisão desta semana, o TCU atendeu a um pedido feito pelas organizações Conectas, Instituto Igarapé, Transparência Internacional, Instituto Sou da Paz e Rede Liberdade. Nicole Verillo, fundadora da Transparência Internacional do Brasil e responsável pelo Centro de Apoio e Incidência Anticorrupção da Organização, conversou com Crusoé sobre o uso de programas de espionagem por órgãos públicos brasileiros. "É urgente que o Brasil faça um inventário geral detalhado sobre as ferramentas de vigilância que atualmente estão em poder das autoridades e aprimore os controles democráticos para aquisição e uso de tecnologias de inteligência pelo estado", diz ela. Eis a entrevista:
O TCU suspendeu a compra do software Harpia. Pode-se afirmar que esse programa de espionagem não será mais adquirido pelo governo brasileiro?
A decisão do plenário do TCU foi uma decisão cautelar de suspensão, que ainda será julgada no mérito. Não é definitiva e ainda pode cair. Os autos da decisão até este momento não foram publicados para que possamos fazer uma análise mais profunda do seu teor.
Apesar de o NSO Group ter desistido da licitação, existe a possibilidade de o software israelense Pegasus ter sido comprado por outras instâncias do governo brasileiro?
Nas últimas décadas, houve um aumento das capacidades de vigilância do estado. Isso foi fomentado pelo desenvolvimento e oferta de novas tecnologias, não só o Pegasus, que permitiram a disseminação, de maneira pouco transparente e com baixo controle social, do uso de ferramentas de vigilância pelo mundo. Porém, os instrumentos legais de transparência e controle no Brasil não acompanharam essa transformação. Os atuais marcos legais e institucionais dão margem à opacidade e descontrole. A Lei das Organizações Criminosas, de 2013, deixa uma brecha para a compra sem licitação e sigilosa de equipamentos de inteligência. Além disso, mesmo quando há licitação, faltam parâmetros sobre tipos aceitáveis de ferramentas e regulação de seu uso. A falta de transparência governamental inviabiliza o conhecimento e a fiscalização pela sociedade. Se, por um lado, é importante que o estado e suas instituições se atualizem tecnologicamente, por outro, essas tecnologias de vigilância podem ser utilizadas para monitoramento e controle da sociedade civil e, consequentemente, para intimidar ativistas, jornalistas, advogados e defensores dos direitos humanos.
Como explicar o interesse de autoridades brasileiras em comprar programas de espionagem?
A espionagem digital é um problema global, mas democracias discutem cada vez mais limites constitucionais e meios de controle. O Brasil tem um histórico de abusos sistemáticos de autoridade por parte das forças policiais e pelo sistema de Justiça. O caráter do atual governo, de evidente viés autoritário, agrava os ataques ao espaço cívico, além da total falta de transparência nas tomadas de decisão. Pessoas críticas ao governo têm sido atacadas e perseguidas, e vozes dissidentes têm sido intimidadas e silenciadas. O uso de ferramentas de vigilância amplia esses problemas e gera um cenário de temor ainda maior, principalmente diante da falta de transparência e conscientização da sociedade sobre o tema e sua gravidade.
Com que grau de certeza podemos dizer que órgãos públicos e de segurança brasileiros não estão usando softwares de espionagem de forma irregular?
Não podemos. É urgente que o Brasil faça um inventário geral detalhado sobre as ferramentas de vigilância que atualmente estão em poder das autoridades e aprimore os controles democráticos para aquisição e uso de tecnologias de inteligência pelo estado. A Transparência Internacional no Brasil, a Artigo 19 e a Conectas e Igarapé, fizeram diversos pedidos de acesso à informação para ter acesso a projetos de tecnologia do governo, mas só recebemos respostas negativas até agora. A luta contra o terrorismo, a corrupção e outras formas de criminalidade organizada não podem justificar os riscos do vigilantismo estatal e o sigilo de informações.
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Comentários (5)
Jaime
2021-11-14 21:06:23Seria engraçado se é C.I.A tivesse que sair revelando pro povo norte-americano COMO consegue informações. No Brasil não existe a Lei R.I.C.O.. E a tolerância com a bandidagem política é MÁXIMA. Desta forma, entende -se o porquê de tanta celeuma. Cara, no Brasil roda prova colhida DEVE passar pelo crivo do Poder Judiciário ou será INVÁLIDA. Então, só vagabundo, pedófilo, políticos enrolados e outros "boas praças" devem ficar preocupados. NÃO é o Brasil que quer saber; são os malandros q querem.
Newton
2021-11-14 11:53:29Que fique registrado, sou 100% favorável a toda e qualquer tecnologia de inteligência que confronte as narrativas dessa matéria. O resto é mimimi...
Odete6
2021-11-14 02:35:10É claro que estamos sendo identificados, espionados e catalogados!!! Quanto a isso não há a menor dúvida!!! É a máquina do Estado sendo utilizada para fins particulares da tentacularmente abrangente caterva do desgoverno. E com certeza, como na ditadura, há registros acompanhados de dossiês mentirosos e turbinados por calúnia, injúria e difamação. Pode-se registrar!!!
Marcello
2021-11-13 18:24:21Tem o caso daqueles grampos nos WhatsApp / Telegram do pessoal da Lava Jato que até hoje está devendo maiores explicações! Nada de indiciarem os mandantes, até parece que o objetivo era apenas o de inocentar / liberar os bandidos políticos corruptos!
PAULO
2021-11-13 14:56:28Temos um governo com viés autoritário, que tentou de todas as formas dar um autogolpe, como evidenciado no dia 07/09/21. Precisamos saber até onde avançou o uso de tecnologias espiãs. Moro Presidente 🇧🇷