As perguntas que a PF não fez a Jair Bolsonaro
O tão aguardado depoimento prestado por Jair Bolsonaro à Polícia Federal na noite de quarta-feira, 3, em Brasília foi visto por investigadores com longa trajetória em oitivas como mais uma prova de que, ao contrário do que disse ao delegado que o visitou no Palácio do Planalto, o presidente da República interferiu, sim, na corporação. O termo...
O tão aguardado depoimento prestado por Jair Bolsonaro à Polícia Federal na noite de quarta-feira, 3, em Brasília foi visto por investigadores com longa trajetória em oitivas como mais uma prova de que, ao contrário do que disse ao delegado que o visitou no Palácio do Planalto, o presidente da República interferiu, sim, na corporação.
O termo de declarações juntado nesta quinta-feira, 4, ao inquérito no Supremo Tribunal Federal expõe um "investigado" bastante confortável com o baixo rigor do interrogatório conduzido pelo delegado Leopoldo Lacerda, chefe do setor de inquéritos especiais da PF, que assumiu o caso em setembro, depois que o delegado Felipe Leal foi afastado pelo ministro Alexandre de Moraes por solicitar novas diligências para preencher "lacunas" que ainda restavam.
Algumas dessas lacunas ficaram explícitas no depoimento e continuam sem respostas. Foram 13 tópicos abordados por Lacerda relacionados à acusação feita por Sergio Moro em abril do ano passado, quando ele pediu demissão do Ministério da Justiça afirmando que Bolsonaro queria intervir na Polícia Federal para blindar a família e aliados de investigações. O presidente respondeu todas elas como quis, sem ser confrontado. A seguir, Crusoé lista as perguntas que a PF deixou de fazer a Bolsonaro nas dependências do Planalto.
Ao ser questionado sobre os motivos pelos quais "pediu" a Moro para trocar o então diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, Bolsonaro alegou "falta de interlocução" e necessidade de "maior interação" com o chefe da PF. O presidente não foi indagado sobre que tipo de interação ele gostaria de ter com o diretor de uma corporação autônoma, cujo chefe imediato é o ministro da Justiça e que tem como uma de suas atribuições investigar desvios dentro do seu governo. Como militar reformado, Bolsonaro sabe, ou deveria saber, como funciona a hierarquia dentro das instituições.
Indagado sobre as declarações na fatídica reunião ministerial de abril de 2020, na qual reclamou que a PF não lhe dava informações e que não tinha acesso a "relatórios de inteligência", Bolsonaro disse que se referia a dados para ajudá-lo na "tomada de decisões" e não "informações sigilosas sobre investigações". O presidente não disse -- e também não foi questionado a respeito --, sobre qual a base legal para esse tipo de cobrança da PF e por que não cobrou esses dados da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, criada justamente para subsidiar o presidente da República com esse tipo de informação.
A Abin, aliás, sintetiza a maior das contradições da defesa de Bolsonaro contra as acusações de interferência da PF. E nenhuma delas foi explorado no depoimento no Palácio do Planalto. O presidente disse que quando reclamou que havia tentado "trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente" e não havia conseguido, ele se referia ao núcleo do Gabinete de Segurança Institucional, comandado pelo general Augusto Heleno, fiel aliado dele, e a quem a Abin está subordinada. Bolsonaro não foi questionando por que, então, pediu para trocar o superintende da PF no Rio e não os agentes de segurança do GSI.
O delegado Leopoldo Lacerda poderia ter perguntado a Bolsonaro se sua maior queixa em relação ao "serviço de inteligência" e "segurança" não estava relacionada à PF, mas aos agentes vinculados ao GSI, por que ele indicou o diretor da Abin, Alexandre Ramagem, para ser o sucessor de Valeixo no comando da Polícia Federal -- a nomeação só não se concretizou porque foi suspensa pelo ministro Alexandre de Moraes.
Bolsonaro também disse no interrogatório que pediu para trocar o chefe da PF em seu estado à época, Ricardo Saadi, porque o Rio é "muito complicado" e "necessitava" de um dirigente local com "maior liberdade de trabalho". Faltou indagá-lo quais exemplos mostravam a suposta falta de independência do delegado e se isso não seria um problema relacionado ao superior dele e não ao ao próprio superintendente.
Também não houve nenhum questionamento sobre os dados que embasam a afirmação de que o pedido de troca da superintendente da PF em Pernambuco foi feito por causa da "baixa produtividade local", o que é desmentido pelos balanços da própria corporação. Bolsonaro apontou ainda como um dos motivos da saída da delegada Carla Patrícia o fato de ela ter ocupada anteriormente cargo de secretário estadual, o que "não daria a isenção necessária nos trabalhos locais". O atual diretor-geral da PF, Paulo Maiurino, que tem agradado o presidente com sua atuação, já foi secretário no governo do PSDB de São Paulo e funcionário comissionado do STF e do Superior Tribunal de Justiça.
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Comentários (10)
José
2021-11-06 09:41:23Agora vão fazer reprise das investigações sobre o Adélio. Será que por está perto das eleições vão encontrar um boi de piranha na trama para beneficiar bolsonaro ?
Cleusa
2021-11-06 06:11:38Enquanto o Brasil for o país onde a impunidade, nós não seremos um país razoável para se viver.
FRANCISCO
2021-11-06 01:35:40Exatamente, muita coisa não foi perguntada, não chamaram os advogados do Moro por isso.
JO EL
2021-11-05 21:17:13Igualzinho aos chas das 15 que fazem pra aprovarem os ministros do supremo e outros igualmente privilegiados de carta marcada. Este Brasil e mesmo uma piada.
PAULO
2021-11-05 20:59:56A matéria foi cirúrgica. Bolsonaro é um mentiroso contumaz. Mor🇧🇷 Presidente.
Robinson
2021-11-05 16:50:27Interrogatório realizado para arquivar processo.
MARCOS
2021-11-05 15:13:43ESSE DELEGADO TEM QUE OUVIR O MARCOLA, O FERNANDINHO BEIRAMAR, NOS MOLDES DA OITIVA DO BOLSONARO. VAI SER TODO MUNDO SOLTO.
SYLVIO
2021-11-05 11:20:34Ué, porquê o Bolsonaro não pedia as informações diretamente ao Moro, então o Ministro da Justiça?o
Ruy
2021-11-05 11:04:05Constitucionalmente o PR elege o diretor da PF. Assim, presidente da PR, pode investigar como quiser os candidatos á diretor da PF. Mesmo assim e Inconstitucionalmente, o ministro de Morais, vetou a indicação do PR. Qual foi o real motivo ? Medo do que o indicado pelo PR soubesse coisas que não interessavam aos "donos" do Brasil que ele soubesse ?
Amaury Feitosa
2021-11-05 10:26:19este é mesmo o país do cinismo e da hipocrisia .. o presidente da república é o Chefe da Polícia Federal mas não pode interferir nela . é muita falta do que fazer ou seria de assunto? onde esta gente pensa que vive? uns respeitaram a independência republicana da PF mas nenhum como o Bolzo aí inventam factóides de nomeada .. haja óleo de peroba para tanta cara de madeira.